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PROCESSO CIVIL
Reconvenção: aspectos práticos em relação à formulação, prazos e julgamento
Elpídio Donizetti
07/07/2022
A reconvenção é uma demanda inversa, proposta pelo réu em face do autor. Trata-se de um contra-ataque realizado no mesmo processo, desde que preexistente conexão com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Em síntese, a reconvenção promove uma ampliação objetiva ulterior do processo, tendo em vista que o demandado agrega novo(s) pedido(s) à ação.
Os pedidos nas ações principal e reconvencional são decididos na mesma sentença, ressalvados os casos em que, por exemplo, a demanda reconvencional for extinta prematuramente, como quando verificada a ausência de legitimidade ou constatada a inépcia da inicial, com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito[1].
Aplicação da reconvenção: CPC e jurisprudência
De acordo com o CPC anterior, a reconvenção deveria ser apresentada em peça autônoma, ou seja, cabia ao réu contestar a ação e, em manifestação apartada, propor o pedido reconvencional[2]. Em suma, as duas manifestações deveriam ser apresentadas ao mesmo tempo, mas em peças distintas. A jurisprudência, no entanto, antes da entrada em vigor do CPC atual, já permitia que o réu reconviesse ao autor na própria peça defensiva, privilegiando, assim, a economia processual e a instrumentalidade das formas.
O CPC/2015 reforçou essa ideia. Quando, no art. 343, se diz que “na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção […]”, significa que as manifestações podem ser apresentadas na mesma peça processual. Nem há necessidade de que o advogado destine um tópico específico para o pedido reconvencional, embora seja comum essa providência e bastante útil[3], pois afasta qualquer dúvida em relação aos pedidos formulados.
Nada impede, obviamente, que o advogado exerça a a defesa e o contra-ataque em peças distintas. A forma, nesse caso, é irrelevante. É preciso atentar, contudo, para a preclusão: mesmo que sejam formuladas em manifestações distintas, elas devem ser apresentadas no mesmo momento processual, dentro do prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado na forma do art. 335 do CPC/2015. Isso quer dizer que o advogado não poderá, por exemplo, apresentar contestação no 10º dia útil do prazo e, apenas no termo final (15º dia útil), formular o pedido reconvencional. [4]
Cabe lembrar que a reconvenção constitui mera faculdade. Se não for proposta a reconvenção, não haverá prejuízo para o réu, uma vez que este pode propor ação autônoma, a qual, em face da conexão, será julgada simultaneamente com a ação principal, tal como o pedido de reconvenção. Do mesmo modo, pode o réu apresentar reconvenção e não contestar o pedido (art. 343, § 6º), mas essa é uma hipótese que deve ser bem avaliada pelo advogado, pois há possibilidade de incidência dos efeitos materiais da revelia (art. 344) com a ausência de resposta aos pedidos do autor. De toda forma, apresentando reconvenção sem contestação, ao réu não será imputado o efeito processual[5] da revelia, já que houve constituição formal de advogado para a apresentação do pedido reconvencional.
Requisitos para reconvenção
A reconvenção deverá preencher os mesmos requisitos da petição inicial, inclusive o valor da causa. Haverá, ainda, a incidência de custas processuais, de acordo com a tabela do respectivo tribunal. Exemplificando:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECONVENÇÃO. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS PRÉVIAS. PRAZO PARA PAGAMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A reconvenção possui natureza de ação, sendo também chamada pela doutrina de ação inversa, já que proposta pelo réu aproveitando a ação do autor contra si ajuizada. 2. Como possui natureza de ação, deve o réu-reconvinte recolher as custas iniciais prévias da reconvenção, na forma estabelecida no art. 2º da Lei Estadual n.º 9.974/13. 3. A distribuição da reconvenção só pode ser cancelada se a parte, intimada na pessoa de seu advogado, não realizar o pagamento das custas e despesas de ingresso em 15 (quinze) dias (art. 290 do CPC). 4. Recurso parcialmente provido, com determinação para intimação do réu-reconvinte nos termos do art. 290 do CPC” (TJES, AI n. 00020474220208080035, Relator: Arthur José Neiva de Almeida, Data de Julgamento: 16/11/2020, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 25/11/2020).
Uma vez veiculada, a reconvenção adquire autonomia, de modo que a eventual desistência da ação pelo autor ou a extinção do pedido principal, com ou sem resolução do mérito, não obsta o prosseguimento da reconvenção (art. 343, § 2º). Situação diversa ocorre em relação ao pedido contraposto[6], formulado no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95), que não possui qualquer autonomia em relação ao pedido principal.
Conforme antecipado, a reconvenção deve ser conexa com o pedido ou causa de pedir da ação principal ou com o fundamento da defesa. Exemplos: o autor pede o cumprimento de determinada prestação com base num contrato, e o réu, em reconvenção, exige outra prestação com fundamento na mesma avença (conexão pela causa de pedir); o autor exige o cumprimento de uma obrigação contratual, e o réu, na contestação, alega nulidade do contrato e reconvém, pedindo perdas e danos decorrentes da nulidade (conexão com o fundamento da defesa).
O reconvindo (autor) será intimado, na pessoa do advogado, para responder à reconvenção no prazo de quinze dias úteis. Nesse caso não se fala em citação, porquanto o autor já tem advogado nos autos. A ausência de resposta ao pedido reconvencional tem os mesmos efeitos destinados à omissão quanto à contestação ao pedido principal: se o autor (reconvindo) não contesta a reconvenção, poderão ser aplicados os efeitos materiais da revelia em relação aos pedidos contidos na reconvenção, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 345 do CPC.
Especificidade em relação ao CPC em vigor está na possibilidade de ampliação subjetiva do processo através da reconvenção
No CPC/1973 não se podia formar litisconsórcio ativo com terceiro para demandar ao autor na reconvenção. Do mesmo modo, não era possível que o réu demandasse pretensão em face do autor e de terceiro, formando uma espécie de litisconsórcio passivo na demanda reconvencional.
De acordo com o CPC/2015, o réu é legitimado a reconvir contra o autor e contra terceiro, como também pode atuar em litisconsórcio com pessoa juridicamente interessada na demanda. Na primeira hipótese, o réu, dotado de pretensão em face do autor e de terceiro, pode se valer da reconvenção, no mesmo processo, para contra-atacar o autor e o terceiro. Na segunda hipótese, o réu pode buscar um terceiro para se unir contra o autor. Ambas “cultivam a economia dos juízos, evitando a pluralidade de processos, de instruções, atos processuais em geral, procedimentos recursais, barateando a tutela jurisdicional”[7].
No sistema processual anterior, o réu também não podia, em seu próprio nome, reconvir ao autor quando este estivesse demandando em nome de outrem. Em outras palavras, estando no polo ativo um substituto processual, não podia o réu reconvir, invocando direito que teria contra o substituto, porquanto as partes, na reconvenção, tinham de figurar na mesma qualidade jurídica em que figuravam na ação originária. Diante da regra do § 5º do art. 343 (CPC/2015), estando o autor na qualidade de substituto processual, o réu (reconvinte) afirmará a existência de seu direito em face do substituído, mas proporá o pedido em face do autor, também na qualidade de substituto processual.
Prazo de resposta à reconvenção
O prazo de resposta à reconvenção para o caso de ampliação não pode ter início a partir dos marcos presentes no art. 335 do CPC. Isso porque, se o réu apresenta reconvenção contra o autor e terceiro, a contestação à reconvenção só poderá ocorrer com a citação desse novo sujeito que passou a integrar o processo. Ou seja, o prazo para ambos (autor e terceiro) deve ter início após a citação, contabilizando-se o termo inicial a partir da regra geral prevista no art. 231 do CPC (Enunciado 629, FPPC).
Apresentada ou na?o a resposta pelo re?u, as demandas origina?ria e reconvencional sera?o processadas em conjunto e devera?o serem julgadas na mesma sentenc?a, contra a qual caberá um único recurso de apelação. Pore?m, para a hipótese de julgamentos distintos, cabera? agravo de instrumento da primeira decisa?o (arts. 354, para?grafo u?nico, 356, § 5º, e 1.015, II) e apelac?a?o da decisa?o final.
O julgamento em conjunto não significa, contudo, que seja afastada a autonomia da reconvenção, inclusive quando às despesas processuais e honorários advocatícios, os quais são fixados de forma independente[8].
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NOTAS
[1] Para os casos de indeferimento da reconvenção é cabível o recurso de agravo de instrumento, tal como ocorre quando se trata de indeferimento da petição inicial (art. 331, CPC). Nesse sentido: “Consoante jurisprudência pacífica desta Casa, trata-se de erro grosseiro interpor apelação contra decisão interlocutória que não extinguiu o processo. Dessa forma, não é aplicável o princípio da fungibilidade recursal” (STJ, AgInt no AREsp n. 1.940.126/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 24/02/2022).
[2]“Para que se considere proposta a reconvenção, não há necessidade de uso desse nomen iuris, ou dedução de um capítulo próprio. Contudo, o réu deve manifestar inequivocamente o pedido de tutela jurisdicional qualitativa ou quantitativamente maior que a simples improcedência da demanda inicial” (Enunciado 45 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).
[3]Em nosso escritorio, por exemplo, além de um tópico específico para tratar do pedido reconvencional, separamos, ao final, os pedidos em relação à ação principal e à reconvenção. Por exemplo: “X – DOS PEDIDOS NA DEMANDA RECONVENCIONAL. Quanto à Reconvenção, os Reconvientes formulam os seguintes pedidos: A) concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, na forma do art. 99 do CPC/2015; B) A inversão do ônus da prova, na forma dos arts. 6º, VIII, do CDC; C) Na forma do art. 343, § 1º, CPC/2015, a intimação da Requerente por seus advogados para, querendo, contestar o pedido reconvencional, sob pena de revelia. D) Ao final, a procedência integral dos pedidos dos Réus-Reconvientes, com a condenação da Autora-Reconvinda ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), com juros e atualização monetária, bem como a condenação da Autor-Reconvinda em custas e honorários (art. 85, § 1º, CPC/2015). Atribui-se à Reconvenção o valor de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais)”.
[4]“A contestação e a reconvenção devem ser apresentadas simultaneamente, ainda que haja prazo para a resposta do réu, sob pena de preclusão consumativa” (STJ, AgInt no REsp: 150278/SP, Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Data de Julgamento: 07/03/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DJe 14/03/2017).
[5] A revelia, ou seja, o não comparecimento do réu ao processo, para praticar uma das modalidades de resposta, de regra, acarreta duas consequências processuais: gera a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor (efeito material da revelia) e possibilita a divulgação dos atos decisórios apenas por meio do órgão oficial (art. 346).
[6]As vezes por erro material, alguns advogados apresentam, no procedimento comum, pedido reconvencional, mas utilizam a expressão “pedido contraposto”. O inverso também ocorre: o advogado está auxiliando um cliente que possui litígio no âmbito do Juizado Especial Cível e, ao invés de apresentar “pedido contraposto”, troca os institutos, chamando o contra-ataque de reconvenção. Nessas hipóteses, em razão do princípio da instrumentalidade das formas, a jurisprudência costuma relevar o equívoco, desde que estejam presentes os demais pressupostos de admissibilidade. A título de exemplo: “A reconvenção pode ser recebida como pedido contraposto em virtude dos princípios da instrumentalidade das formas, da economia e da celeridade processual. A distinção entre reconvenção e pedido contraposto é puramente formal, já que, ainda que inadequada a via eleita, o ato atingiu seu objetivo. (…)”. (TJDF, APC n. 20130111779526, Relator: Ana Maria Duarte Amarante Brito, Data de Julgamento: 27/01/2016, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 02/02/2016).
[7]DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 6. ed. São Paulo: Malheiros. p. 384.
[8] “Os honorários na reconvenção são independentes daqueles fixados na ação principal, independentes, inclusive, do resultado e da sucumbência desta”. (AgInt no AREsp 1.109.022/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/4/2019, DJe 2/5/2019).