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Aristóteles e o orçamento público

ARISTÓTELES

LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIA

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ORÇAMENTO PÚBLICO

TEORIA DAS QUATRO CAUSAS

Marcus Abraham

Marcus Abraham

05/09/2022

Você deve estar se perguntando qual seria a relação entre o orçamento público e o filósofo grego Aristóteles, morto há mais de 2.300 anos, época em que o modelo orçamentário era bastante rudimentar se comparado com a estrutura jurídico-fiscal que temos hoje em dia, apesar de a democracia ateniense permitir, em determinado período da história e com certas restrições, a participação do cidadão nas deliberações dos gastos públicos.

Na realidade, nossa singela pretensão nesse texto desta Coluna Fiscal é explicar o orçamento público — identificando suas características essenciais — sob a ótica da Teoria das Quatro Causas, desenvolvida por aquele filósofo e contida no conjunto de obras compiladas no tratado que conhecemos hoje por “Metafísica” (terminologia jamais utilizada por ele, e sim “filosofia primeira”).

Teoria das Quatro Causas de Aristóteles

Aristóteles define quatro “causas” (em grego, “aitía”) que explicam a origem de todas as coisas que conhecemos no mundo. Então, pensamos: ora, se sua teoria, tal como então proposta, se aplicaria para tudo que existe, afinal, servirá também como instrumental teórico para se fazer uma análise do orçamento público.

As quatro causas que o filósofo apresenta são as seguintes:

  1. causa material: aquela que diz respeito à substância da qual algo é feito, ou seja, a matéria (em grego, “hylê”) na qual consiste certo objeto (como a madeira para se fazer uma cadeira);
  2. causa formal: aquela que diz respeito à forma (em grego, “eidos”) que algo possui, definindo-se a essência do objeto pela sua forma (como um móvel na forma de uma cadeira de madeira para se sentar, por exemplo);
  3. causa eficiente: aquela que diz respeito àquilo ou aquele que dá origem (em grego, “kinoun”) ao objeto (o marceneiro que fabricou a cadeira, por exemplo);
  4. causa final: aquela que diz respeito à finalidade (em grego, “télos”) ou razão de existir de certo objeto (a cadeira com a finalidade de servir para assento).

Orçamento público e a Teoria das Quatro Causas

Portanto, transplantando o raciocínio ao orçamento público, estamos nos referindo, pela Teoria das Quatro Causas de Aristóteles, à substância, à forma, à origem e à finalidade do orçamento estatal.

Identificando o orçamento público através da causa material, ou seja, daquilo “de que é feito”, pode-se dizer que é composto por previsões de receitas e estabelecimento de gastos, os quais revelam os programas e as políticas públicas adotadas pelo Estado para atender às necessidades e aos interesses da sociedade. Foi justamente a ênfase acentuada nesse ponto de “previsões de receita e fixação de despesas” que conduziu a doutrina clássica a definir — inadequadamente — o orçamento como mero ato administrativo ou mero plano de contas, sem atentar para outros aspectos relevantes de abordagem.

Já em relação à causa formal do orçamento público, este tem a forma de leis ordinárias de três espécies: lei do plano plurianual (PPA), lei de diretrizes orçamentária (LDO) e lei orçamentária anual (LOA). Esta característica não pode ser descuidada, sob pena de se negar seja o caráter propriamente legal do orçamento, seja sua efetividade normativa. Tal mentalidade, no passado, conduzia na prática a que as leis orçamentárias, por não serem consideradas leis em sentido próprio, não fossem reputadas como passíveis de controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (tendência esta que já foi felizmente revertida na Corte suprema brasileira há alguns anos).

Por sua vez, em relação à origem do orçamento público, a Constituição prevê a estrutura orçamentária nas três leis mencionadas e estabelece que este nasce a partir de um projeto de lei orçamentária proposto pelo chefe do Poder Executivo do ente federativo, que em seguida deverá ser votado e aprovado pelo Poder Legislativo local, sendo, ao final, sancionado pelo chefe do Executivo. Há no modelo brasileiro de orçamento um concurso necessário de vontades eficientes que precisam estar conjugadas a fim de gerar o orçamento, plasmado a partir das visões orçamentárias que estão na mente dos agentes públicos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, cada qual agindo dentro das competências próprias que lhes são constitucionalmente designadas. Atuam como artífices do orçamento tal como o marceneiro de nosso exemplo anterior é o artífice da cadeira.

Por fim, em relação à causa final, ou finalidade do orçamento público, este existe para ser instrumento de planejamento, gestão e controle financeiro — conhecer com exatidão o montante de recursos disponíveis e determinar a sua destinação —, com o objetivo de identificar e atender às reais necessidades, prioridades e interesses da sociedade, conjugando-as com as pretensões de realização do governante e as possibilidades de que dispõe. Também a ética aristotélica, em chave teleológica (“télos”, em grego fim ou objetivo), preceitua que é próprio do ser humano direcionar suas ações a um objetivo a ser alcançado, sendo moralmente congruente o ato que se adequa ao fim próprio da coisa a ser atingida. Assim, a intencionalidade dos elaboradores e executores do orçamento só pode ter por fim eticamente adequado satisfazer necessidades coletivas, as quais dão suporte e justificativa de legitimidade à própria atividade de arrecadação e dispêndio público de recursos.

Como vimos, a Teoria das Quatro Causas é uma ferramenta teórica que pode ser de grande valia e utilidade na organização mental de quem é chamado a avaliar criticamente qualquer realidade que se coloque diante de nós. O mesmo se aplica ao fenômeno orçamentário, que, com sua complexidade, exige um esforço analítico especial a fim de integrar ao mesmo tempo diversos pontos de vista relevantes para sua compreensão.

Procedendo assim, buscamos ouvir o eco mais que bimilenar da voz do velho mestre Aristóteles, que nos adverte contra visões unilaterais ou equivocadas, recordando a importância de termos um bom instrumental metodológico de onde partir, de forma a evitar que “um pequeno erro no princípio torne-se um grande problema no fim”.

Fonte: Jota

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