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A indispensável participação dos credores no “financiamento DIP”

COMITÊ DE CREDORES

FINANCIAMENTO

LEI 11.101/2005

LEI 14.112/2020

LRE

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

13/07/2022

Na sua concepção, a lei 11.101/2005 (LRE) a LRE atribuiu aos credores um papel de protagonismo na história da empresa em crise, pois são eles que decidirão pela sua sobrevivência ou quebra, por meio da utilização de dois principais mecanismos: a assembleia geral de credores (AGC) e o comitê de credores. Enquanto a primeira se encarrega das grandes decisões, em especial deliberar sobre o plano de recuperação, o último fica com as responsabilidades do dia a dia, dentre as quais fiscalizar a atuação do administrador judicial e do devedor, bem como a execução do plano aprovado.[1]

Nos Principles for Effective Insolvency and Creditor/Debtor Regimes,[2] o Banco Mundial recomenda que as legislações concursais permitam que os interesses dos credores sejam resguardados por mecanismos que possibilitem sua efetiva participação e fiscalização do processo, o que inclui a criação de um comitê, especialmente em casos com muitos credores. Dentre outras atribuições, o comitê deveria ser consultado em questões não rotineiras e ser ouvido nas principais decisões do processo.

Objetivo do comitê de credores

O principal objetivo do comitê é viabilizar uma participação mais efetiva dos credores, concentrada em um único órgão, ao invés de diversas manifestações nos autos.[3] Assim, não há dúvidas de que o comitê atua no interesse da coletividade de credores durante o acompanhamento dos processos concursais, exercendo funções fiscalizatórias, consultivas e deliberativas.[4]

Se, por um lado, a LRE instituiu o comitê de credores para viabilizar que eles participassem ativamente da recuperação judicial ou da falência, por outro lado, desestimulou a constituição desse órgão, primeiro, ao condicioná-la à convocação de AGC – o que dificilmente ocorre no início dos processos – e, segundo, por imputar responsabilidade a seus membros sem qualquer contrapartida pecuniária ou vantagem em seu crédito.

Por isso, lamentavelmente, é pouco difundida a instalação de comitês de credores, realidade essa que passou desapercebida na reforma implementada pela lei 14.112/2020. Isso não significa que o papel dos credores foi mitigado ou reduzido à negociação e votação do plano, pois é do espírito da LRE que eles, na defesa de seus interesses, fiscalizem o devedor e sejam ouvidos em questões relevantes. Tal conclusão foi reforçada com a introdução de disposições sobre a possibilidade de os próprios credores apresentarem plano de recuperação, desde que verificados certos requisitos.[5]

Administrador judicial

Na ausência do comitê de credores, a LRE determina que suas atribuições recaiam sobre o administrador judicial.[6] Este é auxiliar eventual da Justiça,[7] sujeito à autoridade do juiz e à fiscalização do comitê. Na recuperação judicial, possui a incumbência primordial de fiscalizar o andamento das atividades do devedor e de verificar o cumprimento do plano.

Ocorre que, diferentemente do comitê de credores, o administrador judicial não desempenha suas atividades no exclusivo interesse de credores ou de devedores, mas sim para resguardar o interesse público inerente aos processos de recuperação ou falência.[7] Com isso, a realização de algumas atribuições do comitê pelo administrador judicial pode ser incompatível com os propósitos daquele órgão.

Por exemplo, não faria sentido que o administrador judicial apresentasse impugnação à sua própria lista de credores em substituição ao comitê, que é um dos legitimados para tanto.[9] Também não faria sentido que o administrador judicial fiscalizasse sua própria atividade, o que seria feito apenas pelo juiz, na ausência do comitê de credores.[10] Tampouco poderia o administrador judicial transigir sobre obrigações e direitos da massa falida ou conceder abatimentos de dívidas sem ouvir do comitê de credores e o devedor.[11] Mais importante: na falência, o administrador judicial não poderá dar cumprimento a contratos sem que tenha autorização do comitê de credores.[12]

Tamanha é a importância desse órgão que, nos casos de afastamento do devedor, a LRE prevê que a alienação de bens do então ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como os atos de endividamento, devem ser submetidos ao juiz pelo comitê no período que anteceder a aprovação do plano de recuperação.[13] Aqui, a preocupação da LRE com os interesses dos credores em atos de disposição patrimonial é explícita e, a todo momento, exige-se a intervenção direta ou indireta deles: antes da votação no plano, os credores, via comitê, submeterão esses atos à aprovação do juiz. Na AGC que deliberar sobre o plano, eles mesmos decidirão coletivamente o destino do devedor e de seus bens.

Oitiva dos credores

A mesma preocupação foi consagrada no art. 66, que, em seu caput, impõe a prévia oitiva dos credores, por intermédio do comitê, para que o juiz decida sobre a alienação ou oneração de bens do ativo não circulante do devedor, com exceção daqueles autorizados no plano, os quais, novamente, passarão pelo crivo dos próprios credores reunidos em AGC.

Note-se que, nos casos de alienação de bens do ativo não circulante, a lei 14.112/2020 criou até mesmo a possibilidade de os credores provocarem a convocação e AGC para deliberar sobre a realização do negócio que tiver sido aprovado pelo magistrado, podendo inclusive reverter a decisão judicial.[14]

Ora, em todas as situações mencionadas, quer por manifesta incompatibilidade, quer por interesse evidentemente próprio dos credores, não pode o administrador judicial substituir o comitê de credores no exercício de suas funções.

Espelhando o conteúdo do caput do art. 66, o art. 69-A também requer a prévia oitiva do comitê para que o juiz possa autorizar a celebração de contratos de financiamento durante a recuperação judicial, os quais, pela redação do dispositivo, deverão contar com garantia de algum bem do ativo não circulante do devedor.

Não há dúvidas de que, antes da AGC que deliberar sobre o plano de recuperação, a competência para decidir sobre a celebração de contratos de financiamento que envolvam como garantia bens do ativo não circulante do devedor será do juiz. Todavia, a mera oitiva do administrador judicial em substituição ao comitê não constituído vai na contramão do objetivo almejado pela LRE, no sentido de conferir aos credores a oportunidade de se manifestar e até mesmo deliberar sobre atos que impliquem disposição patrimonial e, portanto, afetem seus interesses.

A rigor, é no plano que os credores – e não o juiz – deliberarão sobre atos dessa espécie. Contudo, não se ignora o fato de que o devedor pode precisar de recursos para manter suas atividades até a realização da AGC, o que muitas vezes só é possível mediante alienação ou oneração de bens. Nessas hipóteses, deverá demonstrar ao juiz e, principalmente, à coletividade de credores que o ato é útil e necessário à continuação dos negócios.

Além disso, sempre que não houver comitê, o magistrado deverá possibilitar que os credores se manifestem acerca do pedido antes de decidi-lo. Primeiro em homenagem às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Segundo porque não bastará ouvir apenas o administrador judicial que, ao contrário do comitê, é nomeado pelo juiz, é imparcial e não necessariamente atuará no melhor interesse dos credores.

Terceiro, como visto, é do espírito da norma que os credores sejam previamente ouvidos sobre a autorização de atos de disposição patrimonial relevantes, na medida em que seus interesses podem ser diretamente afetados e não necessariamente serão tutelados pelo administrador judicial.

Com isso, os credores poderão apontar eventuais nulidades do contrato de financiamento ou na outorga da garantia, manifestar-se sobre os impactos do ato nas atividades do devedor ou na perspectiva de cumprimento do plano, bem como sobre a conveniência e oportunidade do negócio. Isso tudo sem prejuízo de eventual sanção a manifestações claramente infundadas ou protelatórias.

Caso o requisito legal não seja observado, aplica-se o art. 74, pelo qual se presumem válidos os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial, desde que realizados nos termos da LRE. A contrario sensu, não serão válidos atos de oneração ou alienação de bens do ativo não circulante praticados sem a oitiva dos credores, pelo que o negócio jurídico será nulo, afastando-se inclusive a proteção referida nos arts. 66-A e 69-B da LRE, uma vez que a participação dos credores é pressuposto e condição para a autorização judicial que assegura a estabilidade dos negócios jurídicos tutelados por esses dispositivos legais.

Fonte: Migalhas

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Financiamento na Recuperação Judicial e na Falência


VEJA TAMBÉM


NOTAS

[1] Cf. TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de Recuperação judicial, a principal inovação da Lei de Recuperação de Empresas – LRE. Revista do Advogado, São Paulo, ano XXV, n. 83, set. 2005, p. 103.
[2] Cf. THE WORLD BANK. Principles for Effective Insolvency and Creditor/Debtor Regimes. Washington: 2021, p. 24. Acesso em: 10 jun. 2021.
[3] Cf. SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 183.
[4] SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005, 3ª ed. São Paulo: Almedina, 2018, p. 279-281.
[5] Art. 6º, § 4º-A, e art. 56, §§ 4º a 7º.
[6] Art. 28.
[7] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. [8] . ed. São Paulo: Malheiros, 2016, Vol. I, p. 874-875.
[9] Cf. SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Op. cit., p. 155. Art. 8º.
[10] Art. 22, caput.*
[11] Art. 22, § 3º.
[12] Art. 117 a 118.
[13] Art. 27, II, “c”.
[14] Art. 66, §§ 1º e 2º.

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