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A Fazenda Pública e o requerimento de falência
Giovani Magalhães
15/01/2021
Meus amigos, “depois de um longo e tenebroso inverno”, eis que estou de volta à nossa coluna! Desta feita, venho tratar com vocês de um tema que me é muito peculiar, haja vista ter sido o tema da minha monografia de conclusão da Graduação, bem como de uma das minhas especializações.
Trata-se de tema em que, apesar de já estar consolidado há um tempo, tanto perante a doutrina quanto perante a jurisprudência do STJ, o TJSP recentemente decidiu de maneira contrária ao entendimento consolidado no STJ que, inclusive, segue a linha do que defendi nos dois trabalhos anteriormente mencionados. Enfim, o tema do artigo de hoje é: Pode (ou não) a Fazenda Pública requerer a falência dos seus devedores, em razão da inadimplência de créditos tributários?
Na época da minha graduação, conclui em minha monografia que o pedido de falência requerido pela Fazenda Pública seria carecedor de ação, por ser juridicamente impossível, além de faltar, por parte do Fisco, legitimidade e interesse processual. Nesse trabalho também destaquei que tal possibilidade só poderia ocorrer se, em teoria, fosse permitido ao Fisco “abrir mão” dos privilégios e preferências que lhe são assegurados de acordo com o CTN.
Na especialização, mantendo a mesma linha de pesquisa, fiz uma abordagem constitucional sobre a temática, onde constatei que o tal “abrir mão” mencionado anteriormente seria inconstitucional.
Um detalhe aqui, caro leitor: a minha monografia de graduação foi apresentada aos fins de 2001; por sua vez, a monografia da especialização sobre essa temática foi apresentada em 2007. De lá para cá, este foi um tema que sempre despertou o interesse deste autor, na medida em que, pensando na legislação atual – a Lei 11.101/05, vê-se, no art. 97, IV, que qualquer credor poderia requerer a falência do devedor, tendo no art. 94, da mesma lei, mencionadas as situações de insolvência jurídica empresarial, justificadoras de um requerimento e posterior decretação de falência.
Não se pode deixar de lado, ainda sobre a presente temática, do Enunciado nº 56, da I Jornada de Direito Comercial, promovida pelo CJF:
“A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário”.
Pois bem, eis que o TJSP, através da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, nos autos da Apelação Cível nº 1001975-61.2019.8.26.0491, veio a decidir pelo provimento, em razão da a Fazenda Pública supostamente ter interesse processual. Do caso, extrai-se que:
(i) o crédito da União (autora do pedido) ultrapassa R$ 22.000.000,00, quantia muito superior à capacidade econômica da devedora;
(ii) diversas tentativas de cobrança foram realizadas sem sucesso;
(iii) as tentativas de localização de bens para a penhora não foram bem sucedidas;
(iv) ocorreu a sustentação de compatibilidade entre a execução fiscal e processo falimentar; e
(v) negar à Fazenda Pública o pedido de falência violaria a isonomia entre os credores.
Na essência, o voto do Desembargador Relator, Dr. Alexandre Lazzarini é conduzido no sentido de tentar diferenciar as hipóteses justificadoras de um requerimento e decretação de falência, diferenciando as hipóteses previstas no inciso I e no inciso II, do art. 94, da Lei nº 11.101/05. Propõe aplicar ao inciso I um entendimento mais restritivo ao pedido de falência pelo Fisco; porém, não vê óbice quando tal pedido é fundamento pelo art. 94, II, que é a situação da hipótese trazida pelo recurso.
Com a devida vênia, este entendimento não merece prosperar e, desde já, este autor torce pela sua reforma no âmbito do STJ. E digo isto sem medo de errar, tanto do ponto de vista fático, quanto do ponto de vista jurídico.
De um ponto de vista fático, é de fácil constatação a quantidade de processos de execução fiscal existentes em comarcas que tenham varas especializadas. Aqui em Fortaleza, por exemplo, deixando de lado as varas com competência criminal, as varas com maior quantidade de processos, tanto na Justiça Estadual, quanto na Justiça Federal, são justamente as varas de execução fiscal.
Avalie, portanto, o sem número de execuções fiscais frustradas (a execução frustrada é a hipótese do art. 94, II, da Lei nº 11.101/05). Agora, imagine o tamanho da desgraça econômica caso efetivamente se mantenha o entendimento de o fisco possa requerer a falência do devedor empresário, por inadimplência de crédito tributário, em face de execução fiscal frustrada.
Já, no plano jurídico, não há melhor sorte. Com efeito, não há justificativa dentro do ordenamento jurídico brasileiro para se dar tratamento diferenciado (mais restritivo ou mais ampliado) para os motivos pelos quais pode ser requerida uma falência. No meu Direito Empresarial Facilitado, tive a oportunidade de escrever:
“Para que o pedido de falência venha a ser julgado procedente, é preciso que o empresário venha a ter praticado um dos atos de insolvência jurídica. Ressalte-se que se trata de atos e não de requisitos, ou seja, basta a prática do inciso I, ou do inciso II, ou de uma das alíneas do inciso III, para que o devedor possa ter contra si um pedido e, mesmo, a decretação de falência”.
É importante ainda dizer: por hipótese, pensando na situação de alguém titular de um crédito inadimplido, não há a necessidade de o credor tentar primeiro o recebimento através do via executiva para, só então, continuando a inadimplência, buscar o processo de falência. Trata-se de alternativa dada, regra geral, ao credor.
Diz-se, regra geral, porque, ao Fisco aplica-se o princípio da legalidade estrita, porque elemento componente da Administração Pública. Com efeito, a legislação é clara ao dizer que qualquer discussão judicial da dívida ativa iniciado pelo Fisco deve ser feita mediante execução fiscal (art. 1º, Lei nº 6.030/80).
O mesmo imperativo da legalidade estrita impede de se enxergar a Fazenda Pública como exemplo a ser inserido na expressão “qualquer credor” – art. 97, IV, enquanto legitimado ao requerimento de falência. Mesmo porque o Fisco não é qualquer credor. Trata-se, isto sim, de um credor altamente privilegiado – haja vista os arts. 183 a 193, do CTN. Ademais, trata-se do único crédito que tem sua regulamentação necessariamente prevista por lei complementar – nos termos do art. 146, III, da CF.
Dessa forma, ao meu sentir, haveria somente duas hipóteses em que juridicamente se poderia justificar o pedido de falência por parte da Fazenda Pública. A primeira delas seria o Fisco deixar de ter todos os privilégios e garantias que lhe são inerentes. Para isso ser possível, seria necessária uma nova Constituição Federal. Perante a atual, com o tamanho e modelo de Estado regulamentado, em 1988, raia à inconstitucionalidade a extinção dos privilégios e garantias do crédito tributário.
A outra alternativa seria a utilização do princípio da legalidade estrita, com a inserção, por exemplo, de um inciso V ao art. 97, da Lei nº 11.101/05, mencionando-se expressamente que a Fazenda Pública poderia requerer a falência do devedor. Porém, tal inciso inexiste, inclusive, não foi inserida norma neste sentido, na recente reforma da legislação falimentar, com o advento da Lei nº 14.112/20.
Assim, aos leitores advogados e profissionais desta coluna, fica a sugestão de acompanhar o desenrolar do caso aqui comentado, inclusive, e principalmente, quando encaminhado ao STJ, a título de REsp. Aos leitores estudantes, de faculdade, oabeiros e concurseiros, nas suas provas e concursos, enquanto não houver alteração na legislação ou confirmação da decisão comentada pelo STJ, continua valendo o entendimento do Enunciado nº 56, da I Jornada de Direito Comercial, promovida pelo CJF, transcrito anteriormente.
Beleza?! Show de bola!
Até a próxima…
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