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Juros, multa, correção monetária e variação cambial na CPR após a Nova Lei do Agro

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Juros, multa, correção monetária e variação cambial na CPR após a Nova Lei do Agro

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AGRONEGÓCIO

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CORREÇÃO MONETÁRIA

CPR

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MULTAS

NOVA LEI DO AGRO

VARIAÇÃO CAMBIAL

Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

15/06/2020

Pesquisadores ligados à política agrícola relatam que o principal desafio para a viabilização plena do agronegócio brasileiro passa pela solução do problema de seu financiamento, em especial quanto à relativa lentidão dos processos de criação de alternativas de gerenciamento de riscos na produção e ao subsídio financeiro à agricultura, fatores considerados essenciais à manutenção da atividade nos níveis desejados pelo governo e pelos mercados.

Foi então que emergiu de minha mente um assunto que há tempos venho refletindo e posteriormente foi tema de discussão e aprovação pela Nova Lei do Agro – a questão dos juros, das multas e agora da correção monetária e da variação cambial na CPR Física e Financeira.

Desta forma,  espero por este artigo, conseguir trazer o leitor à baila de novos pensamentos, novas reflexões e, desta forma, tentar colaborar com o desenvolvimento correto e equilibrado do agronegócio brasileiro.

1 – A Cédula de Produto Rural – CPR

A CPR é hoje, sem sombra de dúvidas, o título de crédito mais utilizado no financiamento do agronegócio brasileiro. Criada pela Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, é um título à ordem, líquido e certo, representativo de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída, tendo como finalidade precípua o fomento e financiamento de todas as atividades envolvidas na cadeia produtiva, comercial e financeira do agronegócio, emergindo como importante instrumento de captação de recursos por parte dos produtores.

A CPR aumentou as opções de financiamento dos produtores agrícolas e provocou um processo de desintermediação bancária no financiamento ao setor. Houve aumento da liquidez e maior atração de investidores institucionais, o que contribuiu para o fortalecimento dos complexos agroindustriais do país, especialmente os do segmento de grãos.

2 – Natureza jurídica da CPR

A CPR surgiu de estudos realizados pelo Banco do Brasil S.A., que, optando pela simplicidade de forma, utilizava-se do mínimo exigido pelo art. 3o da Lei 8.929/94, correspondente ao rol de requisitos essenciais de formação do título.

Dentre outras, uma das principais características diferenciadoras entre títulos e contratos é a bilateralidade de vontades na emissão dos contratos, contra a unilateralidade da vontade na emissão dos títulos.

Diante deste raciocínio, ouso em discordar tratar-se a CPR de típico título de crédito líquido e certo, exigível pela quantidade e qualidade de produto nele especificado.

Na realidade, trata-se de título de crédito híbrido, com características cambiariformes e de contrato civil, à ordem, líquido e certo, representativo de promessa de entrega de produtos rurais, com ou sem garantia cedularmente constituída.

3 – Principais características da Cédula de Produto Rural

A CPR surgiu para o mercado no ano de 1994, atingindo status privilegiado junto aos títulos de crédito preexistentes.

Como emissores da CPR, a nova lei do Agro (Lei. 13.986/20) delimitou o rol de emitentes entre os produtores rurais (PF ou PJ), as cooperativas agropecuárias e as associações de produtores. Quanto ao credor, tem não carece este, necessariamente, ter como atividade a compra e a venda de produtos rurais. Portanto, ela pode ser emitida em favor de bancos, de investidores, de fornecedores de insumos, dentre outros componentes do imenso mercado agropecuário.

A principal função da CPR é propiciar ao produtor rural acesso a recursos de mercado a menores custos, ofertando, em contrapartida, garantias de formatação simples, fáceis e desburocratizadas.

Dentre as principais características da CPR, destacam-se:

a) fornecer ao mercado instrumento de financiamento padronizado, simples e de credibilidade a todos os setores da cadeia produtiva de produtos agropecuários;

b) documento que induz agilidade; transparência; desburocratização; segurança e uniformidade;

c) constituição de garantias de forma simplificada;

d) permitir, quando em cobrança, ação de execução por via preferencial;

e) meio eficaz e aberto de financiamento ao produtor rural, suas cooperativas e associações a qualquer momento e não somente em períodos específicos;

f) geração e circulação de riqueza mesmo antes do plantio dos produtos;

g) racionalidade nos sistemas de comercialização e criação de condições favoráveis à autorregularão dos mercados.

A CPR surgiu como alternativa de fomento à agricultura, a qual concentra seu ponto mais crítico no estrangulamento do financiamento rural. A Lei 8.929/94 impingiu-lhe, ainda, características outras que merecem destaque:

a) trata-se de título cambial que permite a transferência para outro comprador por endosso, não respondendo os endossantes pela entrega do produto, mas apenas pela existência da obrigação;

b) responsabiliza o avalista do emitente pela entrega do produto;

c) possibilita constituir-se em ativo financeiro, enquanto vincenda, podendo ser negociada em bolsas de mercadorias ou de futuros e em mercados de balcão;

d) necessita de registro na CETIP, evitando a venda da produção em duplicidade, quando negociada em bolsas de mercadorias ou de futuros e em mercados de balcão;

e) possibilita menor exposição aos riscos de mercado com a utilização de mecanismos de proteção contra oscilações no preço – hedging de preços;

f) deve ser inscrita no Cartório de Registro de Imóveis para ter eficácia contra terceiros;

g) possibilita ao emitente o acesso utilização livre do crédito em qualquer época do ano.

Com ela, o legislador ampliou o acesso ao crédito, propiciando mesmo àquele que jamais possuiu imóvel a possibilidade de iniciar uma atividade agropecuária, arrendando terras e trocando, desde a semente, até a locação de máquinas e equipamentos para colheita e beneficiamento, por produtos futuros contra emissão simples e desburocratizada de um único título.

4 – A CPR Financeira

O sucesso da criação da CPR com liquidação física em produto foi tal que, no início do ano 2001, o governo federal, através da Lei nº 10.200/2001, inseriu na Lei da CPR o artigo 4-A, possibilitando a liquidação financeira do título.

Com o acréscimo da permissão financeira, por suas características de simplicidade, admitindo a vinculação de garantias reais, a inserção de cláusulas livremente ajustadas entre as partes, a possibilidade de ser transferida por endosso e por ser considerada ativo financeiro, a CPR passou a atrair, além do produtor rural e do adquirente de seus produtos, outros segmentos do mercado, principalmente oriundos do próprio sistema financeiro, bolsas de mercadorias e de futuros, seguradoras, centrais de custódia e investidores.

Esses participantes estavam dispostos a investir na agricultura, porém não tinham interesse em receber o pagamento sob a forma de produtos, mas sim, em dinheiro.

O novo artigo pressupôs a inserção da palavra “financeira” entre as formalidades essenciais da nova modalidade, determinando também que o rito executivo passasse a ser o da execução por quantia certa.

O principal problema enfrentado pelo segmento antes da CPR Financeira consistia nas renegociações tão comuns entre credores e produtores que, ao não conseguir entregar os produtos, pagavam suas dívidas parceladamente em dinheiro, o que maculava a liquidez da CPR com liquidação em produtos (CPR física), que não admite essa forma de liquidação.

Outro importante fator de escolha da CPR Financeira em detrimento da CPR Física, por bancos, indústrias e distribuidoras de insumos, encontra-se na eventual necessidade de acesso ao judiciário.

A CPR Física obriga o credor, ao intentar ação judicial para recuperação de seu crédito, a utilizar-se da via executiva para entrega de coisa incerta. Esse rito processual, antes de possibilitar a penhora, obrigatoriamente passa por diversas fases que atrasam o recebimento do crédito, tais quais:

  • citação com prazo para entrega da coisa;
  • requerimento e deferimento de pedido de busca e apreensão;
  • pedido de conversão da execução em perdas e danos;
  • pedido de conversão do rito de execução para entrega da coisa incerta para o rito de execução por quantia certa.

Somente após todas as fases acima descritas, caso não encontrado o produto,, poderá o credor conseguir a penhora de bens livres do devedor.

Assim, dentre os principais objetivos da criação das Cédulas de Produto Rurais Financeiras – CPRF’s, destacam-se:

a) ampliação do mercado de papéis com lastro em commodities agropecuárias, possibilitando ao produtor utilizar-se de financiamento ao seu negócio sem, porém, obrigatoriamente entregar o seu produto;

b) criação de maior atratividade a investidores;

c) difusão entre os produtores do hábito de negociar em futuros;

d) não necessidade de classificação oficial do produto;

e) aumento do número de compradores com consequência direta na liquidez do título;

f) redução do diferencial entre o preço nos momentos de contratação e de liquidação;

g) redução de custos operacionais;

h) ser um mecanismo adicional para alavancagem de recursos para o setor rural.

5 – O juro

Genericamente, juro pode ser compreendido como o preço a ser pago pelo uso de um capital por certo período. De outra forma, pode-se dizer que o juro corresponde ao valor da remuneração de um investimento ou ao pagamento pelo empréstimo de um capital.

Conforme nos ensina o professor Assaf[1]:

“As taxas de juros devem ser eficientes de maneira a remunerar:

a) o risco envolvido na operação (empréstimo ou aplicação), representado genericamente pela incerteza com relação ao futuro;

b) a perda do poder de compra do capital motivada pela inflação. A inflação é um fenômeno que corrói o capital, determinando um volume cada vez menor de compra com o mesmo montante;

c) o capital emprestado/aplicado. Os juros devem gerar um lucro (ou ganho) ao proprietário do capital como forma de compensar a sua privação por determinado período de tempo. Este ganho é estabelecido basicamente em função das diversas outras oportunidades de investimentos e definido por custo de oportunidade.”

Já o professor Ricardo Viana, autor da obra Matemática Financeira [2], aduz:

O fato de poder consumir agora, mesmo sem recursos suficientes, é um relevante benefício e, como tal, demandou remuneração. Esse pensamento é, apenas, uma das forças que sustentaram o aparecimento dos juros ao longo da história. O custo de oportunidade – agora, do lado do doador – é o outro fator que corrobora para a necessidade de remuneração do dinheiro emprestado. Igualmente, o risco de não receber (risco de crédito) é outro impulsionador natural para os juros.”

Conceitua-se, portanto, o juro, como a remuneração cobrada por um empréstimo financeiro ou outro item mensurável pecuniariamente. Trata-se de uma compensação paga pelo tomador do empréstimo pelo uso do capital entre a data inicial da contratação e o dia de seu pagamento. Aos credores, justifica-se ainda a cobrança de juros como a compensação por não poder utilizar-se do capital até o dia do pagamento, bem como pelo risco inerente do não recebimento do capital investido.

Os juros podem ser calculados sob duas formas distintas: juros simples ou juros compostos.

No regime de juros simples, a taxa de juros é aplicada sobre o valor inicial do mútuo de forma linear durante um determinado período.

Já no regime de juros compostos, os juros de cada período são acrescidos ao capital para o cálculo de novos juros nos períodos subsequentes. Nesse formato, o valor da dívida é sempre corrigido e a taxa de juros é calculada sobre esse novo valor sucessivamente até a data do pagamento.

Antes de seguirmos em nosso estudo, superada a conceituação de juros em razão da sua forma de cálculo, necessário se faz ainda conceituá-los por espécie, dentre as quais destacam-se os juros remuneratórios (também conhecidos por compensatórios) e os juros moratórios.

Por juros remuneratórios ou compensatórios, temos aqueles devidos como compensação ou remuneração pelo capital investido. Trata-se do valor pago pelo tomador de um empréstimo ou financiamento ao credor financiador com o objetivo de remunerar o dinheiro emprestado durante o período de vigência do mútuo ou financiamento.

Já por juros moratórios ou juros de mora, tem-se os cobrados em razão do atraso no cumprimento de determinadas obrigações. É calculado somente a partir da constituição do devedor em atraso e incide sobre o saldo devedor.

No tocante aos juros aplicados no crédito rural, importante esclarecer que os juros a que se refere art. 5o do Decreto-lei 167 de 1967 não se encaixam às relações jurídicas civis, bancárias, comerciais ou consumeristas, tratando-se de matéria regulada por leis especiais próprias que regulam o crédito rural.

6 – A cobrança de juros e atualização monetária sobre produto na CPR Física

Como vimos, trata-se a CPR de título híbrido, com características cambiariformes e de contrato civil, pois sua lei geradora – 8.929/94 – possibilitou, no §1º do artigo 3o que, “sem caráter de requisito essencial, a CPR poderá conter outras cláusulas lançadas em seu contexto […]”.

Munidos dessa permissividade, o mercado iniciou uma deturpação interpretativa do instituto, inserindo cláusulas diversas nas CPR’s de modo a personalizá-la aos negócios específicos de cada setor. Essa possibilidade, todavia,  deve ater-se não somente aos limites da Lei 8.929 de 1994, mas de toda a legislação, especial ou ordinária, concernentes aos títulos de crédito e contratos em geral, respeitando-se ainda a interpretação jurisprudencial e analógica de nossos pretórios superiores.

Como exposto, conceitua-se juro como a remuneração pelo uso do capital por determinado período de tempo.

Pois bem, a CPR enseja em seu bojo a promessa de entrega de produtos. Por esse raciocínio simples, observamos caracterizar-se a CPR como título de crédito híbrido apto ao fomento da agropecuária através do fornecimento de insumos financeiros ou mesmo agropecuários (barter), pela contraprestação por parte do emitente, no pagamento do financiamento em produtos agrícolas ou pecuários oriundos ou não de sua própria produção.

A Lei 13. 986 de 2020 – Lei do Agro, trouxe inovações importantes ao setor, modificando e ampliando o uso da CPR no Agronegócio. Por outro lado, penso que não andou bem o legislador ao possibilitar a incidência de correção monetária e de juros na CPR.

Ora, se juro é remuneração sobre capital, entende-se que o capital se refere ao montante financeiro emprestado; e produto não é capital.

Muito menos se diga com relação à correção monetária, também chamada de atualização monetária, consiste a correção monetária no ajuste financeiro da moeda de um país, em relação ao valor das moedas de circulação de outros países, medida com base em índices de inflação ou à cotação do mercado financeiro.

Essa atualização acontece de acordo com as taxas de juros aplicadas pelos bancos e por meio do índice de inflação. A Instituição brasileira responsável por calcular o valor da correção monetária é o Banco Central do Brasil.

Diante da conceituação, da forma de se medir e especialmente com respeito à aplicabilidade da correção monetária, fica clara a impossibilidade absoluta de aplicação da mesma sobre produtor agropecuários.

Não há, também e por conseguinte, pela mesma forma e fórmula, como impingir juro sobre produto agrícolas ou pecuários representados em CPRs.

O produto agropecuário objeto da CPR é a commoditie agropecuária que já sofre oscilação natural de preço em razão da lei da oferta e da procura. Como se não bastasse, todas as principais commodities agrícolas são cotadas em moeda estrangeira, sofrendo, portanto, o objeto do título (produto), também a influência de especulações diversas atreladas ao humor internacional dos mercados que fazem o câmbio entre moedas oscilar diariamente.

Diante desse posicionamento, não há como admitir que uma certa quantidade de produtos receba acréscimo de juros e correção monetária capazes de aumentar a quantidade de produto a ser entregue por ocasião da liquidação da operação.

Em minha vivência profissional, pude perceber, além do acréscimo de juros, correção monetária, diferença cambial, a cobrança de multa, tudo em produto, aplicados à equação final calculada.

Tem-se aí, a meu ver, patente ilegalidade em razão de abusividade da razão. A Cédula de Produto Rural assemelha-se ao contrato de compra e venda, onde cabe ao comprador comprar e ao vendedor vender e entregar o que foi vendido.

A cobrança de juros moratórios e a aplicação de correção monetária em CPR Física poderá ocorrer em casos de execução do título, somente após a conversão do rito de execução para entrega de coisa incerta para o rito da execução por quantia certa contra devedor solvente previsto no Código de Processo Civil.

Após esse momento, ou seja, após a intimação do devedor para pagar o valor apurado em espécie, se este não o fizer no prazo estipulado pelo juiz, admitir-se-á a correção monetária sobre o valor pelo tempo de atraso no pagamento, bem como a inclusão no cálculo, de juros simples à ordem de 1% ao mês, além de eventuais multas processuais cabíveis ao caso concreto.

De qualquer forma, tem-se no exemplo acima, portanto, a cobrança de juros moratórios sobre o montante apurado, ou seja, tem-se a aplicação de juros que poderíamos conceituar como juros moratórios judiciais e não juros moratórios sobre produto.

7 – A cobrança de juros na CPR Financeira

Com o advento da Lei 10.200/2001, a Lei da CPR – Lei 8.929/94 – passou a admitir a liquidação financeira da cédula como resultado da multiplicação do preço, apurado segundo os critérios previstos no artigo 4o-A da referida lei.

A CPR Financeira é, portanto, um título líquido e certo, exigível, na data de seu vencimento, pelo resultado da multiplicação do preço eleito entre as partes pela quantidade de produto, preço esse a ser apurado segundo os critérios pré-determinados e expressos na própria cédula.

Diferentemente porém do que muitos pensam, a Lei nº 10.200, de fevereiro de 2001, criou a possibilidade de liquidação financeira da CPR, ou seja, apenas introduziu mais um artigo à Lei nº 8.929/94. Portanto, só existe uma Lei da CPR, a Lei nº 8.929/94.

Basicamente, esta nova lei trouxe a permissividade de liquidação financeira da CPR, atraindo novos e importantes investidores dispostos a investir em agricultura, porém não interessados em receber pagamento sob a forma de produtos, mas sim, em dinheiro.

Conclui-se facilmente portanto, que só existe CPR de produto que, podendo as partes apenas optar pela liquidação sob a forma financeira na data de seu vencimento, ou seja, a CPR Financeira é uma CPR de produto durante todo o tempo compreendido entre sua emissão e o dia anterior ao seu vencimento, tornando-se financeira somente nesta derradeira data.

Por este ângulo, se o objeto da CPR Financeira não deixou de ser produto, corolário lógico, não há que se falar em cobrança de juros na CPR Financeira, pois se juro conceitua-se como remuneração do capital, e produto não é capital, não há que se falar na incidência de juro sobre produto, principalmente se o juro cobrado for remuneratório, seguindo a correção monetária sobre produtor o mesmo caminho racional.

Já para os juros moratórios, apesar de ainda lançarmos mão da lógica de que não há juros moratórios sobre produto, cabe neste ponto uma ressalva.

A menos que haja vencimento antecipado do título, após a data do vencimento, em razão de já houverem as partes cravado data para a multiplicação do preço pela quantidade de produto, passam a ter estas à sua disposição um valor financeiro líquido, certo e exigível, ou seja, o produto deixa de existir e dá lugar ao montante financeiro. A partir daí, plenamente legal e razoável a aplicação não só de juros moratórios, como de correção monetária sobre referido montante.

8 – A multa na CPR

As multas, também conhecidas por cláusulas penais, equivalem às sanções penais de caráter civil, administrativo ou fiscal, pecuniárias ou não, provenientes de infrações previstas em leis e em acordos.

Em contratos e títulos de crédito, a cláusula penal também conhecida por multa convencional é a sanção civil imposta à parte que não cumprir sua obrigação contratual, total ou parcialmente, ou mesmo descumprir alguma de suas cláusulas especiais ou retardar o seu cumprimento.

As cláusulas penais utilizadas em nosso ordenamento jurídico apresentam-se em dois tipos: a compensatória, que pode ser aplicada por descumprimento total ou parcial de obrigações previstas em leis contratos ou títulos, e a moratória, que pode ser aplicada em caso de atraso no cumprimento de obrigações estipuladas.

A cláusula referente à multa compensatória é elaborada baseando-se em um valor previamente estipulado entre as partes pactuantes, a título de indenização para o caso de descumprimento culposo da obrigação.

Por outro lado, a multa moratória é aplicada nos casos de inadimplemento das obrigações em razão de atraso em seu cumprimento.

O essencial objetivo das cláusulas penais é a reposição de ao menos parte dos prejuízos, caso uma das partes não cumpra o contratado.

O artigo 409 do Código Civil trata a matéria determinando que a cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora, que de acordo com o artigo 412 do mesmo Códex, não pode exceder ao da obrigação principal, ou seja, poderá ser estipulada em até 100% do valor da obrigação fundamental.

Como já explanado, entendo por ilegal a cobrança de juros sobre produto comprometido em Cédulas de Produto Rural.

Todavia, não vejo razão em limitar multa a patamares equivalentes ao que predispõe o Código de Defesa do Consumidor ou mesmo ao limite comumente aplicado de 10% (dez por cento) para casos não consumeristas.

O próprio Código Civil em seu artigo 416 determina que, para exigência da pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo, mesmo que este exceda ao previsto na cláusula penal, não podendo exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado.

Porém, se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente que poderá ser cobrado desde que comprovada sua perda em percentuais superiores ao pactuado (parágrafo único do art. 416 do CC).

A confusão instalada está na conceituação e caracterização dos tipos de cláusulas penais, onde a moratória, destinada a punir e coibir o devedor inadimplente, realmente deve ser aplicada em percentuais não abusivos.

Mas no tocante à aplicação da cláusula penal compensatória, seguindo sua própria nomenclatura, não se destina esta a punir, mas sim indenizar o credor por eventuais prejuízos que eventualmente vier a sofrer com o descumprimento da obrigação do devedor.

Ora, se o próprio legislador, a exemplo do citado parágrafo único do art. 416 combinado com o artigo 412, ambos do Código Civil, não impôs limites à indenização de prejuízos experimentados pelo credor, não caberá ao exegeta fazê-lo.

Em tempos modernos, praticamente toda operação envolvendo produtos adquiridos através de CPR são “hedgeados” (protegidos contra oscilação de preços). Estamos tratando aqui do “hedge de preços”, muito utilizado em complexas operações de barter, que normalmente são liquidadas financeiramente pela parte interessada nos produtos agropecuários, o chamado “offtaker”[3], que, para a segurança da operação, trava o preço das commodities via “hedge”[4], em bolsas de mercadorias nacionais e internacionais, contando, por vezes, com a presença de uma instituição financeira apta a antecipar o pagamento de toda a operação aos compradores.

Como se vê, a entrega do produto agropecuário comprometido pela CPR é de suma importância. Tais operações não só se apresentam aptas a levar segurança ao agricultor, que pode utilizar-se do hedge para se proteger contra os riscos de flutuação de preços de sua produção no mercado futuro, como principalmente ao comprador, que, para sua segurança, trava o preço da commoditie em mercado de futuros, protegendo-se das comuns oscilações de preço e moedas já relatados.

Desta forma, quando não há entrega dos produtos comprometidos, corre o comprador o risco de buscar reposição no mercado a preços muito superiores aos previamente negociados.

Logo, não se pode autorizar a abusividade relativa à cobrança de juros sobre produtos. Entretanto, limitar a cobrança de multa compensatória a patamares não condizentes com os riscos de prejuízos plausíveis ao negócio, por outro lado, implicaria, salvo melhor juízo, na aplicação de justiça contrária ao princípio do equilíbrio contratual.

Para o caso específico de Cédulas de Produto Rural, entendo plenamente possível a cumulação das cláusulas penais compensatória e moratória, haja vista a diferenciação existente em suas naturezas. A primeira destinada à reposição de prejuízos pelo descumprimento da obrigação e a segunda aplicada com a finalidade de coibir o atraso em seu cumprimento.

9 – A variação cambial na CPR Financeira

Até a sanção da nova lei do agro (13.986/20) em 07 de abril de 2020, tinha-se que a cédula financeira somente poderia ser emitida em real (R$).

Com o advento da nova Lei, outros dispositivos surgiram e, atendendo o legislador aos anserios do mercado, passou-se a admitir a emissão da CPR com cláusula de variação cambial e em moeda estrangeira.

Essa nova permissibilidade estatuiu que na data do vencimento da obrigação, para se obter o seu respectivo valor financeiro, poder-se-á indexar a operação pela cotação da moeda escolhida, convertendo-se o valor financeiro desta em reais.

Em meu livro – Crédito Rural Teoria e Prática, editora Gen Forense, 1a edição, Rio de Janeiro, 2019, já antes da criação e sanção da nova lei, defendi, através do tópico 4.7.13, pág. 201 (CPR em moeda estrangeira – dólar), a tese de minha própria autoria pela admissão e aplicação de variação cambial na CPR Financeira.

Na ocasião, embasei-me no fato de que então nova modalidade de CPR, chamada Financeira, aumentou em muito as possibilidades de negócios aos agricultores e pecuaristas brasileiros ao possibilitar que as partes investidora e tomadora de investimentos pudessem optar pela liquidação financeira de seus créditos/débitos.

Ocorre que muitos desses investidores são empresas e bancos multinacionais cujos negócios e balanços de apuração de resultados são realizados em dólares norte-americanos.

Não por menos, todas as commodities negociadas no Brasil, salvo raras exceções, também verificam seus preços e cotações oscilarem em razão da comercialização global e internacional desses produtos – lei da oferta e da procura, mas os preços dessas commodities, em razão da intensa globalização dos negócios agrícolas e pecuários, passaram, já há muito tempo, a ser cotados pela moeda norte-americana – o dólar.

Dessa forma, grande parte da cadeia produtiva do agronegócio brasileiro, ou é cotada diretamente em moeda norte-americana, ou é influenciada pela oscilação desta, frente à moeda brasileira.

Temos o exemplo da soja, cuja cotação internacional é ditada em dólares norte-americanos pela Bolsa de Mercadorias de Chicago – CBOT – Chicago Board of Trade, ou do café, que acompanha a cotação fornecida pela Bolsa de Nova York, e assim por diante.

Logo, com a intenção de acompanhar e de proteger-se contra tais oscilações da moeda norte-americana, tanto investidores, quanto produtores rurais, passaram a procurar toda a sorte de mecanismos contratuais que possibilitassem conceder-lhes a segurança de contratar em reais, porém, atrelando suas necessidades e negócios à moeda norteadora dos preços das commodities negociadas, o dólar norte-americano.

Acompanhando o mercado e suas necessidades, atrelando-o à interpretação judicial das leis que permeiam o Direito Comercial e Financeiro no Brasil, conclui-se pela possibilidade de elaboração da Cédula de Produto Rural Financeira com liquidação em moeda estrangeira, comumente dólares norte-americanos.

A leitura dos incisos I e II do artigo 4º-A da Lei nº 8.929/94, trouxe a seguinte permissão:

Art. 4º-A. A emissão de CPR com liquidação financeira deverá observar as seguintes condições:

I – que sejam explicitados, em seu corpo, os referenciais necessários à clara identificação do preço ou do índice de preços, da taxa de juros, fixa ou flutuante, da atualização monetária ou da variação cambial a serem utilizados no resgate do título, bem como a instituição responsável por sua apuração ou divulgação, a praça ou o mercado de formação do preço e o nome do índice;

II – que os indicadores de preço de que trata o inciso anterior sejam apurados por instituições idôneas e de credibilidade junto às partes contratantes, tenham divulgação periódica, preferencialmente diária, e ampla divulgação ou facilidade de acesso, de forma a estarem facilmente disponíveis para as partes contratantes;

E o Código Civil não fica atrás:

Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar.

Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou de parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.

Analisando detidamente o artigo 4º-A e seus incisos I e II da Lei nº 8.929/94, bem como os arts. 486 e 487 do Código Civil Brasileiro, abstrai-se que para fins de fixação do valor a ser liquidado, não haveria óbice na utilização da cotação em dólares das commodities comercializadas via CPRF.

Basta utilizar-se de uma instituição para fornecimento da cotação, que poderia ser a própria BM&F (Bolsa Mercantil de Futuros), ou qualquer outra instituição ou mesmo sítio eletrônico de agronegócios que forneçam tais cotações periódicas em dólares norte-americanos, desde que essa instituição seja eleita pelas partes emitente e recebedora da CPRF e detenha idoneidade suficiente para fornecer índices diários de cotação da commoditie comercializada.

Algumas dessas instituições, hodiernamente, sequer disponibilizam cotações em reais, limitando-se a divulgar apenas as reais cotações em dólares, deixando aos seus consulentes, caso queiram, o trabalho de conversão em reais de tais cotações. Esse é o mercado atual, dinâmico, rápido e globalizado.

Todos os principais produtos do agronegócio são amplamente cotados em dólares norte-americanos. Soja, café, algodão, milho, trigo, boi gordo, dentre outros, recebem cotações diárias em moeda estrangeira que são acompanhadas por toda a cadeia produtiva da agricultura e da pecuária nacionais.

O produtor rural brasileiro já se acostumou a logo de manhã verificar como está o dólar, a bolsa de Chicago, a Bolsa de Nova York, a Bolsa de Londres, ou outra de seu interesse, pela internet em sites brasileiros. Todo o agronegócio tem como moeda central balizadora o dólar.

Diante desse cenário, seria correto o entendimento da possibilidade de se buscar o preço ou o índice de preços a que se refere o inciso I do art. 4-A da Lei nº 8.929/94 diretamente em dólares norte-americanos.

E o Legislador de 2020, atento aos anseios de todo o setor, abraçou essa tese ao inserir o parágrafo 3o ao artigo 4-A da Lei da CPR.

Assim, como a lei brasileira não permite a liquidação de títulos de crédito em moeda estrangeira, basta acrescentar-se uma cláusula na CPRF, de que o produto da multiplicação aritmética do preço ou o índice de preços apurado em dólares pelas partes seja devidamente convertido em moeda corrente nacional pela taxa PTAX 800, fornecida pelo Banco Central do Brasil, na data de vencimento do título.

A jurisprudência já era pacífica no entendimento de se podia firmar contratos, títulos e instrumentos em moeda estrangeira, desde que houvesse previsão de liquidação em moeda nacional. O voto proferido pelo então Ministro Aldir Passarinho, no REsp.REsp.598342/MT, julgado em 18.02.2010, se revelava bastante esclarecedor sobre o tema.

Essa mesma disposição foi contemplada com o advento da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, que reza o seguinte:

Art. 1º. Parágrafo único. São vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações:

I – pagamento expressos em, ou vinculados a ouro ou moeda estrangeira, ressalvado o disposto nos arts. 2º e 3º do Decreto Lei nº 857, de 11 de setembro de 1969, e na parte final do art. 6º da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

Assim, o que deverá ser feito é apenas a conversão cambial por ocasião do adimplemento da obrigação acaso exigido o seu adimplemento no país, ou solver a dívida na moeda ajustada no local pactuado para seu pagamento.

Arrematando todo o raciocínio e contando com a chancela do Código Civil de 2002, que, ao disciplinar mútuos de compra e venda, complementou a tese esposada, outorgando o seguinte ensinamento sobre a possibilidade de escolha de preço ou de índice de preços:

Art. 486. Também se poderá deixar a fixação do preço à taxa de mercado ou de bolsa, em certo e determinado dia e lugar.

Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação. (Grifos nossos)

Esta é a nova posição do moderno Crédito Rural brasileiro.

10- Conclusão

Como já asseverei, concluo pela posição contrária à aplicação de juros e correção monetária sobre produto, mas, por outro lado, sou plenamente favorável à aplicação de cláusula penal compensatória em patamares condizentes aos riscos de oscilação de preço e moeda comuns e específicos a cada tipo de commoditie negociada, respeitados sempre a natureza e a finalidade do negócio, bem como os limites impostos pelo artigo 412 do Código Civil.

Por fim, aos operadores do direito, em especial os representantes do poder judiciário, toda interpretação sobre equilíbrio e abusividade na cobrança de juros e multas em operações envolvendo crédito rural deverão levar em consideração seu objetivo precípuo de estimular, favorecer, fortalecer e incentivar as atividades rurais do agronegócio em sua essência e amplitude.

Bibliografia

ASSAF NETO, Alexandre. Matemática Financeira. Ed. Atlas, 2017. Pág. 25 – São Paulo.

VIANA, Ricardo. Matemática Financeira, Graduação, Pós Graduação e Concursos. São Paulo: Saraiva, 2000.

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[1] ASSAF NETO, Alexandre. Matemática Financeira. Ed. Atlas, 2017. Pág. 25 – São Paulo.

[2]  VIANA, Ricardo. Matemática Financeira, Graduação, Pós Graduação e Concursos. São Paulo: Saraiva, 2000.

[3] Tomadores. Vendedores de insumos agrícolas. Exemplificadamente: cooperativas, traders, indústrias processadoras de alimentos e agroindústrias.

[4] Transação compensatória que visa a proteger um operador financeiro contra prejuízos na oscilação de preços; proteção cambial.


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