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TRIBUTÁRIO
O que gera tantos litígios tributários?
Hugo de Brito Machado Segundo
26/10/2022
Não raro ouvimos especialistas a apontar o excesso de processos em matéria tributária, aludindo a uma “cultura do litígio” que os incentivaria. Aproveita-se para sugerir soluções ao problema, a exemplo do uso de métodos alternativos à jurisdição, como a transação e a arbitragem. É o contexto em que surgem, também, os defensores de uma execução fiscal administrativa.
Como todo problema complexo, por certo há várias causas, mas neste texto se pretende examinar basicamente uma, que é central: o desrespeito aos precedentes. E, ao cabo, avaliar se da premissa decorrem os diagnósticos e as soluções propostas.
Principal causa de excesso de litígio judicial
Quanto à principal causa para o excesso de processos judiciais, sabe-se que a maioria das questões que pendem no âmbito dos Tribunais têm a Fazenda Pública como parte. União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e entes da administração indireta. Além das questões tributárias, que são muitas, há ainda as relativas a servidores públicos, e ao Direito Previdenciário.
Grande parte dessas questões seriam evitáveis. Bastaria que a Administração Pública em geral, e a Tributária em particular, respeitasse os precedentes. Mas nem as Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal respeitam os precedentes do Carf — quando favoráveis ao contribuinte. Invocam o artigo 100 do CTN para alegar que as decisões dos órgãos de julgamento só integram a legislação tributária quando têm força vinculante, ignorando todas as demais. Decisões judiciais, só se proferidas em sede de recursos repetitivos, ou repercussão geral, e ainda assim às vezes se encontram caminhos para “interpretá-las” e assim reduzir seu alcance.
É bem provável que você, leitora, já tenha passado por isso: comparecer a uma repartição pública do Poder Executivo, na tentativa de ver uma pretensão acolhida, e escutar do servidor o seguinte: “A senhora até pode ter razão. Se for à Justiça, vai ganhar. Mas eu não posso fazer nada, porque a orientação é negar, e eu tenho que me preservar”.
Se preservar, no contexto do serviço público, parece ser, muitas vezes, negar a pretensão de um cidadão, ainda que de modo ilegal, desde que isso não favoreça terceiros, beneficiando apenas os interesses da própria Administração Pública.
São condutas assim que tornam o Judiciário repleto de processos que não precisariam existir, ocupando o tempo de magistrados, servidores e demais profissionais do Direito, que se poderiam estar dedicando a questões relevantes, ainda pendentes de solução definitiva. Incrementa-se, ainda, a possibilidade de se proferirem decisões discrepantes, ou de pessoas — as que vão e as que não vão ao Judiciário — receberem tratamentos diferentes para situações semelhantes, maltratando o princípio da igualdade e reclamando, no futuro, a reabertura de questões, e de novas polêmicas, com a que o Supremo Tribunal Federal está agora a deslindar, relativa à coisa julgada em questões tributárias diante de decisões definitivas contrárias à jurisprudência dominante. Jurisprudência defensiva e o bloqueio de recursos com o uso de critérios totalmente irrazoáveis, além do uso de algoritmos para apreciação de processos em massa, com a consequente perda da qualidade dessas apreciações, são sequelas também.
Quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a ilegitimidade de uma exigência tributária, mas limita temporalmente os efeitos de sua decisão, “modulando-os” para o futuro, dá outra forte sinalização no sentido de que se ajuízem ações que poderiam ser evitadas. Isso porque o instituto da modulação, além de estar sendo usado, em matéria tributária, com frequência talvez superior à razoável, não raro ressalva o direito daqueles que já haviam movido ações até determinada data. Ou seja, na dúvida sobre se o STF declarará, ou não, uma exigência constitucional, o recado que se dá ao cidadão é: mova a sua ação individual, o quanto antes, pois se deixar para se movimentar depois da decisão, pode ser prejudicado por uma atribuição de efeitos ex nunc. O correto, nesse cenário, seria não só não se proceder à modulação, como também a Fazenda respeitar, de ofício, os efeitos da decisão, com a devolução do tributo indevidamente pago a todos os contribuintes, independentemente de pedido. A redução no número de feitos — totalmente desnecessários — seria enorme.
Transação, arbitragem, e execução administrativa
E, por último, a leitora pode estar pensando: e o que tudo isso tem a ver com transação, arbitragem, e execução administrativa, institutos citados no começo deste artigo? Nada. É incompreensível, por isso mesmo, que o suposto excesso de demandas seja usado como fundamento para defender tais institutos. A principal causa de insucesso das execuções fiscais é não se localizar o devedor, ou não se localizarem bens penhoráveis. Nesse caso, transação, arbitragem, e execução administrativa, seriam igualmente malsucedidas. Sem entrar nos méritos de tais institutos, o fato é que não dá para transacionar ou fazer arbitragem com quem não é encontrado, ou executar administrativamente quem não tem nada.
Na verdade, talvez as execuções judiciais não sejam tão ineficazes assim, pois é preciso colocar na estatística aquelas que sequer precisam ser movidas, porque os contribuintes, não querendo ser executados, pagam espontaneamente. Esse número é bem grande. Aliás, sobre a criação de uma execução fiscal administrativa, o entendimento do STF sobre a chamada “averbação pré-executória” dá fortes indicativos de que a Corte — se mantiver a coerência com seus precedentes — não consideraria constitucional a constrição patrimonial, diretamente pelo Fisco, sem a necessária interveniência do Judiciário. Mas, de uma forma ou de outra, o excesso de processos, e o alegado insucesso das execuções que tramitam junto ao Judiciário, não tem nada a ver com isso.
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