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Entrevista com Irene Nohara, autora do livro Direito Administrativo

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Entrevista com Irene Nohara, autora do livro Direito Administrativo

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ENTREVISTA COM AUTOR

IRENE NOHARA

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26/07/2019

Livre-Docente e Doutora em Direito do Estado (USP), Irene Nohara é professora-Pesquisadora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora da Editora Atlas, do Grupo GEN, também é gestora do site direitoadm.com.br e do canal do YouTube Irene Nohara. Recentemente, a autora atualizou o livro Direito Administrativo, que chega à nona edição com grandes novidades, incluindo a participação dos leitores. Confira a seguir a entrevista com Irene Nohara, que comentou sobre a atualização da obra e quais foram as grandes referências durante sua carreira:

Entrevista com Irene Nohara

1) Por que a escolha pelo Direito Administrativo? O que a levou para essa área?

Primeiramente, muito obrigada pela oportunidade de falar com o público interessado. Eu escolhi o Direito Administrativo a partir do interesse que foi despertado em mim já na época da faculdade. É uma área muito importante, que tem impactos relevantes tanto nas atividades particulares, pois a regulação é intensa, como também no dia a dia do Estado.

Quando eu entrei na faculdade pensava em seguir a carreira diplomática, por conta do contato que tive com diplomatas que eram amigos de meus pais, mas, ao estudar e tomar contato com o Direito Administrativo me apaixonei pela matéria. Também foi imprescindível o estímulo que tive de minha orientadora, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que desenvolveu em mim o amor profundo pela disciplina desde a iniciação científica, depois: no mestrado, doutorado e livre-docência, ocasiões em que ela sempre esteve presente, me orientando e dando o exemplo de como fazer pesquisa na área.

Cada ano de pesquisa feita na matéria só aumentou minha curiosidade, mas o dia em que comecei a lecionar Direito Administrativo também foi uma conquista. Então, o que me levou para essa área foi a vontade de pesquisar e contribuir para o Direito Administrativo, desde a faculdade, e, principalmente, na pós-graduação, mas o que me consolidou na área foi escrever e lecionar Direito Administrativo.

2) Quais foram suas maiores influências para escrever o livro?

Minha principal influência foi da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que é uma das mulheres mais respeitadas na área do Direito, com a qual tive oportunidade de pesquisar na Faculdade de Direito da USP, tanto que meu livro é dedicado a ela. Mas, também posso trazer aqui um rol de inspirações que me impulsionaram a refletir sobre os temas do livro, como Celso Antônio Bandeira de Mello.

Nunca tive a honra de pesquisar em conjunto com esse grande jurista, mas tive a alegria de conhecê-lo melhor nos encontros dos congressos de Direito Administrativo e constatar que o trabalho desse gigante é compatível com uma personalidade generosa e autêntica de grande expressão. Então, eu tive a alegria de conhecer esses clássicos, que encabeçam a doutrina do Direito Administrativo, inclusive de conviver com eles, o que para nós, que somos da área, é um privilégio a marcar um currículo e quiçá uma vida para sempre.

Inspirei-me, ainda, em grandes publicistas ao escrever o livro, como: Paulo Bonavides e Gilberto Bercovici. São juristas de olhar crítico e reflexivo e que inspiram todos os que se debruçam sobre a densidade de suas obras. Como eu desejava que a obra de Direito Administrativo alcançasse também uma certa densidade, mas que fosse simultaneamente didática e objetiva, eu me foquei “formalmente” na obra de Hely Lopes Meirelles. Na realidade, digo formalmente, pois “materialmente” sou mais da linha da professora Maria Sylvia, com quem tive minha formação, mas desejei fazer uma obra de consulta e de resolução objetiva de questões cotidianas da Administração Pública, como a do Hely, que, como ninguém, conseguiu fazer um livro de configuração bem acessível e que traz a doutrina sem deixar de dar uma orientação bem precisa e objetiva para a resolução das questões de aplicação do Direito Administrativo Brasileiro, sendo, portanto, um manual de consulta a ser aplicado.

Assim, as questões mais controvertidas e problemáticas são separadas em quadros de temas polêmicos e o texto é bem didático e aponta de forma objetiva como a lei é aplicada nos tribunais, com foco nas decisões dos tribunais superiores. Procuro também me inspirar nos debates que são feitos em conjunto com a nova geração do Direito Administrativo, a qual encontro periodicamente nos painéis dos congressos da área, então, a partir dos debates travados sempre trago novidades para dentro do livro, como, por exemplo, temas sobre processo administrativo digital, o debate sobre a regularidade do uso de robô em licitações e a sociedade de risco e os papeis esperados do Estado na Contemporaneidade. Faço isso para promover uma articulação entre a doutrina mais clássica, que merece todo seu campo de destaque e reflexão, pois é dessa tradição que venho, com o que há de mais avançado nos debates da área, suscitando atualizações feitas a partir dos desafios que o Direito Administrativo enfrenta, principalmente na sua adaptação aos novos tempos.

3) O que podemos encontrar na nova edição de Direito Administrativo? Quais são as mudanças e atualizações?

Nessa nova edição podemos encontrar decisões atualizadíssimas dos Tribunais Superiores sobre a aplicação do Direito Administrativo, como, por exemplo: a polêmica imprescritibilidade dos danos ao erário na improbidade, conforme decisão do STF que, para surpresa de muitos, foi distinta do caminho trilhado para a reparação civil do servidor em caso de dano nos anos anteriores. Também houve inserção das alterações significativas no eixo de interpretação do direito público a partir da Lei nº 13.655/2018, que inseriu novas regras de interpretação na LINDB. Fiz a atualização dos valores de contratações diretas e das modalidades de licitação usadas, conforme o Decreto nº 9412/2018. Atualizei a vinculação das agências reguladoras conforme a reforma que foi feita na Administração Direta, que concentrou Ministérios. Inseri os dispositivos de desburocratização e de terceirização nos itens respectivos. Elaborei mais quadros de temas polêmicos no texto. Então, foram muitas as atualizações, mudanças e acréscimos realizados.

4) Qual você acredita que é o diferencial da sua obra?

Acho que não é um só diferencial, mas são muitos os que posso citar. Vou citar oito diferenciais dela.

(1) Em primeiro lugar, a escrita objetiva, que garante um teor didático. Apesar dela tratar de questões complexas da área, tento sempre fazer da forma mas direta e compreensível possível. Dificilmente o leitor dessa obra ficará com dúvidas sobre o que eu queria dizer, pois tentei ser bastante didática. Então, tenho recebido muitos elogios quanto à linguagem empregada, que, apesar de jurídica, pois procuro ser rigorosa tecnicamente, não enveredo para o “juridiquez”, inclusive muitos gestores públicos sem formação na área gostam de consultá-la e não encontram dificuldades em compreendê-la, nesse ponto que disse que, formalmente, me inspirei na obra do Hely Lopes Meirelles;

(2) depois, um ponto também que tenho preocupação: por mais que não goste de determinada orientação, se ela foi consolidada nos Tribunais Superiores, ela estará na obra. Esse ponto diz respeito à objetividade da abordagem dos temas. Então, penso mais no uso da obra do que em defender minhas teses pessoais. Evidentemente que eu não deixo de me posicionar, mas também não deixo de ressaltar como os órgãos de controle enxergam e aplicam o Direito Administrativo, pois é isso que o leitor procura. Então, minha obra traz um diálogo com diversos autores importantes da área, contempla também minha opinião sobre a questão, mas ela tem por foco principal expor o que os órgãos de controle abordam da questão, pois é isso que o aplicador irá se deparar quando usar o livro para suas consultas práticas. Não adianta eu dizer que algo é inconstitucional se o Supremo já se manifestou definitivamente pela constitucionalidade, então, eu vou enfrentar a questão em paralelo, dizer qual é a minha opinião, mas o leitor saberá o que o Supremo entende, para ele fazer a aplicação objetiva do livro. Por exemplo, entendo que o Supremo não deveria ter proibido a greve do policial civil, pois a Constituição é clara ao vedar a greve do militar, mas não deixo de enfatizar que, não obstante o que entendo, o Supremo Tribunal Federal, no dia 5 de abril de 2017, estendeu a proibição de greve dos militares aos policiais civis e demais servidores públicos que atuem na área de segurança pública, conforme decisão tomada pelo Plenário no julgamento do ARE 654.432, com efeitos de repercussão geral. Ainda especifico os termos fixados, pois a partir da repercussão geral há efeitos. Há autores que só defendem o que acham, mas não têm essa preocupação em colocar nos seus livros aquilo que discordam. Mas, se o que eu discordo é o que os tribunais aplicam, eu não deixo de inserir com clareza para orientar aquele que usa a obra como material de consulta.

(3) a obra foi construída desde o início com uma preocupação estética. Há uso de letras grandes e agradáveis ao leitor. A folha é consistente. Mesmo que haja quadros explicativos, eles são desenvolvidos de forma clean e com grifos nas palavras principais, sendo eles sutis e elegantes. Não são quadros grosseiros, mas são quadros bonitos e harmoniosos. Ainda, a capa foi toda configurada simbolicamente: nesta edição houve predomínio do fundo branco, a parte amarela é mantida sempre, pois é uma cor que pessoalmente me atrai, sendo toda desenhada a partir de grafismos desenvolvidos para o livro, e a faixa central muda de cor a cada nova edição. Nesta nona edição temos: banco, faixa central preta e amarelo. Esta última cor (amarela) inspira luz, claridade, alegria e criatividade. Desde o início acompanhei e influenciei esteticamente a configuração do livro Direito Administrativo, fiz alguns testes e acredito que essa edição alcançou elevado padrão.

(4) Um diferencial importante desta obra é que sempre me preocupei em desenvolver bastante os temas, tanto do ponto de vista histórico-teórico, como do ponto de vista técnico. Então, o leitor terá um apanhado bem aprofundado de todos os temas. Como ela está com mais de mil páginas, acredito que cada um dos capítulos é bem completo e traz os principais aspectos dos temas que são expostos;

(5) atualização. Este é um diferencial importante. Eu mesma me encarrego de passar meses atualizando criteriosamente minha obra. É algo que eu não delego, pois sei que isso é o que constitui uma obra que se consolida. A preocupação do autor com cuidar de sua doutrina faz toda a diferença, pois não basta escrever o livro, para ele se consolidar há uma demanda de trabalho ao longo de cada edição, o que é, no meu caso, feito criteriosamente;

(6) trazer os temas controvertidos selecionados em quadros específicos. A obra tem a preocupação em ser didática, trabalhar os principais temas clássicos da área e separa temas controvertidos, que são inspiradores de trabalhos de pesquisa.

(7) O livro procura sempre agregar explicação teórica com exemplos de aplicação prática para que as explicações não fiquem pairando no ‘ar’, então, ela fica interessante e acessível a diversos públicos;

(8) o último ponto, mas também diferencial, diálogo com o que há de melhor no estado da arte do Direito Administrativo. Recebo sempre livros de pesquisadores e de pessoas que defenderam suas teses e dissertações no Brasil todo e se houver uma contribuição para o avanço da matéria eu costumo inserir na explicação. Então, acho que essa dinamicidade ajuda, pois procuro ser generosa em promover também as grandes ideias que surgem dos pesquisadores da área. Então, valorizo muito as ideias novas e a minha obra vai ganhando riqueza no diálogo com o que se produz nas fronteiras do estado da arte do Direito Administrativo, sendo que a cada citação de novas abordagens, os pesquisadores acabam ficando contentes em terem suas ideias divulgadas no meu livro.

Em síntese, identifico oito diferenciais da obra: (1) objetividade na escrita; (2) objetividade na abordagem dos temas; (3) cuidado estético; (4) desenvolvimento completo dos temas; (5) preocupação criteriosa com a atualização; (6) presença de temas controvertidos separados em quadros específicos, inclusive com um remissivo de quadros de temas polêmicos ao final da obra; (7) acoplar sempre exemplos às explicações teóricas; e (8) dialogar com novos pesquisadores, promovendo ideias que contribuem com a ampliação do estado da arte do Direito Administrativo, pois, por ser pesquisadora, estou sempre engajada também em analisar e divulgar as novas contribuições da área.

5) Você usou as dúvidas/perguntas dos leitores para acrescentar novidades a essa edição? Como foi esse processo?

Acho que isso produziu um resultado muito bom. Foi um método muito interessante. Todo ano eu fico meses atualizando o Direito Administrativo. Daí, depois de inserir no texto todas as alterações legais e jurisprudenciais relevantes na passagem entre 2018 a 2019, eu escrevi uma mensagem no Facebook que estava fazendo a atualização do livro e se alguém teria algum tema que gostaria de ver contemplado na obra, se há algum ponto que acha importante de ser abordado. Foi algo que me surpreendeu, pois apesar de eu ter feito isso de forma despretensiosa, muitas pessoas começaram a dar dicas de temas interessantes e de questões que gostariam de ver contempladas nos livros da área, mas que não encontravam nas obras que consultavam. Como nas minhas redes há muitas pessoas que lidam com a aplicação do Direito Administrativo: Conselheiros de Tribunais de Contas, Dirigentes de Agências Reguladoras, Procuradores de Estado e de Município, Professores de Direito Administrativo, Pesquisadores e também Alunos que estudam para concursos públicos, recebi uma enxurrada de dicas de atualização e de temas interessantes para inserir.

Direito Administrativo - Irene Nohara

Claro que acabou demorando bem mais a atualização. Em vez de ser lançado meu livro em março, como de costume, ele acabou sendo lançado alguns meses depois, por conta das inserções que fiz, devido a esse método, mas, depois, isso gerou um aumento expressivo na procura pela obra. Ao terminar a atualização, escrevi uma nota à nona edição agradecendo um a um os leitores que trouxeram as dicas relevantes de atualização, inclusive especificando qual foi a contribuição e dando feedback dos pontos que modifiquei, dentro do que eles me sugeriram. Foi um processo de atualização colaborativa.

Desde a Wikipédia, acredito que as novas gerações estão querendo construir as coisas em conjunto, querem colaborar com a melhoria dos produtos que admiram, então, eu só tenho a agradecer a todos os leitores e pesquisadores pelas dicas que me deram. Achei que seria o mínimo de reconhecimento identificar quais foram as colaborações, assim eles também se sentem inseridos no produto. Fui surpreendida com a generosidade e o cuidado de todos para com minha obra e estimulo a que as pessoas façam isso, para que abram mesmo seus produtos aos destinatários, que ouçam e que acolham suas reivindicações. Isso é algo que só agrega… na minha humilde opinião, claro que depende muito da natureza das pessoas, se elas são mais abertas a sugestões e críticas é algo que funciona bem!

6) Que dicas você dá para quem está iniciando os estudos na área do Direito Administrativo?

Para quem está iniciando, a primeira dica é “keep calm and don’t stop” – mantenha-se calmo e não pare (de estudar) [risos]. O Direito Administrativo é uma área complexa. Cada vez que nos aprofundamos em algum tema constatamos que as questões são controvertidas, que há muitas polêmicas, muita divergência entre órgãos de controle e entre tribunais no tocante à aplicação da matéria. Mas a complexidade da área é o que lhe confere beleza. Por isso que não é das áreas mais fáceis, mas é das mais belas e importantes.

“O Direito Administrativo é uma disciplina que alinha o exercício do poder do Estado em relação ao cumprimento dos fins de interesse geral. Então, é um território de disputas.”

No Direito Administrativo há grande influência do poder econômico. Aliás, ele que estabelece os limites jurídicos a inúmeras atuações do poder econômico. Por vezes ele é chamado de “obstáculo”, mas é no estudo e conhecimento dele que também se toma contato com as possibilidades e seus limites. É necessário ter um olhar refinado, que, além da questão técnica fundamental, ainda perceba os jogos de poder em torno do uso dos institutos e de seus efeitos.

Então, é uma tarefa que deve ser construída com cuidado. Não tenha preguiça de ler as obras aprofundadas. Frequente os eventos da área do Direito Administrativo, que são vários: nacionais, regionais e locais. Leia com interesse as grandes obras, aprofunde e refine o saber e não deixe de se atualizar. Mergulhe nos novos temas, como: egov, compliance público, uso de tecnologias pela Administração, novas formas de se interpretar o direito público em função dos efeitos das decisões. Enfim, vá com calma, com constância, que, pela quantidade do estudo empreendido, um belo dia ocorre um salto qualitativo e quando você menos esperar, terá se transformado num administrativista de excelência!

Conheça aqui as obras da autora!


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