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Normas fundamentais do processo civil brasileiro
Alexandre Freitas Câmara
14/02/2020
O processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da República. É o chamado modelo constitucional de processo civil, expressão que designa o conjunto de princípios constitucionais destinados a disciplinar o processo civil (e não só o civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil.
Normas fundamentais do processo civil brasileiro
Começando pelo princípio que a Constituição da República chama de devido processo legal (mas que deveria ser chamado de devido processo constitucional), o modelo constitucional de processo é composto também pelos princípios da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da motivação das decisões judiciais e da duração razoável do processo.
Todos esses princípios são implementados mediante as normas (princípios e regras) estabelecidas no Código de Processo Civil. O primeiro capítulo do Código destina-se, exatamente, a tratar dessas normas fundamentais do processo civil. Esta é, portanto, a sede em que se poderá encontrar o modo como o Código trata desses princípios. Registre-se, porém, que o rol de normas fundamentais encontrado neste primeiro capítulo do CPC não é exaustivo (FPPC, enunciado 369), bastando recordar do princípio constitucional do juiz natural, que ali não é mencionado.
Impende então dizer, de início, que o Código de Processo Civil afirma expressamente o princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, o princípio que assegura o amplo e universal acesso ao Judiciário (art. 3o do CPC; art. 5o, XXXV, da Constituição da República), estabelecendo que “não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”, reconhecendo-se, porém, que isso é compatível com a utilização da arbitragem (art. 3o, § 1o), bem assim com a busca da solução consensual dos conflitos (art. 3o, § 2o).
Os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação, deverão ser estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusive durante seu curso (art. 3o, § 3o). É que as soluções consensuais são, muitas vezes, mais adequadas do que a imposição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construída democraticamente através de um procedimento em contraditório, com efetiva participação dos interessados. E é fundamental que se busquem soluções adequadas, constitucionalmente legítimas, para os conflitos, soluções estas que muitas vezes deverão ser consensuais. Basta ver o que se passa, por exemplo, nos conflitos de família.
A solução consensual é certamente muito mais adequada, já que os vínculos intersubjetivos existentes entre os sujeitos em conflito (e também entre pessoas estranhas ao litígio, mas por ele afetadas, como se dá com filhos nos conflitos que se estabelecem entre seus pais) permanecerão mesmo depois de definida a solução da causa. Daí a importância da valorização da busca de soluções adequadas (sejam elas jurisdicionais ou parajurisdicionais) para os litígios. Admite-se a solução consensual do conflito não só antes da instauração do processo ou no curso de procedimentos cognitivos. Também no curso da execução se admite a realização de audiência de conciliação ou de mediação (FPPC, enunciado 485).
A solução da causa deve ser obtida em tempo razoável (art. 4o do CPC; art. 5o, LXXVIII, da Constituição da República), aí incluída a atividade necessária à satisfação prática do direito (o que significa dizer que não basta obter-se a sentença em tempo razoável, devendo ser tempestiva também a entrega do resultado de eventual atividade executiva). A garantia de duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento. Busca-se, então, assegurar a duração razoável do processo, sendo relevante destacar o compromisso do Código de Processo Civil com esse princípio constitucional.
Há uma nítida opção do ordenamento pela construção de um sistema destinado a permitir a produção do resultado do processo sem dilações indevidas. Vale destacar, porém, que se todos têm direito a um processo sem dilações indevidas, daí se extrai que ninguém tem direito a um processo sem as dilações devidas. Em outros termos, o sistema é comprometido com a duração razoável do processo, sem que isso implique uma busca desenfreada pela celeridade processual a qualquer preço. E isto porque um processo que respeita as garantias fundamentais é, necessariamente, um processo que demora algum tempo. O amplo debate que deve existir entre os sujeitos do procedimento em contraditório exige tempo. A adequada dilação probatória também exige tempo. A fixação de prazos razoáveis para a prática de atos relevantes para a defesa dos interesses em juízo, como a contestação e os recursos, faz com que o processo demore algum tempo. Mas estas são dilações devidas, compatíveis com as garantias constitucionais do processo.
A observância de um sistema de vinculação a precedentes, especialmente no que concerne às causas repetitivas; a construção de mecanismos de antecipação de tutela, tanto para situações de urgência como para casos em que a antecipação se funda na evidência; a melhoria do sistema recursal, com diminuição de oportunidades recursais; tudo isso contribui para a duração mais razoável do processo. É, porém, sempre importante ter claro que só se pode cogitar de duração razoável do processo quando este é capaz de produzir os resultados a que se dirige. E estes são resultados que necessariamente têm de ser constitucionalmente legítimos, pois resultados constitucionalmente legítimos exigem algum tempo para serem alcançados.
Um processo rápido e que não produz resultados constitucionalmente adequados não é eficiente. E a eficiência é também um princípio do processo civil (art. 8o). Impõe-se, assim, a busca do equilíbrio, evitando-se demoras desnecessárias, punindo-se aqueles que busquem protelar o processo (e daí a legitimidade de multas e da antecipação de tutela quando haja propósito protelatório), mas assegurando-se que o processo demore todo o tempo necessário para a produção de resultados legítimos.
Vale destacar que do art. 4o do CPC (e de uma grande série de outros dispositivos, como o art. 317 e o art. 488, entre muitos outros exemplos que poderiam ser indicados) se extrai um outro princípio – infraconstitucional – fundamental para o sistema processual brasileiro: o princípio da primazia da resolução do mérito. É que, como se vê pela leitura do art. 4o, “as partes têm o direito de obter [a] solução integral do mérito”.
O processo é um método de resolução do caso concreto, e não um mecanismo destinado a impedir que o caso concreto seja solucionado. Assim, deve-se privilegiar, sempre, a resolução do mérito da causa. Extinguir o processo sem resolução do mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que o mesmo fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver, então, sempre que possível, a realização de um esforço para que sejam superados os obstáculos e se desenvolva atividade tendente a permitir a resolução do mérito da causa. É por isso, por exemplo, que se estabelece que no caso de se interpor recurso sem comprovação de recolhimento das custas devidas deve haver a intimação para efetivar o depósito (em dobro, para que não se estimule a prática apenas como mecanismo protelatório) do valor das custas, viabilizando-se deste modo o exame do mérito (art. 1.007, § 4o), ou se afirma que “[d]esde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”.
Há, pois, no moderno direito processual civil brasileiro, um princípio da primazia da resolução do mérito, o qual, espera-se, seja capaz de produzir resultados bastante positivos no funcionamento do sistema de prestação de justiça civil.
Outro princípio fundamental do processo é o da boa-fé objetiva (art. 5o; FPPC, enunciado 374: “O art. 5o prevê a boa-fé objetiva”). Não se trata, pois, apenas de se exigir dos sujeitos do processo que atuem com boa-fé subjetiva (assim entendida a ausência de má-fé), mas com boa-fé objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que tais sujeitos se conduzam. A vedação de comportamentos contraditórios (nemo venire contra factum proprium), a segurança resultante de comportamentos duradouros (supressio e surrectio), entre outros corolários da boa-fé objetiva, são expressamente reconhecidos como fundamentais para o desenvolvimento do processo civil. A boa-fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a imposição de sanção ao abuso de direitos processuais e às condutas dolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentos contraditórios (FPPC, enunciado 378).
Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz ter indeferido a produção de uma prova requerida pelo demandante, ao fundamento de que tal prova se destinaria a demonstrar um fato que já estaria comprovado. Posteriormente, o pedido é julgado improcedente, ao fundamento de que aquele mesmo fato não estaria provado, sendo do autor o ônus probatório. Essas são condutas contraditórias e, por isso mesmo, contrárias ao princípio da boa-fé objetiva. Não se admite que o juiz assim proceda (FPPC, enunciado 375: “O órgão jurisdicional também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva”). Em casos assim, ou realmente o fato está provado e, por conseguinte, a sentença de improcedência por falta da prova está errada, ou o fato não está provado, e nesse caso seria imperioso reabrir-se a atividade probatória para não surpreender-se a parte que originariamente tivera aquela prova indeferida (FPPC, enunciado 376: “A vedação do comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional”).
Também decorre da boa-fé objetiva o reconhecimento de que comportamentos produzem legítimas expectativas. Figure-se um exemplo: intimado um devedor a cumprir uma decisão judicial em certo prazo sob pena de multa, este deixa transcorrer o prazo sem praticar os atos necessários à realização do direito do credor. Este, então, fica inerte, não toma qualquer iniciativa, e permite que os autos sejam arquivados.
Passados alguns anos, o credor desarquiva os autos e postula a execução da multa vencida por esses anos de atraso no cumprimento da decisão. Em um caso assim, deve-se considerar que o comportamento do credor, que não tomou qualquer providência para evitar o arquivamento dos autos por tão prolongado tempo, gerou no devedor a legítima confiança em que não seria executado, daí resultando a perda do direito do credor à multa já vencida (supressio). Isso não implica, porém, dizer que o credor não tenha direito à satisfação do seu direito já reconhecido. Será preciso, porém, novamente intimar o devedor para cumprir a decisão no prazo que lhe fora assinado, sob pena de tornar a incidir a multa. Mas a multa pelo decurso dos anos anteriores não será mais devida por força da violação da boa-fé objetiva.
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Trata-se de um manual de Direito Processual Civil, inteiramente elaborado com base no Código de Processo Civil de 2015. Alexandre Câmara buscou refletir sobre todos os temas que formam o alicerce do Direito Processual Civil brasileiro a partir da Constituição Federal e do CPC. Não é esta uma mera atualização ou tentativa de reconstrução de trabalhos escritos baseados na legislação processual revogada, mas um livro que se propõe a substituir a obra anterior de exposição sistemática do Direito Processual Civil do mesmo autor, as Lições de Direito Processual Civil, que havia sido escrita no final dos anos 1990 e repetidamente editada até 2014.
Este livro, inspirado na clássica obra de mesmo título escrita nos anos 1970 pelo professor José Carlos Barbosa Moreira, descreve, de forma didática e em linguagem acessível (mas escorreita tecnicamente), todo o sistema processual civil brasileiro em vigor a partir de 2016.
Para alcançar seu objetivo, optou o autor por um texto corrido, sem notas de rodapé ou citações. Por isso é um manual, na mais precisa acepção do termo: um livro para se ter à mão, já que é destinado a proporcionar a compreensão do sistema.
A obra, dividida em duas partes (geral e especial), é composta por 23 capítulos, que correspondem aos grandes temas do Direito Processual Civil, desde suas normas fundamentais até o modo como se desenvolvem os processos nos tribunais.
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