32
Ínicio
>
Dicas
>
Publieditorial
>
Tributário
DICAS
PUBLIEDITORIAL
TRIBUTÁRIO
Prazo para conclusão da fiscalização e o abuso do poder de fiscalizar
Hugo de Brito Machado Segundo
10/06/2022
Neste trecho do livro Processo Tributário, Hugo de Brito Machado Segundo aborda o prazo para conclusão da fiscalização e o abuso do poder de fiscalizar. Leia!
Prazo para conclusão da fiscalização e o abuso do poder de fiscalizar
Como se sabe, o procedimento de fiscalização é indispensável a que se verifique se o fiscalizado está cumprindo suas obrigações tributárias, em respeito aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia. A ausência de uma atividade fiscalizadora causaria maus tratos a tais princípios, na medida em que viabilizaria o não cumprimento eficaz de obrigações tributárias. Aliás, causaria desgaste ao próprio princípio que assegura as liberdades profissional e econômica, na medida em que o cumprimento de obrigações tributárias por parte de um contribuinte poderia significar a sua eliminação por concorrentes que não as cumprem.
A fiscalização, portanto, é necessária à preservação da efetividade de alguns princípios fundamentais da ordem jurídica.
Entretanto, dada a sua natureza invasiva, investigativa e inquisitória, a fiscalização representa inegável perturbação às atividades do contribuinte, podendo embaraçá-las sensivelmente, estiolando a privacidade, a propriedade e as liberdades profissionais e econômicas que assistem ao fiscalizado. Prejudica, enfim, a efetividade de outros princípios igualmente fundamentais.
Dessa forma, a ordem jurídica deve prever e autorizar o procedimento de fiscalização, mas fazê-lo estabelecendo as limitações indispensáveis a que não haja excesso por parte da autoridade fiscalizadora. Enfim, é a própria Constituição que assegura ao Fisco o direito de fiscalizar, a fim de assegurar efetividade ao princípio da capacidade contributiva, mas desde que respeitados os direitos individuais (art. 145, § 1o). Em vista de tudo isso, as atribuições fiscalizatórias somente serão válidas na medida em que – além de respeitarem o que estiver expressamente previsto nas regras jurídicas veiculadas em leis – forem adequadas e necessárias à finalidade a que se destinam, e sobretudo compatíveis com os demais princípios inerentes à questão.
Por conta de tudo isso, um procedimento de fiscalização, ainda que se submeta às várias outras limitações que lhe são impostas, não pode durar indefinidamente. Como o tempo necessário à feitura de uma fiscalização pode variar bastante conforme as peculiaridades de cada caso concreto, a legislação não tem dado à questão tratamento exaustivo, e isso, lamentavelmente, levou também os intérpretes a não dedicarem a ele a importância merecida.
As várias entidades tributantes geralmente fixam prazos para a conclusão do procedimento, mas estabelecem a possibilidade de prorrogação.[39] No plano da hipoteticidade, não se poderia realmente fazer muito mais que isso, pois, a depender do caso concreto, um predeterminado número de dias poderia ser insuficiente, ou abusivo, conforme o volume de informações a ser fiscalizado e a sua complexidade.
Entretanto, a aparente flexibilidade dos textos normativos não pode ser entendida como uma autorização a que fiscalizações sejam sistematicamente prorrogadas (ou refeitas),[40] por atos desprovidos de qualquer fundamentação. O caráter plenamente vinculado da atividade administrativa tributária e a necessária fundamentação dos atos administrativos, notadamente dos restritivos de direitos individuais, impõem à autoridade que prorroga uma fiscalização que o faça fundamentadamente. Em face da referida fundamentação, poderá o contribuinte submeter ao Poder Judiciário eventual abuso representado pela continuidade desnecessária de um procedimento de fiscalização. Além disso, a continuidade do procedimento, sem que tenha sido regularmente proferido o ato de prorrogação de que se cuida, é causa para a nulidade dos atos que subsequentemente forem praticados, inclusive do próprio lançamento.[41]
** Trecho extraído do terceiro capítulo, Processo Administrativo Tributário, do livro Processo Tributário, de Hugo de Brito Machado Segundo.
Clique e conheça os livros do autor!
LEIA TAMBÉM
- Processo Tributário: nota, prefácio e amostra de páginas grátis
- Livro Manual de Direito Tributário: leia a nota do autor à 12ª edição
- Biscoito ou bolacha? Um inusitado debate de… direito tributário!
NOTAS
[39] No plano federal, em regra, esse prazo é de 120 dias (Portaria SRF no 1.265, de 22 de novembro de 1999, art. 12), podendo, no entanto, ser prorrogado “pela autoridade outorgante, tantas vezes quantas necessárias” (Portaria SRF no 1.265/1999, art. 13).
[40] A necessidade de fundamentação está presente, com maior razão ainda, quando se trata de nova fiscalização sobre um mesmo período, já fiscalizado anteriormente. A esse respeito, o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda já decidiu que, “em relação ao mesmo exercício, só é possível um segundo exame, mediante ordem escrita do Superintendente, do Delegado ou do Inspetor da Receita Federal (Lei 2.354, de 1954, art. 7o, 2o, e Lei 3.740, de 1958, art. 34). […]” (Trecho do Acórdão no 104-18.938 da 4a Câmara do 1o Conselho de Contribuintes, Relator-Designado Nelson Mallmann, DOU 1 de 28.11.2002, p. 287, Jurisprudência IOB IR, Anexo ao Bol. 6/2003, p. 1 e 2). Confira-se, ainda, Francisco José Soares Feitosa, “Do direito de fiscalizar: quantas vezes? Do direito de refazer o auto de infração”, em RDDT 37, p. 46. Para esse autor, em face do art. 146 do CTN, uma nova fiscalização sobre o mesmo período, em tese, não é possível, senão na hipótese de que cuida o art. 149, IX, do CTN, ou seja, “quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade essencial”.
[41] Nesse sentido, o TJ/CE já decidiu, em acórdão relatado pelo Desembargador Fernando Ximenes, exímio Professor de Direito Constitucional, que “as diligências fiscais, como poder-dever do Estado, devem ser concluídas dentro do prazo legal, só podendo ser prorrogadas por ato devidamente motivado da autoridade competente […]. A repetição de referidas diligências, sem observância dos prazos legais e autorizadas por ato imotivado, constitui desvio de poder ou de finalidade, acarretando nulidade do ato viciado por manifesta ilegalidade […]. Segurança concedida” (Ac. un. do Pleno do TJ/CE, MS 5.036 – Rel. Des. Fernando Luiz Ximenes Rocha, RT 13/95, p. 286).