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ESTUDAR DIREITO FORA
Por que estudar Direito no Japão?
Luiz Dellore
30/12/2020
Os textos desta coluna tratam, em regra, de pessoas que foram estudar nos Estados Unidos ou Europa. Mas, por certo, existem outros locais onde o brasileiro pode estudar fora.
Neste texto, o professor brasileiro Marcelo de Alcantara fala como é estudar Direito no Japão – e ele conhece bem o assunto, pois estudou e hoje leciona Direito por lá. Leia o texto e, quem sabe, comece a preparar sua ida para lá!
Dellore
por Marcelo de Alcantara*
John Owen Haley, renomado especialista em direito japonês e comparado, escreveu há alguns anos um artigo intitulado “Por que estudar direito japonês?”1, em que aponta a relação entre o direito e o sucesso japonês no pós-guerra nas áreas de crescimento e desenvolvimento econômico, saúde, redução da criminalidade e confiança pública no sistema judicial.
O direito japonês foi muito influenciado pelo direito estrangeiro desde o início da modernização do país no século XIX. Por exemplo, na escadaria do prédio da Faculdade de Direito da Universidade de Paris 1 há uma estátua do professor Gustave E. Boissonade. Ele foi convidado pelo governo japonês em 1873 para servir como consultor e permaneceu por muitos anos no país, tendo o seu anteprojeto de código civil exercido grande influência na versão final do código civil japonês de 1896-1898. Além disso, a atual Constituição japonesa (1946) – que até hoje nunca foi emendada – foi promulgada quando o país ainda estava sob ocupação americana liderada pelo general Douglas MacArthur.
A rápida recuperação do país no pós-guerra atraiu a atenção de estudiosos em diversas áreas, incluindo o direito. No início da década de 1960, uma conferência sobre direito japonês na Harvard Law School serviu para impulsionar a pesquisa em direito japonês nos EUA2. Nas últimas décadas, uma vasta produção científica sobre direito japonês em língua inglesa se desenvolveu, com centenas de artigos em revistas acadêmicas, livros, ensaios e até casebooks. Muitas law schoolsamericanas, como Harvard, Columbia, Michigan e Washington, possuem em seus quadros professores titulares especialistas em direito japonês, e oferecem aulas e seminários específicos em direito japonês. Na Austrália (Sydney, ANU), Inglaterra (UCL) e Canadá (UBC) também há universidades que oferecem aulas e seminários de direito japonês ministrados por professores e pesquisadores especialistas na área. Na Alemanha, a ZJapanR, uma revista acadêmica de direito japonês produzida pelo Instituto Max Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, publica artigos em inglês, alemão e francês3.
Como se vê, é possível ter acesso à pesquisa e ensino de direito japonês nas suas mais diversas especialidades – do direito econômico ao direito penal, do direito de família ao direito constitucional – mesmo sem ir ao Japão ou dominar o idioma japonês. Contudo, para estudar in loco direito japonês e ter acesso às fontes de maneira direta, é essencial o domínio do idioma, o que pode ser inicialmente um fator de desestímulo.
De modo geral, nas universidades japonesas os cursos de direito na graduação, law school (pós-graduação profissional para quem almeja carreira na advocacia, magistratura ou MP), mestrado e doutorado são conduzidos em japonês, e as dissertações e teses são escritas e defendidas em japonês. Algumas instituições, como a Universidade de Nagoya4 e a Universidade de Kyushu5, oferecem também programas especiais voltados para estrangeiros e conduzidos em inglês, diferindo, portanto, dos programas de mestrado ou doutorado frequentados por alunos japoneses.
O estudo do direito não está restrito às faculdades de direito. Há universidades que oferecem, por exemplo, programas de pós-graduação em políticas públicas6, ciências sociais7, ou estudos de gênero8, cujo corpo docente inclui não só professores e pesquisadores da área do direito, mas também de economia, ciência política ou sociologia, permitindo que os alunos desenvolvam pesquisas interdisciplinares como, por exemplo, entre direito contratual e economia, entre direito de família e sociologia da família, ou entre direito constitucional e ciência política.
Uma opção que pode ser interessante para quem não domina o idioma são os cursos de curta duração oferecidos no verão japonês. Muitas universidades, como Meiji9, Chuo10, entre outras, oferecem cursos de introdução ao direito japonês voltados para estrangeiros e ministrados em inglês. Há também universidades que oferecem cursos de verão em cultura e sociedade japonesa que incluem algumas disciplinas de direito11.
Em relação aos custos dos programas regulares de graduação e pós-graduação, a anuidade média em universidades públicas é de 535.800 ienes (cerca de 18.000 reais), e em universidades privadas, no mínimo, o dobro deste valor. O governo japonês (Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia – MEXT) oferece há muitas décadas bolsas de graduação e pós-graduação, entre outras, através dos consulados e embaixadas no Brasil e em centenas de países no mundo12. Da mesma forma, a Sociedade Japonesa para Promoção da Ciência (JSPS) oferece bolsas de pós-doutorado para pesquisadores estrangeiros13.
Por fim, caberia acrescentar algumas impressões pessoais de alguém que chegou no Japão no início dos anos 2000 para estudos de pós-graduação e que nestes últimos 10 anos, como professor de direito, acompanha de perto o país. Em maio de 2019 um novo imperador e, por conseguinte, uma “nova era” terá início. Caberá a ela encontrar respostas aos novos e antigos desafios, como os problemas de segurança nacional e a delicada posição do país entre os EUA e a China, Rússia e Coréias; o declínio da taxa de natalidade e a estagnação econômica; a escassez de mão de obra e as políticas de imigração; o rápido envelhecimento da população e a adaptação de estruturas e serviços para garantir a inclusão de idosos; todos esses desafios e mudanças demandam adequação de leis e políticas públicas, o que torna o estudo do direito japonês mais atraente e desafiador.
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*MARCELO DE ALCANTARA – Doutor em Direito. Professor Associado, Universidade Ochanomizu, Tóquio, Japão. E-mail: marcelo.de.alcantara@ocha.ac.jp
Veja aqui os livros de Luiz Dellore!
1 “Why Study Japanese Law?”, 58 Am. J. Comp. L. 1 (2010).
2 “Law in Japan: The Legal Order in a Changing Society”, ed. by Arthur Taylor von Mehren, Harvard University Press, 1963.
3 https://www.zjapanr.de/index.php/zjapanr.
4 https://www.law.nagoya-u.ac.jp/en/.
5 http://www.law.kyushu-u.ac.jp/programsinenglish/.
6 P. ex., GraSPP (https://www.u-tokyo.ac.jp/en/academics/grad_public_policy.html), OSIPP (http://
www.osipp.osaka-u.ac.jp/index_en.html).
7 P. ex., Hiroshima (https://www.hiroshima-u.ac.jp/en/social).
8 P. ex., Ochanomizu (http://www2.igs.ocha.ac.jp/en/).
9 https://www.meiji.ac.jp/cip/english/programs/law/index.html.
10 http://global.chuo-u.ac.jp/english/news/2018/04/10061/.
11 P. ex., Keio (https://www.keio.ac.jp/en/academics/short-term/), OUSSEP (http://ex.ciee.osaka-u.
ac.jp/oussep/toppage/index.html).
12 P. ex., https://www.sp.br.emb-japan.go.jp/itpr_pt/bolsa1.html.
13 https://www.jsps.go.jp/english/saopaulo/funding_Opportunities2.html.
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