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As fontes do direito administrativo e o princípio da legalidade

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As fontes do direito administrativo e o princípio da legalidade

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LEGALIDADE ADMINISTRATIVA

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

REGULAMENTOS AUTÔNOMOS

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REGULAMENTOS PRESIDENCIAIS

Thiago Marrara

Thiago Marrara

22/11/2017

Maltratadas pelo administrador e esquecidas pelo doutrinador: estas são as fontes do direito administrativo brasileiro. Será, porém, que este tópico é realmente tão desimportante? Seguramente não.

O estudo dos atos, fatos e documentos dos quais emana o direito administrativo é essencial por uma série de fatores. De um lado, a identificação das fontes confere um guia de ação para o administrador público, pois permite que ele identifique o bloco de legalidade que rege sua atividade dentro do Estado e perante a sociedade. De outro, e de modo conexo, o conhecimento das fontes válidas é pressuposto para a análise da legalidade da ação pública, ou seja, a boa compreensão das fontes condiciona o controle da administração pública. Por consequência, a incapacidade de se definir as fontes do direito administrativo e de saber hierarquizá-las tem permitido o cometimento de diversos abusos e ilegalidades no cenário jurídico brasileiro. Tais abusos decorrem ora da desconsideração de uma fonte válida – por exemplo, normas constitucionais de direito administrativo – ora da utilização de fontes inválidas como se válidas fossem – tal como se vê, por exemplo, no uso indevido de decretos regulamentares para fins de criação de graves restrições à esfera particular fora das hipóteses aceitáveis em lei.

Por essas e outras razões, em última instância, a compreensão das fontes do direito administrativo mostra-se fundamental para o entendimento do princípio da legalidade, sua aplicação e as respectivas atividades de controle. Com efeito, os motivos pelos quais o estudo das fontes se relaciona com o princípio da legalidade são simples. A ação administrativa somente é válida se estiver de acordo com as fontes reconhecidas  pelo Direito – a legalidade das fontes e o uso da fonte correta são pressupostos formais da legalidade da ação administrativa. De outra parte, a própria legalidade é moldada pelas fontes.  O  poder   normativo  da   Administração  Pública,   mediante   o  qual   são    geradas incontáveis normas de direito público que servem como parâmetro de ação para os agentes estatais, somente será exercido de modo legal ao respeitar as normas preestabelecidas em fontes superiores expedidas pelo Legislativo quer em processo constituinte, quer em processo legislativo padrão.

Frente a esse cenário, pretende-se, a seguir, resgatar a noção básica do princípio da legalidade administrativa, explicitando suas duas principais regras e diferenciando-o da legalidade que rege a atividade das pessoas e entes não-estatais. Em seguida, elabora-se um breve panorama acerca das fontes do direito administrativo brasileiro, apontando algumas de suas principais problemáticas. Enfim, busca-se relacionar, com mais detalhes, as fontes apresentadas e o princípio da legalidade, destacando-se os efeitos negativos dos problemas quantitativos e qualitativos que as assolam com a concretização do princípio em questão.

A importância das fontes do direito administrativo decorre do princípio da legalidade, o qual o Legislador brasileiro, a exemplo de outros ordenamentos, consagrou expressamente na Constituição Federal (art. 37, caput).

Em que consiste este princípio? Não são poucas as obras que pretenderam responder esta pergunta, nem poucas as respostas.1 Isso tem uma razão. A legalidade administrativa pode ser examinada e classificada de acordo com inúmeros critérios. Neste ensaio, interessam basicamente o conhecimento de duas regras maiores que ela expressa.

Merecem destaque, nesse particular, as regras da “reserva legal” (Vorbehalt des Gesetzes) e a da “supremacia da lei” (Vorrang des Gesetzes), ambas fortemente interrelacionadas na medida em que visam a conferir “legitimação democrática” às ações do Estado. Os objetivos dessas duas regras decorrentes do princípio da legalidade não são outros senão o de evitar que o Estado aja quando o povo – representado pelo Legislador – não deseje e não aja quando este assim o queira. A legalidade nada mais é, pois, que a expressão máxima do Estado Democrático de Direito, característica maior do Estado brasileiro (art. 1º, caput CF).2

De acordo com a regra da reserva legal (em sentido amplo), o Poder Público não pode atuar sem que exista uma norma que o autorize a tanto. Em poucas palavras, esta é a regra do “nada sem lei”. Diferentemente do que ocorre no campo do direito privado, em que reina o princípio da autonomia da vontade (“aos particulares se autoriza tudo o que a lei não veda”), para a Administração Pública uma ação somente é válida quando “fundada” na Constituição, em leis ou em atos normativos expedidos pelos próprios entes estatais.

Frise-se  que  a  expressão  “reserva  legal”  não  indica  apenas  norma  autorizativa  prevista expressamente em lei, o que poderia levar a diversos mal-entendidos. Em primeiro lugar, o termo “legal” deve ser entendido em sentido amplo, englobando tanto a Constituição, quanto leis, bem como atos da Administração fundamentados nos diplomas anteriores. Em outras palavras, a regra da “reserva legal” em sentido amplo, significa que o Estado não age sem suporte no Direito (relação de juridicidade necessária) e, sobretudo, na Constituição (relação de constitucionalidade necessária). Em segundo lugar, prudente também esclarecer que a regra da reserva não significa que a Administração possa apenas agir na presença de uma regra autorizativa escrita e específica. A ideia de que a reserva legal tenha a ver com competências específicas e estritas é o principal motivo pelo qual tem-se erroneamente entendido que o princípio da legalidade administrativa é um óbice à atuação flexível do Estado. A reserva legal em sentido estrito – ou seja, a exigência de presença de lei formal para a atuação administrativa – não deve valer para todos os casos, senão àqueles previstos na Constituição ou àqueles em que haja restrição significativa dos direitos fundamentais do particular pelo Estado.

Dessa forma, não é sempre necessário que todos os tipos de ação estatal estejam detalhadamente previstos em diplomas legais ou, mais especificamente, em leis. A regra da reserva legal em sentido estrito deve ser compreendida como uma inafastável exigência de lei para atividades de restrição da esfera do administrado (atividade de poder de polícia, restringindo a liberdade e propriedade, bem como atividade de intervenção na economia). Frente a atos materiais da Administração Pública e também atos de prestação e concessão  de benefícios ao particular, a reserva legal deve ser entendida como ação autorizada pelo Direito.

Essa diferenciação é relevante, pois – convém recordar o óbvio – nem o Legislador nem tampouco o Poder Público no uso do seu poder normativo seriam capazes de editar todas as normas necessárias à ação do Estado. A realidade é complexa, dinâmica e as situações fáticas, por mais que sejam objeto de normas, são muitas vezes imprevisíveis. Além do mais, mesmo que todas as situações fáticas fossem previsíveis e o Legislador capaz de normatizá- las, jamais seria adequado que fossem todas elas objeto de tratamento pelo direito positivo. A hipernormatização da realidade teria por efeito direto a petrificação do ordenamento jurídico e, por consequência, geraria amarras indevidas à ação estatal em ocasiões que não atentassem contra a esfera de direitos fundamentais do administrado – o que seria de todo inconveniente.

Justamente por esses motivos, vale frisar que a reserva legal não é simplesmente o dever de agir de acordo com regra específica e explícita no direito positivo. Reserva legal significa agir de acordo com o Direito existente e com as regras, princípios e objetivos implícitos e explícitos nele contidos. Assim, salvo na existência de reserva específica para lei em sentido formal, o Poder Público também pode agir com base em regra não-escrita ou mesmo com fundamento direto na Constituição desde que cumpridos alguns requisitos, a saber: 1) que a existência de regra explícita não seja considerada necessária pelo Legislador (principalmente porque  a  ação  não  gera  prejuízos  aos  direitos  fundamentais  do  administrado  e  nem  a interesses públicos primários) e 2) que a ação justifique-se em princípios da Administração Pública e objetivos estatais reconhecidos na Constituição.

Nesse contexto, a legalidade administrativa dispensaria que o Poder Público atuasse apenas na presença de regra escrita e específica. A ação estatal se tornaria válida e legítima pelo  fato de estar pautada por princípios da Administração Pública e voltada para a consecução de objetivos estatais e a proteção de interesses públicos primários. A regra da reserva legal em sentido amplo, portanto, exige que o Estado comporte-se de acordo com o ordenamento jurídico como um todo. Apenas em sentido estrito e nos casos previstos de modo explícito e implícito na Constituição, a reserva legal deverá ser compreendida como a necessidade de edição de lei formal ou outro diploma normativo específico para que a Administração  Pública possa atuar em determinado caso concreto.

De modo conexo a essa regra, apresenta-se a da “supremacia da lei” ou do “nada contra a lei”. De acordo com ela, a ação estatal é considerada válida apenas se não contrariar, nem for além das normas nas quais está fundamentada. Ao Legislador foi dada a função de representar o povo, inserindo no ordenamento jurídico os comandos decorrentes de sua vontade. O Poder Público, dessarte, não pode negar o ordenamento sob pena de negar a vontade do povo e, por conseguinte, perder a legitimação democrática imprescindível à validade de sua ação. Nas palavras de Debbasch e Colin (2007, p. 107), “la Loi, incarnation de la volonté générale, s’impose à l’administration. Celle-ci n’est qu’un organe subordonné au Parlement, la loi est un des moyens d’assurer cette soumission”.

A regra da “supremacia da lei” – assim como a da “reserva legal” – deve ser compreendida de modo abrangente. O vocábulo “lei” é empregado em sentido amplo nesta expressão e significa qualquer ato de caráter geral e abstrato (lei em sentido material), bem como leis de efeitos concretos. Ademais, inclui os atos normativos do Poder Público que são expedidos com fundamento e nos limites daqueles atos legislativos. Em realidade, os atos da Administração Pública somente fazem parte do ordenamento quando coerentes com a Constituição e as leis. Mesmo em relação às espécies de ato normativo que inovam no ordenamento jurídico – tal como o decreto autônomo agora previsto no art. 84, VI, alínea “a” da Carta Magna –, a supremacia da lei não é prescindível, exigindo-se o respeito do ato da Administração à Constituição.

Em breve resumo, o exame do princípio da legalidade é regido pelas duas regras acima apontadas. Do ponto de vista prático, tais regras são aplicadas na presença de três elementos básicos: 1) o bloco normativo; 2) as condutas do Poder Público e 3) a relação entre essas condutas e o bloco normativo vigente, relação essa que é pautada pela reserva da lei e pela supremacia da lei em sentido amplo. Apenas se houver a relação de compatibilidade  ou  conformidade3   entre  as  condutas  praticadas  pelo  Poder  Público  e o

bloco normativo válido é que estará presente a legalidade no caso concreto. Desse modo, para se entender a legalidade da ação administrativa, fundamental se mostra o estudo dos três elementos apontados, incluindo o chamado “bloco normativo”. Eis então que entram em jogo as fontes do direito administrativo.

O vocábulo  “fonte”  detém  diversas  significações para  o  Direito. Ossenbühl  (2002, p. 135-136) diferencia três delas. Em primeiro lugar, menciona fontes que determinam o pensamento e o comportamento humano e, por conseqüência, o Direito. São, por isso mesmo, fontes de “construção do Direito” (Rechtserzeugungsquellen), dentre as quais se incluem tanto fatores morais e religiosos, como também aspectos climáticos e geográficos aos quais está sujeita uma nação. Além disso, existem fontes de “valoração do Direito” (Rechtswertungsquellen), representadas por princípios e valores de uma sociedade que servem de critério para o ordenamento jurídico, tal como a justiça, a igualdade, a racionalidade etc. Enfim, há fontes em sentido estrito ou as chamadas “fontes de reconhecimento do Direito” (Rechtserkenntnisquellen), igualmente apontadas, no Brasil, como veículos introdutores de normas. Exemplos delas são as Constituições, as leis, os atos normativos da Administração e assim por diante. Segundo Ross (1929, p. 291), estas fontes servem de fundamento para que se reconheça algo como Direito e é delas que se pretende tratar nas próximas

Nas pertinentes palavras de Bobbio (2006, p. 161), as tais fontes de reconhecimento do Direito nada mais são que aqueles fatos ou atos aos quais o ordenamento jurídico atribui a aptidão de produzir normas jurídicas. Para ser jurídica e válida, é preciso que a norma derive dos fatos ou atos reconhecidos pelo ordenamento jurídico como fonte produtora de normas. Caso contrário, não poderão ser empregadas para fundamentar a ação privada nem tampouco a estatal.

De modo geral, as fontes do Direito podem ser classificadas de muitas maneiras, dentre as quais vale destacar:

1) Quanto ao procedimento de sua expedição: fontes legislativas (e.g. lei ordinária), fontes jurisprudenciais (e.g. súmula vinculante) e fontes administrativas (e.g. portarias).

2) Quanto à sua forma de manifestação na realidade: fontes escritas (e.g. leis) e não- escritas (e.g. costume).

3) Quanto ao seu uso no caso concreto: fontes de aplicação obrigatória (e.g. Constituição) e fontes de uso opcional (e.g. doutrina).

4) Quanto ao poder que emana dos mandamentos que contêm: fontes de normas vinculantes (e.g. Constituição) e fontes de normas indicativas (e.g. jurisprudência administrativa no Brasil).

5) Quanto à sua hierarquia: fontes primárias (e.g. Constituição), secundárias (e.g. resoluções) e subsidiárias (e.g. doutrina).

Apesar de serem muitas vezes idênticas para os mais diversos ramos da ciência jurídica, há várias peculiaridades em relação às fontes do direito administrativo. Exemplo disso se vê no “costume”, válido, por exemplo, no campo do direito internacional público e do direito comercial, mas questionável em relação ao direito administrativo. Outro exemplo são as fontes legisladas municipais ou estaduais, as quais, dada a distribuição constitucional de competências no Brasil, podem ser fonte de direito administrativo, mas não de alguns outros ramos do direito. De fato, em matéria de direito processual judicial, civil, penal e do  trabalho, somente as leis federais são consideradas fontes válidas (art. 22, I CF), salvo se a União autorizar explicitamente os Estados a editarem normas nesses setores (art. 22, parágrafo único CF).

Justamente por essas e outras sutilezas, a compreensão dos tipos de fontes do direito administrativo (fontes em espécie) é imprescindível para a compreensão do bloco normativo que orienta a ação estatal e, por conseqüência, para a verificação da legalidade administrativa no caso concreto. Afinal, se o administrador, o cidadão e aquele que controla a ação estatal (juízes, promotores, conselheiros de Tribunais de Contas etc.) não sabem  quais são as fontes de normas aplicáveis a uma conduta do Poder Público, como poderão examinar corretamente em que medida esta conduta é contrária ou não ao ordenamento jurídico?

Frente ao princípio do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput CF), a principal fonte do direito administrativo brasileiro são as leis em sentido amplo, ou seja, a Constituição  Federal, as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios, bem como as leis ordinárias, complementares, delegadas das mais diferentes esferas da federação brasileira. Esses e outros diplomas do gênero compõem a categoria das fontes legislativas ou fontes legisladas, ou seja, os diplomas emanados do Poder Legislativo, caracterizados pela sua forma escrita, seu uso obrigatório, seu conteúdo vinculante e sua natureza primária em relação a outras fontes. Justamente por essas características, pode-se dizer que as fontes legisladas são as mais relevantes para o direito administrativo. Em um contexto  democrático, são elas que dizem, em nome do povo, em que medida o Estado existe e atua.

Em virtude da estrutura federativa brasileira – bipartite desde a Constituição de 1889 e tripartite após a Constituição de 1988 –, as fontes legislativas podem ser federais, estaduais e municipais. Em alguns campos do Direito, essa tripartição federativa é pouco importante pelo fato de haver competência exclusiva de uma ou outra esfera da federação para tratar certa matéria, como se vislumbra em relação à União em muitos casos (art. 22 CF). Para o direito administrativo, contudo, dada a competência de auto-organização dos entes federativos, bem como a competência material exclusiva ou comum para determinados serviços e atividades (art. 23 CF), as fontes legisladas das três diferentes esferas são de igual importância. Na prática, tais fatores multiplicam as fontes e as normas que regem esse ramo do Direito, tornando-o bastante complexo em relação àqueles regidos, por exemplo, por Códigos expedidos pela União.

Acresce a isso o fato de que o direito administrativo é composto por um conjunto de normas contidas em diplomas legislativos esparsos, ou seja, não sistematizados em um Código geral, diferentemente do que ocorre no direito civil, penal, processual civil, processual penal, trabalhista etc. Assim, ao agir, à autoridade pública compete uma análise de incontáveis diplomas específicos e editados pelas mais variadas esferas federadas. Para fins de exposição, neste estudo, esses documentos legislados serão categorizados como: 1) fontes constitucionais e 2) fontes legislativas em sentido estrito. Vejamos.

As fontes constitucionais são categoria típica dos Estados Federados. Isso porque, nos Estados unitários, a Carta Constitucional é única, razão pela qual a espécie se confunde com a categoria. Diferentemente, nas Federações, existe uma pluralidade de entes políticos dotados da “self-rule”, ou seja, do Poder de se organizar e legislar em matérias que lhes foram concedidas pelo Poder Constituinte.

Em virtude da estrutura federativa, no Brasil, as normas maiores que trazem  os fundamentos da existência e do funcionamento da Administração são, nos Estados, as chamadas Constituições Estaduais (art. 25 CF) e, no Distrito Federal e nos Municípios, as Leis Orgânicas (art. 29 e 32 CF). Todos esses documentos compõem o que aqui se denomina de fontes constitucionais. Elas constituem o cume da pirâmide normativa em cada nível federativo e, por sua vez, devem respeito à Constituição Federal, na medida em que esta é a fonte de validade de todo o sistema.

Sobretudo pela indicação de princípios e objetivos gerais do Estado (art. 1º, 2º, 3º e 4º CF) e princípios fundamentais para o funcionamento do Poder Público (art. 37, caput CF), a Constituição Federal de 1988 é, na verdade, fonte de legalidade formal e material de toda ação administrativa e inspiração da doutrina e da jurisprudência no seu trabalho de sistematização do direito administrativo. Esse papel, de outra parte, foi fortalecido pela previsão de incontáveis normas jurídicas que condicionam e direcionam a ação estatal.

De um lado, tais normas concentram-se em um capítulo a respeito “da Administração Pública” (art. 37 e 38) e outro sobre os servidores públicos (39 a 41). Ademais, a Carta traz normas acerca de: entes da Administração Direta (Ministérios e Presidência da República, art. 76 e seguintes); entes da Administração Indireta (art. 37, incisos XIX e XX, art. 173, § 1º CF); bens públicos (art. 20, 26, 176); espécies de serviços públicos e entes competentes para prestá-los (principalmente nos art. 21, 25 § 2º e 30); formas de prestação de serviços públicos (art. 21, inciso XII e 175); fomento estatal (art. 179, 180, 205, 215); condições e casos para intervenção do Estado na economia (art. 173, caput e art. 177); possibilidades excepcionais de restrição da liberdade (art. 5º, incisos XI, XII, XVI) e da propriedade (art. 5º, incisos XXIV e XXV, art. 182, §§ 3º e 4º, art. 184, caput, art. 243); direitos fundamentais de pessoas físicas e jurídicas exercitáveis perante o Estado (art. 5º em geral); fundamentos do processo administrativo (art. 5º, incisos LIV, LV, LVI, LXXVIII); instrumentos de  controle contra abusos e ilegalidades praticados pela Administração Pública (art. 5º, incisos LXVIII a LXXIII, 37, § 6º, 49, inciso X, 70, caput, 103-A, § 3º) etc.

Como se vislumbra, não há praticamente um capítulo do direito administrativo que tenha escapado à atenção do Legislador. A Constituição de 1988 abarcou tudo: organização administrativa, patrimônio administrativo, formas de ação restritiva e prestativa do Poder Público, bem como os mecanismos de responsabilização e controle de suas condutas quer por outros Poderes, quer pelo cidadão.

Essa quantidade incontável de normas constitucionais regentes do direito administrativo se deve a fatores diversos que abrangem tanto as dificuldades ou erros de técnica legislativa  até a necessidade, no momento da Constituinte, de compor os interesses de uma sociedade plural e desigual como a brasileira. Mais que isso, essa hipertrofia constitucional – pouco vista inclusive nos Estados mais sociais do mundo – também resultou do temor de que o Estado – a exemplo do que aconteceu nas fases ditatoriais anteriores – passasse a atuar fora dos limites para o qual foi autorizado pelo povo a fazê-lo, suprimindo, eventualmente, o núcleo fundamental dos mais basilares direitos do cidadão. Se a Constituição foi redigida de modo abrangente, isso ocorreu também em virtude dessa sensação de desconfiança em relação ao Estado, sensação que atinge, até hoje, o Legislativo, o Executivo e, inclusive, o Judiciário.

Por todas essas razões de ordem jurídico-positiva e política, a Constituição da República constitui, sem sombra de dúvida, a mais importante fonte de direito administrativo brasileiro. Nesse sentido, válida é a observação de Binenbojm (2009, p. 163), para o qual “diante de um sem número de fontes, a Constituição Federal de 1988, riquíssima em regras  e princípios de Direito Administrativo, tem o destacado papel de cerne do sistema, servindo de base para a sistematização do mosaico de normas da disciplina”. Aplicáveis ao direito brasileiro são, ainda, as palavras de Waline (2008, p. 254), pois aqui a Carta Constitucional representa, assim como na França, a fonte, direta ou indireta, de todas as competências que se  exercem  dentro  da  ordem  administrativa.  Trata-se,  pois,  de  fonte  escrita,  de       uso obrigatório, composta por normas vinculantes e indicativas, e dotada do mais alto grau de primariedade.

Por mais importantes que sejam as fontes constitucionais, mesmo uma redação extremamente ampla destes diplomas maiores jamais seria capaz de inserir, no ordenamento jurídico, as normas essenciais para reger a atividade  do Poder Público  nos mais diferentes setores e situações. Apesar da mais abrangente Constituição, necessária se faz a utilização de fontes legislativas de natureza infraconstitucional, ou seja, das Leis em sentido estrito.

Esse tipo de documento, dada sua função no sistema jurídico e sua frequente utilização já desde antes do movimento constitucionalista, constitui uma importante fonte de normas em qualquer ramo do Direito. No direito administrativo, porém, sua relevância é ainda maior e decorre de um aspecto particular, qual seja: a ausência de uma grande codificação. Melhor dizendo: Códigos envolvendo matéria administrativa existem no ordenamento jurídico, tal como mostram o Código de Águas, de Mineração, de Caça, de Florestas no direito brasileiro. Contudo, tais Códigos consolidam, no máximo, normas acerca da atuação do Estado em um determinado setor ou normas a respeito de um ou outro capítulo do direito administrativo – a exemplo das Leis de Processo Administrativo. Não há, pois, uma codificação abrangente, típica de outros ramos. Nesse contexto, o papel das leis ganha extrema relevância para a construção e o manuseio do direito administrativo, não obstante, muitas vezes, esses diplomas sejam colocados em segundo plano em virtude, por exemplo, das dificuldades acarretadas por sua multiplicação e corrente desorganização.

A despeito disso, o que importa aqui retomar é a distinção forjada por Paul Laband acerca dos tipos de lei de acordo com seu procedimento e conteúdo. Leis em sentido material, segundo o clássico jurista alemão, seriam as que inserem normas gerais e abstratas no ordenamento jurídico. Normas gerais são as universais em relação aos sujeitos e normas abstratas, as universais em relação ao objeto ou à situação fática que elas pretendem reger. Essas leis se opõem, por isso, às leis de efeito concreto, pelo fato de que estas são direcionadas para um sujeito em determinada situação. Assim, para se descobrir se uma lei é material ou de efeitos concretos, há que se analisar seu conteúdo.

De outra parte, leis formais seriam aquelas que, a despeito de seu conteúdo abstrato-geral ou individual-concreto, são editadas de acordo com o processo legislativo típico. O critério para identificação da lei em sentido formal é, por isso, o do procedimento utilizado para sua elaboração, discussão e inserção no ordenamento jurídico. Assim, normas gerais e abstratas inseridas no ordenamento por fonte administrativa (resolução, portaria etc.) constituem lei em sentido material, mas não em sentido formal, dado que não foram elaboradas de acordo com o procedimento legislativo típico.

No Brasil, tanto as leis formais ou não-formais quantos as leis em sentido material e de efeitos concretos são fontes importantes do direito administrativo. Dentre as leis em sentido formal, cumpre ressaltar o papel das leis complementares, aprovadas por maioria absoluta no Congresso, e das leis ordinárias, aprovadas por maioria simples. São esses diplomas que, na grande parte dos casos, trazem as normas mais importantes para a ação do Estado. A razão para isso é clara. Muitas vezes o Legislador cria uma reserva legal em sentido estrito, ou seja, exige que haja uma lei ordinária ou complementar disciplinando a ação do Estado para que este possa agir. Como já se disse, isso ocorre principalmente em relação à chamada “administração restritiva” (begrenzende Verwaltung), isto é, nas hipóteses de exercício de poder de polícia sobre a propriedade ou liberdade e intervenção direta ou indireta do Estado na economia. Nessas situações, não se poderia aceitar que o Estado se valesse de meros argumentos de “interesse público” extraídos da Constituição para fundamentar sua ação. A mera “reserva legal em sentido amplo” ou “reserva constitucional” não é suficiente. É preciso mais. É preciso que o Legislador trace exatamente os limites no qual o Estado pode restringir os direitos fundamentais e como compatibilizará o núcleo de proteção essencial desses direitos com as atividades que necessita exercer para concretizar objetivos constitucionais. Para detalhar essas regras de compatibilização, utiliza a lei.

Nesse particular, convém dizer, lei não é apenas aquela em sentido material, composta por regras gerais e abstratas. O papel das leis de efeitos concretos exerce igualmente inegável importância em matéria de direito administrativo. Exemplo disso vislumbra-se nas leis de efeitos concretos que autorizam a criação de empresa estatal ou instituem uma autarquia. Os diplomas legais, nesses casos, revelam-se essenciais para direcionar os limites de atuação desses entes da Administração Indireta e impedir que eles afastem-se indevidamente de seus objetivos, ignorando o princípio da especialidade e passando a atuar a partir de interesses diferentes daqueles que fundaram sua criação. Neste e em outros casos de direito administrativo, a lei de efeitos concretos foi eleita como condição imprescindível para a atuação estatal e, por isso, desempenha papel tão relevante quanto o das leis de efeitos gerais e abstratos.

Para além disso, destaquem-se ainda outras leis que não podem ser ditas formais pelo fato de serem editadas pelo Presidente da República em procedimento diferenciado, mas que assumem natureza de lei material e compõem o rol das fontes de direito administrativo. Eis  o caso das leis delegadas e das Medidas Provisórias, consistentes em instrumentos legislativos editados pelo Presidente da República.

As leis delegadas, editadas com apoio em autorização conferida em Resolução do Congresso Nacional (art. 68 CF), não ganharam relevância concreta até o momento. Em virtude da existência de Medidas Provisórias, que dispensam a autorização do Congresso em um primeiro momento, as leis delegadas acabaram não sendo utilizadas na prática. Foram, na verdade, as Medidas que assumiram a função de fonte legislativa imprópria por excelência. Estas consistem em diplomas legislativos editados pelo Presidente da República desde que cumpridas condições formais (urgência e relevância do assunto – 62, caput CF) e materiais (ausência de proibição de uso da Medida Provisória para o assunto escolhido – art. 62, § 1º CF).

Do exame das matérias que não podem ser objeto de Medida Provisória, constata-se que a Constituição permite o tratamento da quase totalidade dos temas de direito administrativo4 nesse tipo de instrumento, ao contrário do que ocorre com temas de direito penal, processual penal e processual civil, bem como outros relativos a direitos políticos e planejamento orçamentário. Justamente por essa ausência de restrição material, as Medidas Provisórias acabaram ganhando grande força como fonte do direito administrativo, força que só veio a ser levemente mitigada com a edição da Emenda Constituição n. 32 de 2001 e a limitação de efeitos plenos e temporalmente indeterminados para essas fontes.

Feita esse panorama, nota-se, com mais facilidade, que há uma multiplicidade inegável de fontes legislativas, sejam elas próprias (editadas pelo Congresso) ou impróprias (editadas pelo Executivo com autorização do Congresso), a reger o direito administrativo. Essa multiplicidade, que se acentua em um contexto federativo tripartite, tem implicações práticas significantes para a concretização do princípio da legalidade no cenário jurídico brasileiro.

Não bastasse a interminável legislação esparsa que rege o direito administrativo de modo fragmentado e muitas vezes contraditório e confuso, ainda há que se fazer menção ao papel das fontes administrativas nesse campo do Direito. Segundo Debbasch e Colin (2007, p. 107), em um Estado de Direito, a Administração Pública também deve respeitar o conjunto de fontes de direito de cada nível de hierarquia administrativa; cada agente dever respeitar, pois, o bloco de regras exteriores à Administração e todas as regras produzidas em nível superior de hierarquia. Eis as fontes administrativas, as quais podem ser conceituadas como os atos expedidos por autoridade pública no exercício de funções administrativas e que contenham normas gerais/abstratas ou concretas/individuais que direcionam a conduta de outros agentes internos ou externos à Administração Pública.

Ao vincularem as autoridades públicas, essas fontes também se tornam de observância obrigatória pelo juiz no julgamento de casos concretos, desde que sejam consideradas legais e constitucionais. As fontes administrativas não são, pois, meras ordens de efeitos internos e restritos; elas vinculam tanto a Administração Pública quanto os entes e órgãos que têm a função de controlar a legalidade administrativa dentro do sistema jurídico pátrio. Trata-se, assim, de um tipo de fonte escrita, de conteúdo vinculante ou indicativo, de conteúdo secundário, mas, inegavelmente, de observação obrigatória no âmbito do ente público ou da atividade pública que rege. O aspecto secundário da fonte administrativa não significa que ela seja de uso optativo, que possa ser deixada de fora do bloco normativo a critério da conveniência e oportunidade do administrador público ou mesmo dos órgãos de controle da Administração.

Papel importante, dentro do conjunto de fontes administrativas, exerce o ato normativo como espécie de ato da Administração Pública composto por normas de caráter geral e abstrato. Tais atos ora contêm normas que se restringem a produzir efeitos internos a determinado órgão ou entidade; ora prevêem normas que geram efeitos externos ao órgão ou entidade que os edita, sendo, neste caso, entendidos como leis em sentido material.

A despeito da mencionada classificação, há muitas dúvidas e discussões acerca dessas  fontes. Na verdade, o problema fundamental que lhes diz respeito decorre da falta de sistematização legislativa e doutrinária no tocante às suas espécies, conteúdo e função. Dúvida não há de que resoluções, portarias, deliberações, instruções normativas sejam espécies de fontes administrativas. Isso não obstante, o papel que cumpre a cada uma delas no direito positivo brasileiro ainda não é claro. Uma sistematização desses tipos de atos poderia ser levada a cabo pelas Leis de Processo Administrativo. A LPA federal, no entanto, perdeu a oportunidade de realizá-la. Já no Estado de São Paulo, o Legislador buscou solucionar a questão, esclarecendo as ocasiões, por exemplo, para utilização de Resoluções, Portarias e Deliberações – regra que, porém, limita-se aos entes da Administração Pública paulista.5

Um debate acalorado a respeito das fontes administrativas diz respeito aos chamados decretos regulamentares do Presidente da República. Ao contrário do que ocorre com a maioria das fontes administrativas, não há dúvida acerca da competência para edição desses decretos. O debate recai, em realidade, no seu conteúdo jurídico. Para se aclarar tal questão, convencionou-se dividir inicialmente os decretos regulamentares em duas espécies: os decretos regulamentares executivos e os decretos regulamentares autônomos.

Os regulamentos executivos ou normativos são aqueles que dão “fiel execução à lei” (art. 84, IV CF). Trata-se, portanto, de uma fonte administrativa que detalha uma lei ordinária ou complementar, tornando-a aplicável na prática. A função desse regulamento em relação à Lei é semelhante à da Lei frente à Constituição. Há casos em que o detalhamento necessário para a aplicação da lei pelo Legislativo seria impossível ou, ao menos, indesejada, sobretudo por motivos de eficiência e de celeridade na expedição dessas normas. Em outros casos, mesmo que possível, mais adequado pode-se mostrar o detalhamento das regras legais feito por aqueles que conhecem, mais de perto, a rotina das tarefas executivas. Aqui, a utilidade do poder regulamentar consiste em evitar que o Legislativo, sem conhecer bem a tarefa de execução da lei, crie regras que impliquem em graves problemas práticos. Justamente por isso, nas palavras de Guerra (2008), impõe-se o “afastamento do legislador primário das minúcias normativas”, transferindo-se esta tarefa ao Poder Executivo “seja por estar em melhores condições de avaliar qual será, em determinado caso, a justa solução para se encontrar um grau ótimo de execução das políticas públicas… seja por dispor de aparato institucional para tecer maiores detalhamentos normativos”.

Ocorre que, além de serem fontes criadas pela Presidência da República, os regulamentos são igualmente gerados por outros entes públicos. Nesse contexto, um dos problemas atuais relativos aos regulamentos executivos refere-se aos conflitos eventuais entre um regulamento presidencial e um regulamento expedido por outros entes públicos, principalmente os da Administração Indireta. Para Binenbojm (2009, p. 171), os regulamentos presidenciais seriam mais amplos e genéricos, contrapondo-se ao que chamou de “regulamentos setoriais”, ou seja, os regulamentos expedidos por entes reguladores de um setor social ou econômico. Daí, a partir do critério da lei especial, concluiu o administrativista que os setoriais sempre teriam primazia sobre os presidenciais. Além disso, essa primazia estaria assentada na norma atributiva de competência, pois a norma atributiva de competência, por exemplo, a uma agência reguladora prevaleceria sobre o regulamento presidencial, salvo quando a lei houvesse atribuído ao Chefe do Executivo a incumbência específica para sua regulamentação. Desse entendimento depreende-se a conclusão, a título de ilustração, que um regulamento da ANATEL teria primazia sobre eventual regulamento da Presidência da República sobre o setor.

O problema de conflito acima apontado é de fato interessante. A tese da primazia absoluta do regulamento setorial parece-nos, porém, questionável. Em primeiro lugar, nada indica que os regulamentos presidenciais são necessariamente genéricos. Na verdade, pode o Presidente da República decidir regulamentar um ou outro dispositivo legal – por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor ou de outra lei geral – desde que o detalhamento seja necessário. Assim, a especificidade do regulamento depende do objeto da regulamentação.  A Constituição nada dispõe em contrário e, de fato, não faria sentido restringir o poder regulamentar presidencial a generalidades, pois um regulamento específico e até técnico expedido pela Presidência pode ser necessário para a viabilização de lei em certa situação fática. Em segundo lugar, a lei que cria o poder regulamentar setorial não pode ser considerada superior ao decreto regulamentar pelo simples fato de que lei nenhuma está acima da Constituição. Como se sabe, o poder regulamentar da Presidência foi consagrado no art. 84, IV CF, que naturalmente terá primazia sobre leis ordinárias ou setoriais, inclusive aquelas que dão poder regulamentar a entes da Administração Indireta. Em terceiro e último lugar, na prática, é muito difícil identificar o que venha a ser um regulamento geral e um regulamento específico. Regulamentos são sempre detalhamentos de normas gerais, razão pela qual a aplicação do critério da norma especial fica extremamente prejudicado para resolver conflitos entre atos normativos da Administração Direta e Indireta.

Sem querer adentrar o assunto com grande profundidade, o que cumpre ressaltar é tão somente uma breve distinção. Ao decidir criar entes da Administração Indireta, fundamentado no princípio da especialidade e no poder de iniciativa de leis previsto no art. 61, § 1º, inciso I, alínea “e” da Constituição, o Presidente da República se vale da possibilidade de autorestrição dos seus poderes regulamentares. Ao transferir poderes regulamentares para agências reguladoras em matéria econômica ou social, a Presidência da República abre mão de sua competência constitucional naquele campo específico. Nesse caso, pois, não se trata de uma questão de primazia de um regulamento setorial sobre outro presidencial, mas sim da existência de um único poder regulamentar, a saber: o poder regulamentar setorial de competência da agência. Desse modo, para exemplificar, ao se criar a ANATEL e lhe transferir pode regulamentar em relação à Lei Geral de Telecomunicações – exercido em matéria de telefonia fixa, serviço móvel etc. –, não há cabimento nenhum de que o Presidente da República trate desses assuntos com base no seu poder de regulamento executivo. Não faria sentido, por exemplo, que a Presidência desejasse aprovar um regulamento sobre Serviço Móvel Especializado (SME), se a ANATEL já o fez por resolução. Justamente por isso, não há cabimento em se falar de hierarquia. Inerente ao poder de regulamentação setorial o que existe é uma divisão de competência pautada pelo princípio da especialidade na organização administrativa – princípio que afasta os regulamentos da presidência no campo cedido à agência.

No entanto, isso não significa dizer que um regulamento setorial estará sempre imune a regulamentos presidenciais. Desde que não entre no campo regulamentar que  foi transferido à Administração Indireta, por uma possibilidade constitucional de autorestrição, a Presidência da República pode continuar regulamentando leis em geral e, ao fazê-lo, é plenamente possível que afete as atividades englobadas no campo de atuação dos entes da Administração Indireta. Ora, nesse caso, os regulamentos setoriais deverão respeito aos regulamentos do Presidente da República.

Imagine-se, por exemplo, que um regulamento presidencial discipline – como já se fez – os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC) com pretenso fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Não interessa aqui o fato de a ANATEL ter poder regulamentar,   por exemplo, para os serviços de telefonia fixa. O regulamento da Presidência deve ser observado pela agência, pois não invade a competência regulamentar setorial que lhe foi transferida e, assim, não é ilegal. Nesse cenário específico, diferentemente do que se narrou no anterior, a primazia é do decreto presidencial – o que demonstra a impossibilidade de se falar de uma primazia absoluta das fontes regulamentares de entes da Administração Indireta (regulamentos setoriais) em relação às fontes regulamentares presidenciais.

Em contraste com o decreto regulamentar executivo, o decreto regulamentar autônomo é fonte editada com exclusividade pelo Chefe do Poder Executivo para matéria que não necessita de lei, tal como ocorre em relação a questões mais simples de organização administrativa. Quando a Constituição ressalva determinadas matérias para tratamento via regulamento autônomo do Chefe do Executivo, não parece haver sequer a possibilidade de que elas sejam disciplinadas por outra fonte, tal com a lei em sentido formal. Justamente por isso, essa fonte é dita “autônoma”, ou seja, autônoma em relação às atividades do Poder Legislativo.

No Brasil, a despeito da ampla celeuma doutrinária que se instaurou sobre o assunto, fato é que a Emenda Constitucional n. 32 de 2001 criou uma possibilidade constitucional de uso do poder regulamentar autônomo pela Presidência da República. Ao alterar a redação do art. 84, inciso VI da Constituição,6 desdobrando seu conteúdo em duas alíneas, a Emenda passou a permitir o uso desse tipo de decreto para “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (art. 86, VI, alínea “a” CF). Assim, de modo paralelo ao poder de que já dispunham o Poder Judiciário (art. 96, inciso I e 99, caput CF) e o Poder Legislativo (art. 51, III e IV e 52, XII e XIII CF), previu o Constituinte Derivado a garantia de um poder autônomo de organização administrativa para o Executivo, excepcionando-o apenas quando houver aumento de despesa pública, bem como criação de entidades e órgãos7 da Administração Pública federal ou sua extinção.

Ao operar essa alteração do texto constitucional, entende-se aqui que o Constituinte Derivado afastou a possibilidade de que tal matéria de organização administrativa – com o devido respeito às exceções mencionadas – seja objeto de lei ou que, sendo prevista em lei, não possa ser alterada pela Presidência. Não poderia ser outra a conclusão. Imagine-se, por exemplo, que um Presidente da República tenha o interesse de tratar de atribuições do Executivo enquadradas no âmbito de Decreto previsto no art. 84, VI, “a” da Constituição,  mas decide fazê-lo não por decreto e sim por lei de sua iniciativa, aprovada pelo Congresso, no intuito de impedir o exercício futuro do poder regulamentar autônomo pelos próximos Presidentes. Ora, nessa hipótese, caso o futuro Presidente queira alterar assuntos organizacionais, terá que fazê-lo também por lei? E se o projeto que encaminhar ao Congresso não for aprovado, continuará ele se sujeitando à lei elaborada pelo Presidente anterior e que, na prática, traz normas que já estavam reservadas ao decreto regulamentar autônomo? Parece-nos que não. Ao alterar o art. 84, VI da Constituição através da Emenda Constitucional n. 32 de 2001, o Legislador criou uma fonte própria e exclusiva para o tratamento da auto-organização administrativa, a qual deve ser utilizada para as funções previstas, salvo em virtude das restrições expressamente impostas, a saber: 1) aumento de despesas ou 2) criação e extinção de órgãos – e, por conseqüência, de entidades públicas.

Para além dessa questão, cumpre ressaltar que a possibilidade de criação de normas com apoio direto na Constituição, ou seja, o poder regulamentar autônomo do Presidente da República, não deve ser confundido com o poder normativo geral que a Administração Pública detém. Com efeito, fora das hipóteses de decreto presidencial autônomo, sempre sobra à Administração Pública Direta e Indireta um poder normativo, o qual, porém, não é “autônomo” em relação ao Poder Legislativo, dado o princípio da reserva legal e da primazia da lei em sentido amplo. Mesmo que o poder normativo geral da Administração não seja autônomo, cumpre perguntar: pode ele ser exercido na ausência de lei em sentido estrito? Em caso positivo, as fontes normativas fundamentadas tão-somente na Constituição seriam válidas mesmo sem constituir regulamentos autônomos? As duas respostas são positivas.

A ausência de lei jamais poderia impedir que a Administração Pública agisse a fim de concretizar os objetivos do Estado. Dessa maneira, em regra, a prática de atos administrativos e atos da Administração, incluindo atos normativos, é sempre possível mesmo na ausência de lei específica tratando da matéria desde que: 1) tais atos sirvam para a concretização dos fins do Estado (art. 1º a 4º CF) e 2) pautem-se pelos princípios basilares de direito administrativo (sobretudo os do art. 37, caput CF). Isso significa dizer que o Poder Público não está autorizado a negar efetividade à Constituição em razão de uma omissão do Legislador, salvo em algumas situações excepcionais, a saber:

1) não existe lei sobre a matéria, mas existe reserva de lei complementar ou de lei ordinária em sentido estrito, tornando obrigatória a edição de lei formal do Congresso sobre o assunto para que o Executivo possa agir ou mesmo expedir atos normativos (regra da reserva legal estrita);

2) não existe uma reserva de lei, mas o Congresso Nacional editou lei sobre o assunto que não fere o campo reservado ao poder regulamentar autônomo e que, em  razão do princípio da primazia da lei, condiciona a atuação do Poder Público (supremacia  da lei existente);

3) não existe lei nem reserva de lei explícita, mas há uma reserva de lei implícita pelo fato de que a atividade do Executivo tem por fim restringir direitos e liberdades fundamentais de modo significativo (reserva não escrita de lei).8

Ressalvadas essas três situações, o Poder Público sempre tem o dever de agir – inclusive editando fontes de normas – para atingir os objetivos do Estado e, mesmo,  promover direitos fundamentais e interesses públicos primários. Porém, ao utilizar atos normativos para atingir esses objetivos, não estará o Poder Público criando regulamentos autônomos no sentido técnico previsto no art. 84, VI, “a”, da Constituição. Na verdade, estará apenas fazendo uso de seu poder normativo concretizante da Constituição, o qual tem caráter naturalmente secundário a eventuais leis que venham a surgir. Isso revela que a diferença entre o chamado poder regulamentar autônomo e o poder normativo em geral não está na possibilidade de agir diretamente com base na Constituição, mas sim no fato de que o poder regulamentar autônomo configura um campo de atuação do Executivo protegido contra ingerências do Legislativo. Nesse sentido, não se deve confundir esse espaço – que nos parece natural – de exercício do poder normativo concretizante (fundamentado diretamente na Constituição na ausência de lei) e outra coisa chamada “regulamentos autônomos” (poder normativo fundamentado diretamente na Constituição e protegido  contra ingerências do Legislativo).9

As fontes administrativas, entendidas de modo amplo, não se esgotam nas fontes escritas expedidas pelo Poder Público. Há, ainda, a discussão sobre a validade de fontes administrativas não-escritas, tal como costume administrativo. Para se retomar essa discussão, ainda inconclusa no direito brasileiro, é preciso esclarecer dois pontos, a saber: O que é o costume administrativo e como ele se diferencia de outros? Eventuais restrições ao costume administrativo como fonte do direito administrativo implicam em dizer que o Poder Público não se vincula a nenhum outro tipo de costume?

O costume, em sentido comum, consiste em uma prática reiterada ao longo de um período razoavelmente longo. No direito, porém, para que o costume transforme-se em fonte, é preciso mais que esse simples elemento. Com efeito, além da prática reiterada (longa consuetudo), designada como elemento objetivo, exige-se o reconhecimento de seu poder normativo, ou seja, o convencimento, pela doutrina e pelos Tribunais, da necessidade da prática (opinio iures ou opinio necessitatis), designante do elemento subjetivo, bem como a possibilidade de formulação da prática reiterada como norma jurídica (elemento formal) (OSSENBÜHL, 2002, p. 170).

Em algumas áreas do Direito, como no direito internacional público, o costume pode surgir como fonte válida desde que respeitados os três elementos acima apontados. Assim, a prática reiterada entre Estados, reconhecida e aprovada de modo geral, pode ser fonte de regras de conduta para a comunidade internacional, tal como consigna expressamente o Estatuto da Corte Internacional de Justiça (art. 38). De igual modo, o costume vem aceito no direito comercial e em outros ramos do direito interno.

Resta saber, porém, se a prática reiterada de agentes públicos em uma determinada instituição ou em um conjunto de instituições estatais, bem como a prática reiterada do Estado em relação aos seus particulares são capazes de se tornar fonte de normas que venham a reger as relações intra-administrativas, interadministrativas ou as relações entre o Estado e cidadão. Em outras palavras, o costume administrativo é fonte de direito administrativo?

A esse respeito, não é clara a posição da doutrina nacional. Para Meirelles (2008, p. 48), “no direito administrativo brasileiro, o costume exerce ainda influência em razão da deficiência da legislação. A prática administrativa vem suprindo o texto escrito e, sedimentada na consciência dos administradores e administrados, a praxe burocrática passa a suprir a lei, ou atua como elemento informativo da doutrina”. Daí se depreende que o costume seria uma fonte supletiva de normas, válida frente a uma lacuna do ordenamento jurídico.

De modo distinto, para Araújo (2007, p. 43), “o costume admissível, assim como a presunção, é aquele secundum legem (Código Civil, art. 230), sendo por isso relativo seu valor como fonte direta, funcionando mais como subsídio à elaboração das normas jurídicas”. Dessa afirmação se depreende que os costumes não serviriam, diversamente do que dizia Hely, como fonte supletiva de direito, mas sim como fonte de normas específicas em relação às normas jurídicas já existentes. O costume não é fonte de normas novas, que buscam a suprir lacunas (tarefa de integração do Direito), mas sim fonte de normas detalhadas (tarefa de especificação do Direito).

A questão, como se vê, não é simples. Ao se aceitar, de modo integral, a prática reiterada pelo Estado ou dentro do Estado como fonte de direito administrativo, estar-se-á dizendo que essa prática pode criar normas que guiarão a ação estatal a despeito de sua legitimação democrática direta por uma lei superior. Essa conclusão não é possível, porém, em virtude do Estado Democrático de Direito, o qual impõe a aprovação da conduta do Estado pelo Legislativo em nome do povo (democracia) e, por via de conseqüência, a vinculação constante da atuação do Estado a essa vontade (legalidade). Disso se conclui que a prática reiterada no âmbito da Administração Pública, mesmo que respaldada na opinio juris, jamais seria fonte de normas vinculantes e que ultrapassem ou  contrariem as fontes legislativas  que regem a ação do Estado. O argumento “nós sempre fizemos assim” jamais pode ser lançado pelo Estado para contrariar a lei ou mesmo ultrapassá-la. Isso vale tanto para os  atos interna corporis da Administração Pública, quanto para os atos administrativos – praticados em relação a outros sujeitos de direito, especialmente os cidadãos.

Em vista disso, razão assiste à Araújo ao afirmar que o costume administrativo é apenas admissível quando está de acordo com a lei. Essa afirmação, contudo, nega o caráter inovador dessa fonte. Em outras palavras, afirmar que o costume administrativo só existe quando for compatível ou conforme ao Direito significa dizer que ele não passa de fonte administrativa que assume relevância secundária e cujas normas detêm, a princípio, mero poder de orientação/indicação da ação estatal.

Na verdade, ainda que o direito administrativo brasileiro, hoje, passe a reconhecer fortemente princípios como o da moralidade, da boa-fé objetiva, da proteção da confiança legítima10 e, por conseqüência, a proibição do “venire contra factum proprium”,11 tais princípios não são capazes de alterar a natureza indicativa do costume administrativo e transformá-lo em fonte autônoma e de normas vinculantes para a Administração Pública. O fator que mitiga esse poder de vinculação do costume administrativo decorre novamente do Estado Democrático de Direito, princípios maiores que direcionam a ação do Estado no Brasil (art. 1º, caput CF) e, ainda, da limitação espacial de suas práticas no âmbito da Administração Pública.

Por ser fonte secundária e meramente indicativa, o costume administrativo não pode ser visto, tal como aparentemente dizia Hely Lopes Meirelles, como fonte supletiva da lei, ou seja, como instrumento que insere novos direitos e obrigações de natureza administrativa  no ordenamento jurídico em razão da inércia do Legislador. Em realidade, alguns ordenamentos jurídicos têm reconhecido o poder de ação estatal na ausência de norma legislativa como uma forma de permitir o bom funcionamento da Administração Pública – tal como demonstram decisões de tribunais alemães (OSSENBÜHL, 2002, p. 163). Ainda que o conjunto dessas ações seja tolerável, desde que respeitadas reservas legais em  sentido estrito e sempre como forma de proteger interesses públicos, daí não decorre que a prática do  Estado  na  ausência  de  lei  signifique  a  colmatação  de  lacunas  legislativas.  A  prática reiterada, na ausência da lei, não é fonte de direito administrativo, mas tão-somente uma forma de interpretação e concretização da Constituição por razão de interesse público.

Em síntese, o costume administrativo não constitui fonte de normas primárias e vinculantes para o direito administrativo. Uma vez cumpridos os requisitos apontados anteriormente, a conduta reiterada pelo Estado ou no âmbito de suas instituições pode até gerar normas principalmente em razão do princípio da moralidade e da boa-fé, mas tais normas serão sempre subordinadas à Constituição e à Lei (normas de especificação) e indicativas (não- vinculantes). O papel do costume administrativo no rol das fontes do direito administrativo é, assim, extremamente restrito e tímido.

Desse entendimento não se deve, porém, extrair a conclusão de que a Administração Pública não esteja vinculada aos costumes em geral. Como dito, costume administrativo é visto, aqui, como uma espécie de costume que surge na prática do Estado dentro de seu território ou mesmo na prática interna corporis das instituições estatais. O costume administrativo é uma espécie de costume. Destarte, o fato de esse tipo de costume exercer pouca relevância não significa que outros tipos de costume não sejam de aplicação obrigatória pela Administração Pública.

Se costumes de outra natureza forem considerados verdadeiras fontes de direito, tais costumes também deverão ser considerados pelo Estado dentro do bloco normativo que rege suas condutas. Imagine-se, assim, uma autoridade pública atuante no campo dos direitos humanos. Ora, tal entidade, ao agir, respeita não somente o direito positivo interno, mas também o direito internacional público nesse setor de atuação. Por essa razão, costumes internacionais em matéria de direitos humanos, entendidos como fonte de direito, são necessariamente de observação obrigatória na ação desse agente público. O mesmo se diga, por exemplo, a respeito de costumes de direito comercial. Se tais costumes são fontes de direito, a Administração Pública, ao atuar em matéria de direito comercial, tem a obrigação de considerá-los. Afirmar que o costume administrativo não é fonte primária e vinculante de normas administrativas não é, portanto, o mesmo que dizer que o Poder Público não deve respeitar costumes eventualmente reconhecidos como fonte de normas vinculantes. Em suma: o costume administrativo não é fonte relevante do direito administrativo; mas o costume em geral, quando aceito como fonte, vincula a Administração Pública na medida em que constitui o bloco normativo que rege suas condutas em alguns setores.

No direito francês, o papel da jurisprudência12 administrativa foi e continua sendo inegável. O Conselho de Estado Francês, criado em 1790, e que passaria a exercer função  jurisdicional plena em 1872, foi responsável por uma série de julgados que delimitaram a aplicação do direito privado em matérias envolvendo a Administração Pública, forjando, ao mesmo tempo, institutos próprios do que hoje se entende por direito administrativo. Aos poucos, porém, o papel das fontes legisladas cresceu no direito francês, mitigando o papel predominante da jurisprudência. Nesse sentido, narram Debbasch e Colin (2007, p. 57) que os princípios fundamentais do direito francês foram estabelecidos nos julgados do Conselho do Estado e não nos textos legais. Porém, hoje, constatam que este traço marcante do direito administrativo francês tende a se enfraquecer, dado que o Legislador passou a disciplinar em fontes escritas, de natureza geral e abstrata, as principais questões de direito administrativo, muitas vezes as codificando. Isso se vê, por exemplo, no “Code de la Fonction Publique” e no “Code de Justice Administrative”.

No Brasil, diferentemente, pode-se afirmar o inverso. Nosso Conselho de Estado, criado nos termos dos art. 137 e seguintes da Constituição do Império,13 pouca importância exerceu em termos de construção de um direito administrativo pátrio.14 Na verdade, qualquer chance de significativa colaboração do Conselho do Estado acaba por desaparecer em 1889, com a promulgação da primeira Constituição da República e a adoção de um princípio de unicidade de jurisdição. Disso não se deve, porém, extrair a falsa conclusão de que as fontes jurisprudenciais são irrelevantes no Brasil. Muito pelo contrário. Há inúmeros fatores pelos quais as decisões dos Tribunais, em conjunto ou separadamente, sumuladas ou não,  exercem um papel de crescente relevância para a formação do bloco de legalidade que rege a ação do Estado. Dentre esses fatores, vale mencionar:

1) O princípio da unicidade de jurisdição: como dito, na atual estrutura constitucional, não existem tribunais administrativos independentes do Judiciário. Na verdade, há diversos órgãos julgadores no âmbito da Administração Pública e que chegam a formar uma jurisprudência administrativa, mas suas decisões, em razão do  princípio da unicidade (art. 5º, XXXV CF), sujeitam-se à apreciação do Poder Judiciário caso lesem ou ameacem a lesar direitos. Isso significa que qualquer ato ou decisão de uma entidade administrativa federal, estadual ou municipal, seja ele discricionário ou vinculado,15 pode ser levado a juízo. Justamente por esse motivo, as manifestações do Judiciário em matéria de direito administrativo tornaram-se muito numerosas e passaram a influenciar, inegavelmente, o Poder Público em geral e a doutrina. Isso ocorreu, principalmente, pelo respeito e consideração concedidos a súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, a despeito de seu caráter não-vinculante.16

2) As súmulas vinculantes: principalmente com a Reforma do Judiciário, implantada com a aprovação da Emenda Constitucional n. 45 de 2004, surgiram, no direito brasileiro, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Estas se diferenciam das súmulas que já existiam – e continuam existindo – pelo fato de trazerem manifestações breves sobre a validade, interpretação e eficácia de determinadas normas, vinculando os órgãos judiciais e também os órgãos da Administração Pública dos três entes da Federação (art. 103-A, caput CF).17 Assim, caso qualquer decisão administrativa contrarie súmulas vinculantes, poderá o administrado ou qualquer interessado recorrer administrativamente e, subsidiariamente, apresentar “reclamação” perante   o   STF,   o   qual,   julgando-a   procedente,   anulará   o    ato administrativo e determinará que outro seja proferido de acordo com a Súmula (art. 103-A, § 3º CF).

3) Outras decisões vinculantes: note-se, ainda, que a Constituição outorga efeito vinculante às decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade. Tais decisões, desde que transitem em julgado, vincularão a atuação da Administração Pública Direta e Indireta nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º com redação dada pela EC 45/2004). Com isso, mais uma vez, o Judiciário cria documentos a vincular a Administração, impedindo-a de agir com apoio em documento declarado inconstitucional ou de não agir com o argumento de se tratar de norma inconstitucional quando tal norma já tiver sido declarada compatível com a Constituição pelo

4) A ressurreição do Mandado de Injunção: enfim, as decisões do Judiciário brasileiro ganharam ainda mais força pelo recente ressurgimento funcional do Mandado de Injunção. Com efeito, passou o STF a exercer seu papel de “Legislador ad hoc” nos casos em que “a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5º, inciso LXXI CF). Isso ocorreu quando o Supremo, em agosto de 2007, deu concretude à Constituição no tocante ao direito de servidores públicos terem contagem diferenciada de tempo de serviço em razão de atividade insalubre e, em outubro do mesmo ano, determinou a aplicação de normas da Lei de Greve (Lei n. 7.783/89) aos casos de greve no serviço público até que o Congresso venha a editar a tal “lei específica” prevista no art. 37, inciso VII da CF com redação dada pela Emenda n. 19 de 1998. Essas duas decisões refletiram uma grande mudança de postura do Judiciário e geraram o que se chamou de “ressurreição do Mandado de Injunção”, antes utilizado timidamente pelos 18

Como se vê, por esses e outros fatores, as fontes jurisprudenciais têm ganhado espaço ao longo da história do direito administrativo brasileiro. As contribuições que o Poder Judiciário já aportava ao direito administrativo em virtude do princípio da unicidade de jurisdição tendem a se multiplicar principalmente com a criação da figura das súmulas vinculantes do STF e também com o ressurgimento dos mandados de injunção sob uma perspectiva concretista. A jurisprudência, portanto, passa a exercer indiscutível papel de fonte de uso obrigatório e de natureza vinculante em incontáveis situações, participando necessariamente do bloco normativo que guia a ação estatal em muitos casos concretos.

Ainda nesse contexto, mas de modo diferenciado, a jurisprudência administrativa brasileira, formada  por  sua  vez  pelas  decisões  das  mais  diferentes  entidades  públicas  com função julgadora sem definitividade, permanece restrita ao papel de fonte indicativa do direito administrativo, não obstante ganhe notória relevância em razão de sua tecnicidade e profundidade no cenário de “agencificação” que marca principalmente a organização administrativa federal desde a metade da década de 1990.

Para concluir esse breve panorama, algumas notas acerca do papel da doutrina como fonte do direito administrativo são devidas. Doutrina, aqui, é entendida como o conjunto de textos científicos que têm por objeto examinar, sistematizar e criticar o direito positivo e, ainda, oferecer formas de aperfeiçoamento do sistema jurídico. Ela corresponde ao conjunto de estudos científicos sobre as normas, institutos e instituições jurídicas, sendo, nas palavras de Meirelles, o sistema teórico construtivo da ciência jurídica e que diferencia seus ramos, influenciando, por suas considerações, decisões contenciosas e não-contenciosas (MEIRELLES, 2008, p. 47).

Diferentemente do que ocorre no direito internacional público, em que a doutrina, assim como o costume, foi expressamente eleita como fonte pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça (art. 38), os ensinamentos científicos de direito administrativo ainda não receberam do Legislador brasileiro semelhante reconhecimento. O fato de se tratar de uma fonte subsidiária e indicativa não reduz, contudo, sua importância prática e seu reconhecimento pelos mais diversos operadores do Direito.

Com efeito, o papel da doutrina é extremamente relevante por uma série de fatores, como já bem destacaram Debbasch e Colin (2007, p. 105). Em primeiro lugar, a doutrina é responsável pela divulgação das fontes jurisprudenciais e por sua divulgação e perpetuação. Em segundo, exerce um papel fundamental na sistematização das mais diferentes fontes do direito administrativo, buscando conferir coerência ao sistema como um todo. Em terceiro, aponta, de modo crítico, os problemas das fontes legisladas, administrativas e jurisprudenciais frente à Constituição, contribuindo, pois, para evitar condutas ilegais. Em quarto, elabora sugestões de alteração do ordenamento jurídico a fim de permitir que o Poder Público cumpra suas finalidades constitucionais da melhor maneira possível, contribuindo, pois, para o desenvolvimento do direito administrativo. Em quinto lugar, elabora e transfere aos operadores do Direito as diretrizes de atuação segundo o ordenamento jurídico, fomentando o respeito à legalidade administrativa.

A despeito dos esforços e do papel da doutrina, uma apresentação panorâmica das fontes  do direito administrativo brasileiro revela, além de problemas pontuais diversos, as dificuldades enfrentadas pelo administrador público para identificar, no seu dia-a-dia, o bloco normativo ou “bloco de legalidade” que rege suas condutas. De modo sucinto, tais dificuldades podem ser resumidas por algumas simples expressões, a saber:

1) Inflação normativa: a ampliação material da Constituição e a subsequente inflação de fontes legais e regulamentares de modo incontrolado é o primeiro fator a dificultar a compreensão do que seja legal ou ilegal. Segundo Debbasch e Colin, trata- se de um problema típico da nossa época e que afeta, principalmente, o direito administrativo. Esse fenômeno decorre, entre outras coisas, da ausência de textos legislativos claros e concisos; da ampliação do papel da Administração Pública na elaboração de fontes do direito administrativo; da transposição, na elaboração de fontes administrativas, da casuística sem a devida preocupação com a elaboração de normas gerais e abstratas; assim como da busca de tudo pelo Direito regular, tentando afastar o maior número de riscos possíveis. Essa “desordem quantitativa”, nas palavras de Castro (2007, sp.), “passa a ser um dos maiores problemas de conformação prática do princípio da legalidade”.

2) Multiplicação das fontes: a essa inflação atual das normas, soma-se a multiplicidade natural das fontes no direito administrativo brasileiro. Esse problema é inerente à estrutura estatal adotada pela Constituição. De um lado, é conseqüência da divisão de Poderes (art. 2º CF), que permite a coexistência de fontes produzidas pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário. De outro, resulta da estrutura federativa – bipartite desde a Constituição de 1889 e tripartite após a Constituição de 1988. Assim, ainda que o federalismo seja quase irrelevante para alguns ramos do Direito, para o direito administrativo a existência de três esferas políticas é necessária, porém desastrosa. Tal como as fontes federais, as fontes estaduais e municipais também criam direito administrativo. Isso não significa apenas uma esfera federal, estadual e municipal, mas sim uma União, mais de duas dezenas de Estados  e mais de cinco milhares de Municípios, todos criando constantemente normas de direito administrativo. Nesse contexto e em razão da distribuição de competências e seus variados arranjos (competência concorrente, comum, exclusiva), chega-se  a uma situação em que a aplicação do direito administrativo tende a se tornar mais difícil conforme se desça os degraus da federação (da União aos Municípios). A complicação nos níveis mais locais da federação torna-se ainda mais grave quando se considera a escassa existência de fontes doutrinárias de direito administrativo estadual e municipal, bem como a incapacidade financeira de os entes políticos locais – via de regra, os mais pobres – tomarem medidas efetivas de profissionalização de seus recursos humanos de modo a capacitar os agentes públicos a compreenderem o ordenamento jurídico e a transformarem a legalidade-princípio em legalidade real.

3) Imperfeições naturais do ordenamento jurídico:19 não fossem todos esses problemas, as  dificuldades  do  administrador  público  decorrem,  como  ocorre em outros ramos do Direito, da desorganização, da vagueza, das imperfeições e da lacunas comuns a todo ordenamento jurídico.20 Buscando solucionar  esses  problemas “mecânicos” do sistema jurídico, muitas vezes chega o agente público – que não é, na maioria das vezes, jurista – a uma decisão ilegal, ainda que tenha agido de acordo com a mais pura boa-fé.

Esse cenário caótico das fontes de direito administrativo – cenário que poderia ser recheado com mais uma centena de fatores e variáveis – abre espaço para tragédias no funcionamento da Administração Pública. A primeira delas é a dificuldade, já mencionada,  de se identificar o bloco normativo correto a reger uma determinada conduta estatal. A segunda, conexa à primeira, é a multiplicação dos erros ocasionados pela escolha incorreta das fontes e das normas aplicadas ao caso concreto. Tais erros, não raro, elevam a necessidade de anulação e revogação de atos da Administração e atos administrativos, aumentando gastos públicos e, pior, criando insegurança nas relações entre entes estatais, bem como entre o Estado e os cidadãos.

Por tudo isso, entende-se que um dos maiores problemas acerca do princípio da legalidade não está mais em um plano unicamente teórico. A despeito de divergências pequenas aqui e acolá, consenso há de que o princípio da legalidade tem efeito vinculante, dele decorrendo, claramente, um dever de ação ora conforme, ora compatível com o ordenamento jurídico. Por isso, a questão de hoje não é mais “o que é legalidade?”, mas sim “como tornar a legalidade viável?”.

Nesse particular, alguns países europeus já mostram grandes avanços. A França e a Alemanha, por exemplo, já há alguns anos, buscam limpar o direito administrativo, afastando fontes legais e normativas confusas e inúteis, quer por sua revogação, quer por sua consolidação em códigos setoriais. O Brasil, na mesma linha, também já deu alguns passos. É o que se vê na edição da tardia, porém útil lei de processo administrativo federal, bem como na elaboração de projetos para consolidação da organização administrativa federal. No entanto, é preciso fazer mais sob pena de se enterrar a legalidade  administrativa.

Se, como dizia Waline (2008, p. 251), a legalidade quer operar “a síntese entre as exigências opostas da liberdade dos administrados e a eficácia da Administração”, evitando que os agentes públicos sejam largados à “sua inspiração pessoal”, é preciso que essa legalidade se torne viável na prática. Do contrário, restará condenada a permanecer eternamente no mundo das ideias, dos debates e dos desejos.


Referências bibliográficas

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WALINE, Jean. Droit administratif. 22ª ed. Paris: Dalloz, 2008.

1 A respeito da discussão, conferir, entre outras, as reflexões de: Di Pietro (2001, p. 17 e ss.); Couto e Silva (2004); Guerra (2008); Marrara (2005); Santos Neto (2003); Schirato (2008); Castro (2007); e Monteiro (2007).
2 Em igual sentido, Castro (2007).
3 A necessidade do cumprimento de uma relação de conformidade (legalidade forte) ou de compatibilidade (legalidade fraca) vai depender dos parâmetros exigidos pela Constituição. Assim, em regra, matérias que envolvam restrições aos particulares exigem relação de conformidade, significando que não devem   acontecer sem reserva expressa em lei. Já para outros tipos de condutas, por exemplo, expedição de certas normas de organização interna da Administração Pública ou a prática de atos materiais pela Administração, há mera necessidade de compatibilidade com o ordenamento (legalidade fraca). A respeito da distinção, cf. Marrara (2005, p. 529). Sobre a concepção original de conformidade e compatibilidade, cf. Eisenmann (1959).
4 Fala-se aqui de “quase totalidade” pelo fato de que o art. 62, § 1º, inciso I, principalmente nas alíneas “c” e “d” envolve temas de direito administrativo, a saber: organização do Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, bem como planejamento plurianual e orçamento.
5 Com efeito, dispõe o art. 12 da Lei n. 10.177/1998 que: “são atos administrativos: I –  de  competência privativa: a) do Governador do Estado, o Decreto; b) dos Secretários de Estado, do Procurador Geral do Estado e dos Reitores das Universidades, a Resolução; c) dos órgãos colegiados, a Deliberação; II – de competência comum: a) a todas as autoridades, até o nível de Diretor de Serviço; às autoridades policiais; aos dirigentes das entidades descentralizadas, bem como, quando estabelecido em norma legal específica, a outras autoridades administrativas, a Portaria; b) a todas as autoridades ou agentes da Administração, os demais atos administrativos, tais como Ofícios, Ordens de Serviço, Instruções e outros. § 1º – Os atos administrativos, excetuados os decretos, aos quais se refere a Lei Complementar nº 60, de 10 de julho de 1972, e os referidos  no artigo 14 desta lei, serão numerados em séries próprias, com renovação anual, identificando-se pela sua denominação, seguida da sigla do órgão ou entidade que os tenha expedido. § 2º – Aplica-se na elaboração dos atos administrativos, no que couber, o disposto na Lei Complementar nº 60, de 10 de julho de 1972”.
6 Dispunha a redação original do art. 84, VI que competia privativamente ao Presidente da República “dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, na forma da lei”. A reserva legal em sentido estrito era clara e inegável.
7 A redação do art. 84, inciso VI, alínea “a”, menciona a criação e extinção de “órgãos”. Essa expressão pode ser interpretada de várias formas: 1) órgãos como o conjunto de entidades públicas e órgãos em sentido estrito; 2) órgãos em sentido estrito apenas; 3) órgãos apenas como entidades públicas. Prefere-se aqui a primeira interpretação, dado que a Lei de Processo Administrativo Federal (Lei n. 9.784/1999) confere ao órgão um sentido mais restrito do que à entidade administrativa, na medida em que esta é dotada de personalidade jurídica e aquele, não. Assim, ao mencionar apenas “órgãos”, o art. 84, VI, alínea “a” também se refere, de modo implícito, a entidades em sentido técnico-jurídico. Se o decreto autônomo não pode ser empregado para extinguir ou criar órgãos, não poderia ser empregado para criar entidades. Se a norma proíbe o menos, proíbe implicitamente o mais. Acerca da distinção entre entidade e órgão na LPA, cf. Nohara e Marrara (2009, p. 32).
8 Em sentido próximo, mas de modo conceitualmente diverso por confundir poder regulamentar autônomo com poder normativo fundado na Constituição, afirma Binenbojm (2009, p. 184) em excelente artigo: “Admite- se, assim, que em campos não sujeitos a reservas de lei (formal ou material), a Administração Pública possa legitimamente editar regulamentos autônomos, desde que identificado um interesse constitucional que lhe incumba promover ou preservar… em síntese: são autônomos os regulamentos que encontram fundamento direto na Constituição, seja por uma competência normativa expressamente assinalada no texto constitucional (como aquela prevista no art. 84, VI “a”, introduzida pela Emenda Constitucional n. 32/2001 e no art. 237 da Carta de 1988), seja como uma decorrência implícita de competências administrativas que careçam de normatização prévia ao seu exercício. Duas ressalvas se fazem necessárias, todavia, em relação aos regulamentos autônomos: (i) em ambas as hipóteses assegura-se a primazia da lei supervenientemente editada sobre os regulamentos autônomos; (ii) não se admite a sua edição em espaços sujeitos à reserva legal”.
9 Em sentido próximo, diferenciando poder regulamentar e poder normativo, cf. Monteiro (2007). Em sentido diverso, utilizando os conceitos de poder normativo concretizante da Constituição e poder regulamentar autônomo como sinônimos, cf. Binenbojm (2009, p. 184).
10 Este princípio “(a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos”. Cf. o excelente artigo de Couto e Silva (2004).
11 A respeito desses princípios cf. Couto e Silva (2004); Di Pietro (2009, p. 84), bem como Nohara (2009, p. 54).
12 O termo “jurisprudência” pode ser usado em diferentes acepções. Em primeiro lugar, é possível entendê-la como conjunto de decisões dos tribunais judiciais ou de entidades administrativas (chamada jurisprudência administrativa).  As  decisões  que  formam  a  jurisprudência  em  sentido  formal  (conjunto  de   documentos) recebem o nome de “julgados” ou “arrestos”. Em segundo lugar, mais especificamente, jurisprudência também significa o sentido de julgamento a respeito de determinada matéria ou questão jurídica. Assim, fala-se de “nova jurisprudência”, “jurisprudência recente”, “jurisprudência ultrapassada” etc.
13 O Conselho de Estado foi disciplinado pelos artigos 137 a 144 da Constituição Imperial nos seguintes termos: “Art. 137. Haverá um Conselho de Estado, composto de Conselheiros vitalícios, nomeados pelo Imperador. Art. 138 O seu número não excederá a dez. Art. 139. Não são compreendidos neste número os Ministros de Estado, nem estes serão reputados Conselheiros de Estado, sem especial nomeação do Imperador para este Cargo. Art. 140. Para ser Conselheiro de Estado requerem-se as mesmas qualidades que devem concorrer para ser Senador. Art. 141. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de: manter a Religião Católica Apostólica Romana; observar a Constituição e às Leis; ser fiéis ao Imperador; aconselhá-lo segundo suas consciências, atendendo somente ao bem da Nação. Art. 142. Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negócios graves e medidas gerais da pública Administração; principalmente sobre a declaração da Guerra, ajustes de paz, negociações com as Nações Estrangeiras, assim como em todas as ocasiões em que o Imperador se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador, indicadas no art. 101, à exceção da VI. Art. 143. São responsáveis os Conselheiros de Estado pelos conselhos que derem opostos às Leis e ao interesse do Estado, manifestamente dolosos; Art. 144. O Príncipe Imperial, logo que tiver dezoito anos completos, será de Direito do Conselho de Estado: os demais Príncipes da Casa Imperial, para entrarem no Conselho de Estado ficam dependentes da nomeação do Imperador. Estes e o Príncipe Imperial não entram no número marcado no Art. 138”.
14 Nesse sentido, Medauar (1992, p. 61).
15 O fato de um ato administrativo ser discricionário não afasta seu controle pelo Judiciário. Na sua função de controle, o Judiciário verifica se os parâmetros jurídicos que deveriam conduzir o poder de escolha dado à autoridade pública foram respeitados ou não. Caso o ato discricionário praticado seja ilegal e haja apenas outro ato possível, parece possível que o Judiciário já determine ao Estado a prática do único ato válido. Se, porém, o ato praticado com base na discricionariedade for nulo, mas houver várias outras possibilidades de atos praticáveis pela Administração Pública, naturalmente não poderá o Judiciário ignorar o princípio da tripartição dos Poderes (art. 2º CF) e escolher o ato mais conveniente em nome da Administração Pública. Como se vê, os limites de controle do Judiciário sobre atos discricionários variam de acordo com a quantidade de atos  possíveis em relação ao que foi considerado ilegal e, portanto, nulo. A favor da plena sindicabilidade dos atos administrativo, inclusive das decisões políticas, cf., entre outros, Santos (2003). No mesmo sentido, Schirato (2008).
16  Exemplos de súmulas não-vinculantes do STF que foram amplamente incorporadas ao direito administrativo: 15 – “dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”; n. 18 – “pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”; n.47 – “Reitor de universidade não é livremente demissível pelo Presidente da República durante o prazo de sua investidura”; n. 473 – “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”
17 No campo do direito administrativo, há diversas súmulas vinculantes que merecem destaque,  dentre as quais: n. 5 – “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”; n. 13 – “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”; n. 21 – “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”.
18 Segundo reportagem de Haidar (2009), o número de Mandados de Injunção interpostos perante o Supremo saltou de 17 em 2005, para 140 em 2008, para 662 até julho de 2009.
19 Castro (2007, sp.) também se preocupa com os efeitos maléficos da obscuridade e da confusão dos diplomas legais. Afirma, nesse contexto, que “a lei, no sentido de norma jurídica, tem de ser suficientemente acessível, quer em relação à sua qualidade intrínseca, quer em relação a seus enunciados, a fim de que se possa  permitir a seus destinatários regular-lhes a conduta. Destarte, quando uma lei é clara, é fácil cumpri-la, quando, porém, é obscura, mais difícil se revela aprofundar-lhe as disposições, ausentando-se a eficácia e a efetividade”.
20 No mesmo sentido, preleciona Guerra (2008) que “(…) em muitos casos e em vista dos acordos entre  partidos e parlamentares, a lei é elaborada, propositalmente ou não, de forma ambígua, isso quando não é mal redigida, provocando imprecisões e dificuldades para a aplicação no caso concreto”.

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