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O Concurso Público no Ordenamento Jurídico

Alessandro Dantas Coutinho

Alessandro Dantas Coutinho

08/12/2015

1. Conceito e natureza jurídica

O Analisando o artigo 1°, parágrafo único, da Constituição Federal, percebe-se que todo poder emana do povo, o qual, todavia, não possui condições de diretamente realizar a gestão dos interessas da coletividade.

Por conta disso foi criada uma estrutura organizacional administrativa que terá por objetivo a gestão dos interesses públicos, como, por exemplo, a prestação de serviços públicos, o desempenho de atividades de fomento, o exercício de atividades fiscalizatórias, a exemplo do que é feito pelo uso do poder de polícia, etc. Esta estrutura organizacional é chamada de Administração Pública, sendo a atividade de gestão dos interesses da coletividade a função administrativa, que é exercida tipicamente pelo Poder Executivo e atipicamente pelos demais Poderes.

Para que esta estrutura possa se movimentar é necessário que tenha a sua disposição um grande contingente humano, que são os agentes públicos, os quais podem estar ligados à Administração por vínculos diferentes. Tem-se, como espécies de agentes públicos, por exemplo, os agentes políticos, os servidores estatutários, os empregados públicos, etc.

Tendo em vista a permanente necessidade de contratação de pessoal, justamente para que as atividades administrativas sejam contínuas, regulares, eficientes e atendam às expectativas do povo, verdadeiro titular do poder e que depositou a confiança no Governo para que faça uma gestão honesta e produtiva, é que surge o concurso público como meio impessoal, moral, isonômico e eficiente para a contratação de pessoal para trabalhar em caráter permanente no Poder Público e desempenhar as imprescindíveis competências administrativas voltadas à satisfação do interesse público.

O concurso público tem como fundamento, especialmente, os princípios da igualdade, impessoalidade e da competição. Em apertada síntese, o princípio da igualdade assegura que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem uma vaga em igualdade de condições, ressalvado o tratamento diferenciado aos portadores de necessidades especiais. O princípio da impessoalidade veda favorecimento ou perseguições pessoais em concursos públicos, bem como a pratica de nepotismo[1], visto que tais condutas prejudicarão a seleção dos melhores candidatos[2]. Pelo princípio da competição os candidatos procuram alcançar a melhor classificação de modo que tenham condições de ingressarem no serviço público[3].

Assim, podemos dizer que o concurso público é um procedimento administrativo (sucessão ordenada de atos) que tem por finalidade aferir as aptidões pessoais (intelectual, física e psíquica) e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e empregos públicos, dando iguais condições de participação aos seus interessados, ressalvado o tratamento diferenciado aos portadores de necessidades especiais, sendo, portanto, o melhor instrumento que representa o sistema de mérito.

O concurso público tem a natureza jurídica de procedimento administrativo porque “não se perfaz em um único átimo. Ao contrário, desde sua instauração até sua homologação demanda um certo tempo, durante o qual são realizados, segundo certa sequência, vários atos e tomadas determinadas decisões, destinados a alcançar um único fim. O concurso não é, pois, um ato, mas um procedimento, ou seja, um conjunto de atos administrativos interligados e realizáveis segundo certa cronologia previamente estabelecida, destinados à obtenção de um só resultado final: a seleção, dentre os vários candidatos, daqueles que melhor possam atender ao interesse público”[4].

A regra do concurso público está prevista no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, segundo o qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei.

2. Exigência e inexigibilidade

O art. 37, inciso II, da Constituição Federal prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, sendo esta a regra geral para ingresso no serviço público.

O dispositivo constitucional é bem claro ao mencionar que o concurso público é indispensável para provimento de cargos[5] ou empregos públicos. Isso abrange a seleção de servidores estatutários e celetistas, devendo essa exigência ser observada tanto pela Administração Pública Direta de qualquer dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, quanto pela Administração Pública Indireta (Autarquias, Fundações Públicas, Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas).

Diversamente do que dispunha a Emenda Constitucional n° 1 de 1969, que em seu parágrafo 1° do artigo 97, preceituava que a “a primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei”, a atual Constituição prevê que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A expressão “primeira” foi retirada porque essa regra possibilitava a prática de inúmeros abusos e desvios de finalidade, permitindo o ingresso em carreira diversa para a qual o servidor público ingressou por concurso, o que era feito por via de provimento derivado como a ascensão e a transferência, com base no preceito maleável contido no §1 do art. 97 da Emenda Constitucional de n° 1 de 1967. Com essa supressão, realmente, alterou-se, de modo profundo, a exigência do concurso público para a investidura nos cargos públicos.

O inciso II do art. 37 da atual Constituição não mais apresenta os dois fatores de afrouxamento do moralizante princípio administrativo da necessidade do concurso público para o provimento dos cargos públicos que se encontravam no texto da emenda constitucional n° 1 de 1969: o entendimento de que a exigência de concurso era apenas para a primeira investidura no serviço público e as exceções que a lei poderia prever[6].

Deste modo, sob a égide da Carta Constitucional de 1988, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL decidiu que “estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados.  o inciso II do artigo 37 da constituição federal também não permite o “aproveitamento”, uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo”[7].

Essa matéria foi definitivamente resolvida pelo Pretório Excelso com a inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

De tal modo, é proibido aceitar que servidor ocupante de cargo de uma carreira seja transferido para cargo de carreira diversa sem que tenha sido aprovado no respectivo concurso, seja qual for a modalidade de provimento. Uma investidura realizada nestes moldes revela-se inconstitucional devendo ser anulada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.

Quanto à exigência do concurso público é pertinente transcrever as palavras de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO[8], segundo o qual “a prévia aprovação em concurso público é, como regra, condição de ingresso no serviço público. O alcance da exigência deve ser o mais amplo possível, de modo que pode se considerar que a exigência da aprovação em concurso se configura como a regra geral”.

Portanto, após a Constituição Federal de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou em prego público sem prévia aprovação em concurso público. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou entendimento de que há nulidade de contrato de trabalho firmado com entidade da Administração Pública sem a prévia realização de concurso público por violar o art. 37, inciso II, da Constituição Federal, não gerando efeitos trabalhistas, sendo devido apenas o saldo de salários pelos dias efetivamente trabalhados para que a Administração não tenha um enriquecimento sem causa[9].

Veja-se o seguinte acórdão:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONCURSO PÚBLICO. INOBSERVÂNCIA. NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS. SALDO DE SALÁRIO. 1. Após a Constituição do Brasil de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contratação não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento do saldo de salários dos dias efetivamente trabalhados, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público. Precedentes. 2. A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas – art. 173, §1°, II da CB/88 – não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CB/88, que se refere à investidura em cargo ou emprego público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento[10].

O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO entende que além do saldo de salário, também são devidos os valores relativos ao FGTS[11], como se verifica na Súmula 363: “a contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e §2°, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, — respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.

Como dito anteriormente, o concurso é a regra geral para ingresso no serviço público, mas essa regra comporta exceções. Dentre essas exceções estão os cargos em comissão, declarados por lei como de livres nomeação e exoneração, destinando-se a atribuições de chefia, assessoramento ou direção (art. 37, inciso V, da Constituição).

Não só os cargos em comissão, como também os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público a exigência do concurso é dispensada, conforme determinação do art. 37, inciso IX, da Constituição. Nesta circunstância, a inexigibilidade de concurso público é justificável diante da temporariedade da carência e da excepcionalidade da situação de interesse público.

De acordo com o art. 94 da Constituição Federal, também é inexigível concurso público para a investidura dos integrantes do quinto constitucional dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e Territórios, composto de membros do Ministério Público e advogados. Da mesma forma, também estão dispensados de concurso público a investidura dos membros dos Tribunais de Contas, bem como dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

3. Edital

O edital do concurso, também conhecido como instrumento convocatório, é o ato que veicula as normas que irão reger o certame. O mesmo deve estabelecer os critérios da seleção e regulamentar todo procedimento a ser seguido, não podendo, é claro, ferir normas de maior hierarquia, como a lei, a Constituição, etc.

Uma vez publicado, a coletividade passa a ter conhecimento do interesse da Administração em ampliar o seu quadro de pessoal e qualquer pessoa, desde que preencha os requisitos do cargo ou emprego, pode se candidatar a uma vaga no serviço público. Por isso o edital deve ser amplamente divulgado para que o maior número de interessados possa se inscrever no certame.

As cláusulas constantes do edital que regulamenta o concurso são vinculantes tanto para a Administração Pública quanto para os candidatos, sendo de cumprimento obrigatório, por isso o edital é a “lei do concurso”.

O instrumento convocatório deve ser redigido de forma clara e objetiva, de maneira a possibilitar a perfeita compreensão de seu conteúdo pelo pretendente ao cargo ou emprego público oferecido.

O edital por ser o regulamento do concurso deve conter identificação da banca realizadora do certame e do órgão que o promove; do cargo ou emprego público, suas atribuições e vencimentos; dos requisitos para ingresso no serviço público; dos procedimentos de inscrição; dos critérios de avaliação das provas; do conteúdo programático das provas objetivas e discursivas; da data de realização das provas; do processo de interposição e julgamento dos recursos; do prazo inicial de validade e da possibilidade de sua prorrogação; do percentual de cargos ou empregos reservados às pessoas portadoras de necessidades especiais, dentre outras informações necessárias para boa execução do certame.

Como ato administrativo de caráter normativo, o edital deve ser elaborado de acordo com os ditames legais e constitucionais, obedecendo aos princípios aplicáveis a Administração Pública, bem como a lei que regula o cargo provimento é objeto do certame[12].

3.1 Modificação do edital

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem se pronunciado no sentido de assegurar segurança jurídica na execução do concurso público impedindo que a Administração Pública altere ou viole cláusulas editalícias por mera conveniência, firmando o entendimento de que os editais de concursos públicos são inalteráveis no decorrer dos certames, salvo quando alguma alteração se fizer necessária por imposição de lei ou para sanar erro material contido no texto.

Permite-se ainda a correção de ambiguidade textual, nos casos de erros meramente materiais, desde que o sentido adotado tenha por base deliberação tomada prévia e publicamente pela comissão organizadora, em momento anterior ao início do próprio certame[13].

É o que se verifica nos seguintes julgados:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O Conselho Nacional de Justiça tem legitimidade para fiscalizar, inclusive de ofício, os atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário (MS 26.163, rel. min. Carmem Lúcia, DJe 04.09.2008). 2. Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambiguidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital n° 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada[14].

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO. ALTERAÇÃO DO EDITAL. 1. Enquanto não concluído e homologado o concurso público, pode a Administração alterar as condições do certame constantes do respectivo edital, para adaptá-las à nova legislação aplicável à espécie. Antes do provimento do cargo, o candidato tem mera expectativa de direito à nomeação. Precedentes. 2. Recurso provido[15].

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. ALTERAÇÃO NO EDITAL. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PUBLICIDADE. 1. Alterações no edital do concurso para agente penitenciário, na parte que disciplinou o exercício abdominal, para sanar erro material, mediante uma “errata” publicada dias antes da realização da prova física no Diário Oficial do Estado. 2. Desnecessária a sua veiculação em jornais de grande circulação. A divulgação no Diário Oficial é suficiente per se para dar publicidade a um ato administrativo. 3. A Administração pode, a qualquer tempo, corrigir seus atos e, no presente caso, garantiu aos candidatos prazo razoável para o conhecimento prévio do exercício a ser realizado. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido[16].

A modificação do edital deve ter efeitos apenas prospectivos, por isso as cláusulas editalícias só podem ser alteradas antes de praticado o ato que sofrerá os efeitos da alteração, devendo, também, ser alterado com uma antecedência razoável para que os inscritos no certame se adaptem as novas exigências editalícias.

4. O edital não pode contaria a lei e nem a constituição federal

Como lamentavelmente ainda não existe uma lei geral dos concursos públicos, ou uma lei federal mais minuciosa que possa servir de balizamento, o edital irá disciplinar passo a passo o certame, sendo que das exigências ali previstas umas são decorrência vinculadas da lei (especialmente a que criou o cargo e estabeleceu requisitos de acesso ao mesmo, nos termos do artigo 37, II, da CF) e outras são decorrentes da competência discricionária da Administração Pública.

A discricionariedade existe apenas na elaboração do edital, razão pela qual após a publicação do mesmo, caso as regras inseridas não estejam em conflito com normas de maior hierarquia, as mesmas devem ser seguidas, tornando o comportamento da Administração vinculado no decorrer do certame.

Por isso os aplicadores do direito, especialmente os magistrados, devem ter bastante cautela ao deferir ou indeferir uma liminar com base unicamente no princípio da vinculação ao instrumento convocatório, pois o edital por mais que chamado de “lei interna do concurso” não pode aviltar normas de maior hierarquia.

Quando se fala que o edital é a lei interna do concurso e por isso deve ser observado, essa conclusão só é correta se partir do pressuposto que o mesmo foi confeccionado corretamente.

O edital é um ato administrativo, portanto de inferior hierarquia em relação à lei e à Constituição Federal. Assim, quando se diz que o edital é a “lei interna do concurso”, que o “edital vincula as partes” essas afirmativas apenas são corretas se o instrumento convocatório estiver em conformidade com a lei e a Constituição Federal, sob pena de subversão e inversão do sistema hierárquico existente entre as espécies normativas.

Deve se lembrar de que a relação da Administração com a lei não é uma relação de não contrariedade, como ocorre com o particular, mas uma relação de conformidade, uma relação de vinculação positiva à lei. Por isso afirma-se que a Administração só pode agir se existir uma lei autorizando ou determinando a conduta.

Neste sentido é a doutrina autorizada sobre o tema[17]:

Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este [particular] pode fazer tudo o que a lei permite e tudo o que a lei não proíbe; aquela [Administração] só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. Vale dizer, se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir.

É muito comum na prática o edital inovar e fazer exigências não previstas em lei. Um exemplo é quando a lei que disciplina um cargo público e informa quais os requisitos necessários ao seu provimento e o edital insere novos requisitos. Exemplo concreto dessa situação é quando a lei que criou o cargo exige a graduação como requisito de acesso ao mesmo e o edital, além de exigir esta graduação, também faz a exigência de uma especialização.

Note-se que o edital está extrapolando o poder de regulamentar o certame e usurpando competência do legislador, pois compete ao mesmo criar as exigências de acesso ao cargo público.

Em situação como a descrita não existe a menor possibilidade de se falar em vinculação ao instrumento convocatório, pois o mesmo está em desconformidade com normas de maior hierarquia e as regras conflitantes devem ser declaradas nulas pelo Poder Judiciário, afastadas, e, como consequência, acatados os pleitos dos candidatos deduzidos em juízo.

A margem de discricionariedade dada à Administração é apenas para sistematizar como vai ser o certame, não podendo criar requisitos de acesso ao cargo, pois aqui há uma regra de reserva legal.

Vejamos por comparação: uma coisa é a Administração decidir que o concurso terá prova objetiva e discursiva, outra coisa é exigir requisitos novos para assumir um cargo público. São coisas completamente diferentes.

Inclusive, talvez sem saber, os Tribunais muitas vezes entram em contradição quando aplicam indistintamente o princípio da vinculação ao edital em seus julgados.

Veja-se!

É ponto pacífico na jurisprudência nacional que o exame psicotécnico só pode ser exigido por lei. Isso é pacífico e fora de discussão!

Imagine-se que não houvesse previsão legal para exigência de psicotécnico para ingresso na Polícia Militar. Por mais que o Judiciário entenda que o mesmo é razoável, há um limite instransponível que é a exigência de lei formal.

Inclusive o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL pacificou o assunto quando editou a súmula n° 686 que enuncia que só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

Nota-se que a situação é a mesma!

Quando o edital extrapola seu limite regulamentar ele entra em total contradição com a Lei, com a Constituição Federal e a com correta jurisprudência, especialmente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Não há dúvidas: a discricionariedade é limitada. Já dizia o saudoso CAIO TÁCITO que a discricionariedade não é um cheque em branco em que a Administração pode preencher qualquer valor. Há limites e os mesmos devem ser respeitados.

A verdade é que muitas vezes o Judiciário tem tentado consertar os erros dos inábeis administradores, abrindo exceções à correta e técnica aplicação do ordenamento jurídico.

Aqui há verdadeira e disfarçada forma de intromissão indevida na função administrativa. Um controle de mérito paralelo, no sentido que são mantidos comportamentos ilegais com base em fundamentos que não se sustentam.

A verdade é nua e crua: se o ato é ilegal não há escapatória, deve o mesmo ser anulado, exterminado e o gestor público que faça corretamente.

5. Impugnação do edital

Por fim, cabem algumas considerações sobre a impugnação do edital.

Normalmente o edital, de forma ilegal e abusiva, não prevê uma sistemática administrativa de impugnação de suas regras. Todavia, mesmo na ausência de regras oportunizando o questionamento do edital, ao contrário do que existe em relação à lei de Licitações, que em seu artigo 41 prevê a impugnação do instrumento convocatório, aqui, no concurso, o questionamento é possível, seja pela supressão de lacuna por meio de analogia com a lei de licitação, seja com base no direito constitucional de petição previsto no artigo 5°, inciso XXXIV, “a” da CF, cujo teor é o seguinte: são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Judicialmente, o meio mais adequado de impugnar o edital é por meio de mandado de segurança:

O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

Esta ciência poderá se dar de duas maneiras: pela publicação do ato coator em algum veículo da imprensa oficial ou ainda através da intimação pessoal do administrado. Em todo caso, a fluência do prazo decadencial no mandando de segurança tem início na data em que o interessado tiver ciência inequívoca da lesão ao seu direito.

Importante ficar claro que, se após a publicação do ato no diário oficial houver intimação pessoal, o prazo de 120 dias não é reaberto, permanecendo válido como dies a quo o dia da publicação. A recíproca é verdadeira: se após a intimação pessoal do ato coator houver publicação do ato no diário oficial, o prazo de 120 dias não é reaberto, permanecendo válido como dies a quo o dia da intimação pessoal.

Ou seja: vale o que ocorrer primeiro, sendo que posterior ciência do interessado não reabre o prazo.

Para a contagem do prazo vale a regra prevista no art. 184 do Código de Processo Civil de que se exclui o dia do início e inclui o dia do fim.

Trata-se de prazo decadencial, ou seja, passado o prazo de 120 dias, a parte não perde o direito em si, apenas perde a possibilidade de fazer uso da ação de mandado de segurança podendo ainda se valer de ação ordinária ou de outra ação cabível no caso concreto.

Por se tratar de prazo decadencial, ele não se suspende nem se interrompe, nem naquelas situações previstas nos arts. 207 a 211 do Código Civil, nem mesmo durante as férias forenses.

6. Homologação

Como visto, o concurso público é o meio eficiente e democrático de o Estado contratar pessoal para trabalhar de forma permanente junto ao Poder Público. Sua exigência decorre dos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse público, dentre outros vetores principiológicos.

O concurso encerra um procedimento administrativo, portanto, formado por uma série de atos, tendo na homologação seu termo.

A homologação nada mais é que um ato administrativo vinculado, decorrente de controle interno de legalidade, que confirma a legitimidade e legalidade do procedimento, podendo, a partir deste momento, a Administração promover a nomeação dos candidatos aprovados, seja dentro ou fora do número inicial de vagas apresentadas.

6.1. A homologação pode ser total ou parcial

Como ato confirmatório da legalidade de outro(s) ato(s) a homologação pode recair sobre todo concurso ou sobre parte dele.

Quando se tratar de concurso sem etapa de curso de formação a homologação deve ser total. Por exemplo, em um concurso para o provimento de 1000 (mil) cargos de analista judiciário de um Tribunal qualquer, onde as fases do concurso foram apenas provas objetivas, discursivas e análises de títulos, finalizada a competição e encerradas as fases do certame, cabe agora à Administração promover a homologação do concurso que, seja de forma expressa ou não, será total, pelo menos para este cargo.

Assim, após o concurso homologado, existirão candidatos reprovados, e, portanto, eliminados, e candidatos aprovados, alguns dentro e outros fora do número de vagas inicialmente apresentadas. É direito dos candidatos aprovados dentro do número de vagas apresentadas no edital sua nomeação, porém, em situação de normalidade, cabe a Administração a escolha quanto ao momento, dentro do prazo de validade do concurso, de realizar o provimento do cargo.

6.2. Possibilidade de aproveitamento de excedentes (cadastro de reserva).

Já em relação aos candidatos aprovados fora do número de vagas, como foram aprovados, os mesmos podem ser aproveitados ao longo do prazo de validade do certame. São candidatos que estão no cadastro de reserva, seja atribuída ou não esta nomenclatura no edital. São os popularmente conhecidos “excedentes”.

A princípio e em situação de normalidade estes excedentes possuem apenas expectativa de direito à nomeação, porém tal expectativa, a depender do caso concreto, pode se converter em direito à nomeação, o que deverá ser buscado em juízo.

6.3. Possibilidade de o concurso ter vários homologações parciais e vários cursos de formação.

Já em relação aos concursos que possuem curso de formação como etapa própria do certame é possível a homologação parcial do mesmo, homologando, em verdade, o resultado do concurso em relação aquele contingente que realizou o curso de formação, passando, a partir daí, a correr o prazo para nomeação dos candidatos totalmente aprovados no certame.

Quanto aos demais candidatos até então aprovados no certame, pode a Administração convocá-los para realizar um novo curso de formação e, posteriormente, aproveitá-los. Isso acontece muito quando há muitas vagas a serem preenchidas ou outras surgirem e, por falta de estrutura operacional ou até mesmo por conveniência e oportunidade, a Administração decide fazer turmas diferentes.

Para exemplificar, imagine-se um concurso para o provimento de 2000 (dois mil) cargos de soldado combatente da Policia Militar. Imaginemos que a academia de polícia apenas comporte turmas com no máximo 1000 (mil) alunos. Percebe-se que operacionalmente não dá para colocar todos e por isso são feitas várias turmas.

A pergunta é: mas o que isso tem a ver com homologação parcial? Tudo, pois a nomeação apenas pode ser feita após a homologação e, por isso, para nomear os candidatos que finalizaram o curso de formação com êxito é necessário que haja homologação do mesmo. Neste caso houve uma homologação parcial e com isso inicia o prazo para nomeação dos candidatos aprovados, porém é possível a continuidade do concurso em relação aos candidatos até então aprovados, porém que não fizeram o curso de formação.

O ideal é o edital disciplinar a matéria pelo menos quanto aos aprovados, pois, sendo aprovado, mesmo que parcialmente no concurso, é possível a continuidade do certame em relação aos mesmos. Se o edital for omisso, deve ser aplicado, pelo menos em âmbito federal, o artigo 16 do Decreto 6944/2009, que dispõe sobre o número de aprovados na primeira etapa em caso de concursos com mais de uma etapa.

Assim, de um único concurso é possível realizar vários cursos de formação, ter várias homologações até, em tese, não existirem mais candidatos aprovados e aptos a serem absorvidos.

Condutas como ato expresso de homologação total do concurso, regras no edital no sentido de que haverá apenas um único curso de formação e quem não participou está eliminado ou a abertura de outro concurso demonstram que a Administração optou por não dar seguimento ao concurso em relação àquele contingente. Registre-se que isso apenas para os casos de candidatos aprovados fora do número de vagas, pois para os classificados dentro do quantitativo de vagas apresentadas no edital é direito dos mesmos e dever da Administração a continuidade do certame em relação a eles.

7. Validade e prorrogação

O prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez por igual período (art. 37, inciso III, da Constituição Federal), sendo este o prazo máximo de duração de qualquer concurso. Por isso, o certame pode ter prazo de validade igual ou inferior a dois anos, mas nunca pode ser estipulado um prazo de validade superior ao teto constitucional.

O prazo de validade do concurso é contado a partir da homologação de seu resultado. Durante esse período a Administração Pública poderá convocar os candidatos para preencher as vagas até então existentes ou para as que surgirem durante a validade do certame.

A prorrogação do prazo de validade do concurso público somente pode ocorrer uma vez e por igual período, ou seja, o prazo de prorrogação tem que ser igual ao prazo de validade previsto inicialmente para o concurso. Assim, se foi estipulado um prazo de validade de um ano para o concurso, a prorrogação também será de um ano. Da mesma forma, se foi estipulado um prazo de validade de dois anos, a prorrogação deverá ser de dois anos.

Se houver omissão legal ou o edital deixar de dispor a respeito do prazo de validade do certame e de sua prorrogação deve se considerar o prazo máximo de dois anos previsto na Constituição Federal como período de validade do certame, sem, contudo, a possibilidade de prorrogação, pois esta somente pode resultar de expressa prescrição legal ou editalícia[18].

O art. 37, inciso III, da Constituição Federal não permite que uma vez escoado o prazo de validade do concurso público, sem que tenha ele sido prorrogado, possa a Administração Pública instituir novo prazo de validade, visto que prorrogar é estender prazo ainda existente para além de seu termo final e pressupõe a previsão de continuidade antes de encerrado o tempo fixado sem haver interrupção.

Nesse sentido é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

CONCURSO PÚBLICO. PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO APÓS O TÉRMINO DO PRIMEIRO BIÊNIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 37, III DA CF/88. 1. Ato do Poder Público que, após ultrapassado o primeiro biênio de validade de concurso público, institui novo período de dois anos de eficácia do certame ofende o art. 37, III da CF/88. 2. Nulidade das nomeações realizadas com fundamento em tal ato, que pode ser declarada pela Administração sem a necessidade de prévio processo administrativo, em homenagem à Súmula STF n° 473. 3. Precedentes. 4.Recurso extraordinário conhecido e provido[19].

Administrativo. Prorrogação da validade de concurso público (CF, art. 37, III). Impossibilidade de prorrogar a validade do concurso quando já expirado o seu prazo inicial. Precedentes. Regimental não provido[20].

Deste modo, a prorrogação da validade do concurso público é uma faculdade da Administração, mas que deve ser exercida antes de expirado o seu prazo inicial de validade. Como faculdade da Administração, em regra não pode o Poder Judiciário determinar que o Administrador prorrogue o certame, sob pena de violar a independência dos poderes em razão da indevida intromissão no mérito administrativo.

Nesse sentido o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que[21]:

Concurso público. Prazo de validade. Constituição, art. 97, parágrafo 3°. Lei local que estabelece prazo de validade por dois anos, prorrogável por um ano. Do dispositivo constitucional federal não decorre impossibilidade ao legislador estadual de estipular prazo de validade menor, em lei local. No caso, não cabia ao poder judiciário prorrogar o prazo de validade do concurso, ou obrigar o chefe do poder executivo a fazê-lo, a fim de assegurar aos impetrantes o prazo de quatro anos. Ofensa ao art. 97, parágrafo 3°, da constituição. Inexistência de direito certo e liquido. Recurso extraordinário conhecido e provido, para cassar a segurança.

Entretanto, o gestor público deve obediência aos ditames constitucionais e aos princípios norteadores da atuação da Administração Pública. Além disso, a realização de concurso público exige tempo, usa-se pessoal e se gasta dinheiro.

Do ponto de vista racional e de economia, havendo candidatos aptos em determinado concurso e que ainda não foram nomeados, é incompreensível deixar de prorrogar o prazo de validade do certame para realizar outro com a mesma finalidade.

Em situação como a descrita acima o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu que é ilegal a não prorrogação do prazo de validade do concurso, como se verifica no seguinte acórdão:

CONCURSO PÚBLICO. VAGAS. NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. “Como o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na sequência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias” (Celso Antônio Bandeira de Mello, “Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta”, página 56)[22].

Quanto às consequências dessa conduta ilegal, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assentou entendimento de que no caso de não prorrogação do prazo de validade do concurso, em decisão desmotivada, e for reaberto, em seguida, novo concurso para provimento de vagas oferecidas no concurso anterior cuja prorrogação não foi realizada, surge para os candidatos aprovados no concurso não prorrogado direito subjetivo a nomeação.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. SÚMULA 15 STF. I. – A aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito surgi rá se for nomeado candidato não aprovado no concurso, se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado (Súmula 15STF) ou se, indeferido pedido de prorrogação do prazo do concurso, em decisão desmotivada, for reaberto, em seguida, novo concurso para preenchimento de vagas oferecida no concurso anterior cuja prorrogação fora indeferida em decisão desmotivada. II. Precedentes do STF: MS 16.182/DF, Ministro Evandro Lins (RTJ 40/02); MS 21.870/DF, Ministro Carlos Velloso, “DJ” de 19.12.94; RE 192.568/PI, Ministro Marco Aurélio, “DJ” de 13.9.96; RE 273.605/SP, Ministro Néri da Silveira, “DJ” de 28.6.02. III. Negativa de seguimento ao RE. Agravo não provido[23].

Por outro lado, esgotado o prazo de validade do concurso, e não tendo ele sido prorrogado, os incisos III e IV do art. 37 da Constituição Federal e o princípio consagrado na Súmula n° 15[24] do Supremo Tribunal Federal não impedem que a Administração Pública abra posteriormente outros concursos para o preenchimento de vagas oferecidas no concurso anterior, sem ter que convocar os candidatos daquele concurso que não ficaram classificados dentro do número de vagas[25].

8. Controle jurisdicional do concurso após sua homologação

É importante ressaltar que a homologação do resultado do concurso público, a expiração do prazo de validade e respectivas nomeações não conduzem a perda do direito dos demais candidatos de questionarem judicialmente questões de legalidade referentes às fases do certame e, muito menos, tornam os atos antecedentes imunes ao controle judicial.

Isso porque há um prazo prescricional definido em Lei (Decreto 20.910/32) que estabelece que a ações contra o Poder Público prescrevem em 5 (cinco) anos. Admitir o contrário seria entender que o prazo de execução do concurso teria o condão de revogar lei e mais: toda e qualquer ilegalidade do certame não seria passível de questionamento, pois a pretensão de ir ao Judiciário estaria prescrita.

Isso criaria, de forma transversa, um verdadeiro contencioso administrativo, imunizando os comportamentos administrativos ao controle jurisdicional.

Nesse sentido, vejamos o entendimento da jurisprudência a respeito do tema:

MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO PARA PROPOSITURA PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. PERDA DO OBJETO. MÉRITO. NÃO OCORRÊNCIA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. OFICIAL DE JUSTIÇA. EDITAL. NUMERO DETERMINADO DE VAGAS. CANDIDATOS APROVADOS. EXPECTATIVA DE DIREITO. CARGOS VAGOS. CONCURSO AINDA VÁLIDO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. O Mandado de Segurança interposto após o prazo de validade do concurso não implica em perda do objeto, carência de ação ou inexistência de pressuposto processual. É unânime na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público possuem mera expectativa de direito à nomeação; todavia, essa expectativa faz nascer direito subjetivo se, dentro do prazo de validade do concurso, surgem novas vagas não previstas no edital e elementos que demonstram a necessidade de provimento do cargo. A designação de servidor de cargo estranho àquele para o que foi realizado o concurso é ato concreto de recusa a candidatos remanescentes. Recurso provido[26].

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ATO CONVOCATÓRIO. IRREGULARIDADE. PRESCRIÇÃO. ARTIGO 1° DO DECRETO N° 20.910/32. OCORRÊNCIA. 1. Esta Corte Superior de Justiça segue o entendimento de que o prazo prescricional está submetido ao princípio actio nata, ou seja, seu termo inicial é a data a partir da qual a ação poderia ter sido proposta (artigo 1° do Decreto n° 20.910/32). 2. A lesão ao direito, que fez nascer a pretensão da autora, decorreu do ato de convocação e, não, da data de sua nomeação, razão pela qual o prazo da prescrição teve início na data da publicação do ato lesivo.  3. Recurso provido[27].

APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. MAGISTÉRIO ESTADUAL. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. ENFRENTAMENTO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. O momento do início do decurso do prazo de 5 (cinco) anos para o reconhecimento do direito à nomeação (art. 1° do Decreto n° 20.910/32) se dá depois do encerramento do prazo de validade do concurso. Até o último dia de validade do certame, existia a expectativa de a autora ser nomeada para o cargo a que tem direito. A certeza de sua não-nomeação aconteceu apenas quando efetivamente encerrado o prazo de validade do concurso. Precedentes do STJ e Incidente de Uniformização de Jurisprudência de n° 70043778224. Necessidade de desconstituição do julgado, uma vez que, em primeiro grau de jurisdição, a petição inicial foi indeferida, sendo necessário o regular processamento do feito, com dilação probatória[28].

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AÇÃO ANULATÓRIA. ENGENHEIRO ELETRICISTA. EXAME PSICOTÉCNICO. REGULAMENTO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. HOMOLOGAÇÃO DO CERTAME. INTERESSE PROCESSUAL. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO. CRITÉRIO OBJETIVO. AUSÊNCIA. CARÁTER ELIMINATÓRIO. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. JUDICIÁRIO. CONTROLE DE LEGALIDADE. 1. A homologação do resultado final do concurso e as nomeações dele decorrentes não implicam per da de objeto em ação que pretende anular fase anterior do certame supostamente viciado. Na ausência de especificação legal referente ao prazo de prescrição para levar ao conhecimento do Judiciário a pretensão do administrado, este deverá ser de 5 (cinco) anos, à semelhança da prescrição em geral das ações pessoais contra a Fazenda Pública, disciplinada no Decreto n° 20.910/32. […][29].

Como se vê, a homologação do resultado final do concurso público, a expiração do prazo de validade e respectivas nomeações não impedem os candidatos prejudicados em alguma fase do certame, em razão de ilegalidades, de buscarem a tutela jurisdicional. Portanto não há nenhum óbice ao prosseguimento da presente ação.

Com muito mais razão a homologação do concurso ao longo do processamento de uma ação também não acarreta a perda do objeto da mesma e, portanto, falta de interesse superveniente da ação.

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[30] em inúmeros casos já decidiu que o término do prazo de validade do concurso não implica a perda do objeto de ação ajuizada com a finalidade de sanar ilegalidade existente no certame, sob pena de o candidato lesado ser punido pela demora na prestação jurisdicional.

Mesmo que o concurso tenha se exaurido o processo judicial deve continuar e, se reconhecido o direito do candidato lesado, o Judiciário deve determinar a providência cabível, que no caso de preterição ou necessidade de contratação é a nomeação do mesmo.


[1] A proibição do nepotismo em todos os poderes e do nepotismo cruzado veio a se concretizar com a edição da Súmula Vinculante n° 13 Súmula: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
[2] Nas palavras de HELLY LOPES MEIRELLES,
“pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se matem no poder leiloando cargos e empregos públicos.” (Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. Malheiros: São Paulo, 2010, p. 462.)
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 574.
[4] MOTTA, Fabrício (Coordenador). Concurso Público e Constituição. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 2223.
[5] Ressalvados os cargos comissionados, que serão para as atribuições de chefia, direção e assessoramento, conforme o artigo 37, inciso V, da CF.
[6] STF, ADI 242, Relator Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 20/10/1994.
[7] ADI 231, Relator Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/1992.
[8] 2011, p. 574.
[9] O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência repercussão geral na matéria: CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEM PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE. EFEITOS TRABALHISTAS. REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. Possui repercussão geral a questão constitucional alusiva aos efeitos trabalhistas decorrentes da contratação de pessoal pela Administração Pública sem prévia aprovação em concurso público. (AI 757244 RG, Relator Min. Ayres Britto, julgado em 16/09/2010).
[10] AI 680.939AgR, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 27/11/2007. No mesmo sentido: AI 612.687AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 09/11/2010; AI 751.870AgR, Relator Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 25/08/2009; AI 668.430AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 25/08/2009; AI 743.712AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 02/06/2009.
[11] José dos Santos Carvalho Filho não concorda com esse entendimento restritivo do STF e do TST, para o doutrinador “tal solução acaba punindo o empregado, que é a parte mais fraca na relação com o Estado, e favorece a este, o responsável pela contratação ilegal, eximindo-o de determinados ônus e lhe permitindo locupletar-se de sua própria torpeza. O desfazimento do vínculo de trabalho deve assegurar ao ex-servidor todos os direitos trabalhistas, pecuniários ou não, o que encontra amparo no princípio da dignidade humana e nos direitos sociais previstos no art. 7° da Carta vigente”. (2011, p. 576).
[12] CONCURSO PÚBLICO. PARÂMETROS. EDITAL. O edital de concurso, desde que consentâneo com a lei de regência em sentido formal e material, obriga candidatos e Administração Pública. (RE 480129, Relator Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009).
[13] AI 332.312AgR, Relator Min. Joaquim Barbosa,   Segunda   Turma,   julgado   em
01/03/2011.
[14] MS 27160, Relator Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2008.
[15] RE 318106, Relator Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 18/10/2005.
[16] RE 390939, Relator Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 16/08/2005.
[17] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 11a ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 8
[18] A esse respeito DIOGENES GASPARINI esclarece que “a prorrogação da validade do concurso é comportamento discricionário da Administração Pública interessada no concurso de ingresso, facultado pela lei ou por disposição editalícia. A lei ou o edital apenas prevê tal faculdade, pois a prorrogação vai decorrer de ato administrativo praticado com esse objetivo. De tal sorte que, sob pena de sua improrrogabilidade, essa possibilidade deverá restar expressamente consignada em lei ou no edital do concurso de ingresso.” (MOTTA, 2007, p. 37).
[19] RE 352258, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 27/04/2004.
[20] AI 452641 AgR, Relator Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, julgado em 30/09/2003.
[21] RE 108994, Relator Min. Néri da Silveira, Primeira Turma, julgado em 13/02/1987).
[22] RE 192568, Relator Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, julgado em 23/04/1996.
[23] RE 419013 AgR, Relator Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 01/06/2004.
[24] Súmula nº 15 do Supremo Tribunal Federal: Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.
[25] Nesse Sentido: STF, RMS 23.793, Relator Min. Moreira Alves, julgamento em 06/11/2001. RMS 23.793, Relator Min. Moreira Alves, julgamento em 06/11/2001.
[26] STJ, RMS 14.689/PA, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2004, DJ 20/09/2004, p. 334.
[27] STJ, REsp 898496/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2007, DJe 14/04/2008.
[28] TJ RS, AC nº 70044316339, Quarta Câmara Cível, Des. Rel. José Luiz Reis de Azambuja, julgado em 14/03/2012.
[29] TJ DFT, AC nº 20100111112658, Terceira Turma Cível, Des. Rel. Mario Zam Belmiro, julgado em 01/03/2012.
[30] REsp 860.703DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 4/3/2008 (Informativo no 347). Ainda: RMS 15.203PE, DJ 17/2/2003, e RMS 14.689PA, DJ 20/9/2004.

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