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Direito e Cinema # 10 – Better Than Us

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Direito e Cinema # 10 – Better Than Us

BETTER THAN US

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FICÇÃO CIENTÍFICA

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

15/04/2021

Este artigo cuida do que pode haver de Direito na série de ficção científica Better than us, disponibilizada pela plataforma de streaming Netflix.

Better than us, ou “melhor que nós”, na tradução do inglês, é uma série russa de 2019, que traz a conhecida premissa da evolução tecnológica que leva os robôs a ocuparem os espaços dos humanos no trabalho e na vida social (como “amigos” ou companhias, inclusive no campo afetivo – criam-se robôs para finalidades sexuais).

O enredo gira em torno da família Safronov, composta por Georgy, médico neurologista que atualmente trabalha como legista, sua ex-esposa, Alla, que está de malas prontas para a Austrália com o atual marido, e seus filhos Egor, adolescente, e Sonya, criança. Tudo muda na vida dessa família com a chegada da robô Arisa, contrabandeada da China e que pertence a uma nova série de robôs, capazes de reconhecer emoções humanas e interagir “emocionalmente”. Arisa, na sua “consciência”, pretende se tornar membra da família Safronov.

É claro que esse quadro de ampla absorção de máquinas na sociedade acarreta diversas críticas e reações, inclusive violentas. No seriado tem lugar os Liquidantes, um grupo de jovens que promovem atos de vandalismo, onde destroem os robôs e exibem os chips como troféus. Esses jovens são contra a substituição de humanos por robôs nas variadas funções que passaram a ocupar, inclusive com o intuito da preservação de empregos.

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Superado esse baixíssimo nível de spoilers, passemos à análise do primeiro conjunto de questões jurídicas que podem ser aventadas a partir de Better than us, pertinentes ao Direito Penal.

O seriado difunde a bem conhecida Primeira Lei de Asimov (em homenagem a Isaac Asimov), que preconiza que um robô não pode machucar um humano, muito menos matar um humano.

Ainda que se trate de ficção científica, vislumbra-se que é estabelecida uma escala de valores e conferida uma especial proteção jurídica à vida e à integridade física, que as máquinas deverão obedecer, embora não fique claro o sancionamento pelo descumprimento – talvez a desativação.

Direito e Cinema # 10 - Better Than Us

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Better than us também nos remete a algumas questões de Direito de Família.

O primeiro episódio da série começa mostrando um programa de TV de tipo sensacionalista, onde um casal expõe sua intimidade e indaga-se do público se “sexo com robôs configura adultério?”. Já há muito tempo o Direito Civil brasileiro abandonou a ideia de aferição de culpa no divórcio, e há até algumas decisões judiciais que permitem (ou ao menos atribuem determinados efeitos jurídicos) os arranjos de conjugalidade configurados como poliamor ou poliafetividade.

Nestes termos, soa um pouco anacrônico, mas divertido, questionar se a “relação” havida entre humano e máquina poderia configurar violação dos deveres conjugais.

Outro ponto interessante e que tem sido caro ao contemporâneo Direito de Família: em muitas cenas da série a menina Sonya, filha dos protagonistas humanos, é deixada sozinha em casa, somente aos cuidados da robô Arisa, e isso não parece configurar qualquer tipo de abandono de criança ou ausência de cumprimento dos deveres de poder familiar. Ao contrário, trata-se de algo bastante corriqueiro e bem aceito pela sociedade.

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O último bloco de temas jurídicos que decorrem de Better than us é ligado, de modo bastante óbvio, ao Direito do Trabalho. A começar da ideia recorrente da substituição de humanos por robôs nas mais variadas funções.

Esse tema é clássico na organização do trabalho e no âmbito do Direito do Trabalho. A evolução tecnológica é sentida diariamente, e a discussão central reside em se os postos de trabalho perdidos pela robotização serão compensados mediante a criação de novos postos de trabalho, vinculados ao setor tecnológico, ou se ocorrerá o chamado desemprego estrutural, inclusive o denominado desemprego tecnológico.

Na série em questão a perspectiva parece ser diversa (e irreal). Mas percebe-se que a surrealidade da proposta apresentada em Better than us é na realidade uma potente ferramenta de crítica.

Aparece no seriado a proposta do governo russo de estabelecer um Programa de Aposentadoria Precoce, aos 45 anos de idade, com substituição do trabalho humano por robôs e o estabelecimento de plenas garantias econômicas aos aposentados para que tenha uma vida digna. Esse projeto de reforma trabalhista (Episódio 2) surge em virtude do aparecimento da geração de robôs Arisa, que supostamente são capazes de reconhecer emoções humanas e compreender a empatia.

Nesse campo, também é bem interessante mencionar que o serviço social, a cargo do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, é responsável pelo fornecimento de robôs aos idosos, os quais cumprem a função de cuidadores (Episódio 3).

Por fim, e aqui se percebe a perspectiva crítica da série, não se pode deixar de pensar no grupo dos Liquidantes como nítidos herdeiros dos ludistas, grupo por Ned Ludham, na Inglaterra do século XVIII, que destruíam as máquinas utilizadas naquela primeira etapa da industrialização européia, como tentativa de preservação dos postos de trabalho e impugnação do modelo produtivo que estava em curso.

Embora sutil, Better than us deixa entrever a crítica ao atual modelo econômico, onde a robotização e o influxo das Tecnologias de Informação e Comunicação é sentido diretamente no mundo do trabalho e nos âmbitos do Direito do Trabalho e Previdenciário. A tecnologia vai eliminando postos de trabalho e a realocação da massa de trabalhadores em outras atividades não ocorre proporcional e simultaneamente. Ao mesmo tempo, a rede de proteção social vai minguando, a exemplo da recente reforma previdenciária, que elevou a exigência de idade mínima e tempo de contribuição para obtenção das aposentadorias.

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