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O erro médico e a responsabilidade civil – parte 4

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O erro médico e a responsabilidade civil – parte 4

CDC

DIREITO E MEDICINA

ERRO MÉDICO

HOSPITAL

INFORMAÇÃO MÉDICA

RESPONSABILIDADE CIVIL

RESPONSABILIDADE DOS HOSPITAIS

Humberto Theodoro Júnior

Humberto Theodoro Júnior

03/02/2020

Veja, a seguir, a quarta parte do artigo ‘O erro médico e a responsabilidade civil’, de Humberto Theodoro Júnior. Entenda mais sobre falta de informação médica, responsabilidade do hospital, entre outros tópicos:

Extensão do dano a reparar, por defeito ou falta de informação médica

Diante da falta de informação ou da informação incompleta, deve o profissional ser condenado ao ressarcimento integral, como se tivesse ocasionado diretamente os danos materiais e morais?

A resposta é não, conforme tanto a doutrina como a jurisprudência:

Pela melhor doutrina, trata-se, na verdade, de indenizar, não o dano final do insucesso do tratamento, que, aliás, não decorreu de falha do médico, mas de reparar o dano moral ocorrido no plano da autonomia do paciente, por não informação do risco a que se submeteu no tratamento “não esclarecido”, ou “não informado”[1].

Do ponto de vista prático, o dano moral, na espécie, deverá ser reparado por valor inferior àquele que ordinariamente seria cabível no caso de culpa do médico pelo dano total imposto ao paciente[2].

No caso de fracasso aleatório de uma cirurgia de bioplastia, em que se reconheceu inocorrência de culpa do médico, o TJRGS impôs reparação do dano moral suportado pelo paciente, sob o fundamento de insuficiência das informações disponibilizadas anteriormente à intervenção cirúrgica. Segundo o aresto, embora existente o Termo de Consentimento assinado pelo paciente, “o seu conteúdo era genérico, sem menção expressa aos riscos relacionados à utilização dos procedimentos de bioplastia corporal”[3].

Distinção entre responsabilidade do médico e responsabilidade do hospital

O CDC adota, quanto aos prestadores de serviço em geral, a chamada responsabilidade civil objetiva, cuja característica consiste em dispensar o elemento subjetivo (culpa), bastando, para que o fornecedor seja obrigado a indenizar, o resultado danoso da prestação não efetuada ou defeituosamente efetuada. O êxito da pretensão indenizatória, no âmbito das relações de consumo, portanto, exige do consumidor apenas a comprovação do dano sofrido e do nexo de causalidade entre a prestação contratual e o dano a reparar.

Desse sistema geral, o CDC exclui apenas os profissionais liberais, dentre os quais os médicos, cuja responsabilidade não prescinde, portanto, da apuração da culpa desses profissionais (CDC, art. 14, § 4º).

Como a entidade “hospital” não se enquadra no conceito de “profissional liberal”, o contrato entre o nosocômio e o usuário de seus serviços é submetido, na ótica da jurisprudência, ao regime comum dos prestadores de serviço. Equivale dizer que o hospital responde objetivamente pelos danos do usuário derivados do serviço hospitalar que lhe foram prestados. A indenização independe de prova de culpa do hospital e se contenta com os elementos “dano do paciente” e “nexo causal” com os serviços hospitalares.

Em termos práticos, o hospital somente se exime do dever de indenizar se demonstrar caso fortuito ou culpa exclusiva da própria vítima do dano. É que, em tais circunstâncias, desaparecerá o nexo causal entre os serviços prestados e o dano do interno.

Eis alguns exemplos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a propósito da matéria:

  1. A responsabilidade é objetiva quando a causa do dano se refere a falha dos serviços próprios do hospital, isto é, “circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc., e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa)”.[4]
  2. Sendo assim, “inviável o afastamento da responsabilidade do hospital e do instituto por infecção contraída por paciente com base na inexistência de culpa dos agentes médicos envolvidos”, isso “porque os danos sofridos pela recorrente resultaram de infecção hospitalar, ou seja, do ambiente em que foram efetuados os procedimentos cirúrgicos, e não de atos dos médicos”.[5] Ou seja: “o hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si”[6].
  3. “A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 186 e 951 do Código Civil, bem como a Súmula 341-STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto)”[7] (g.n.).
  4. Não há responsabilidade do hospital quando o dano se refere a falha técnica do cirurgião que não é vinculado ao seu quadro de prepostos e nenhuma ligação tem com defeito dos serviços próprios do estabelecimento hospitalar.[8] “Sobre responsabilidade civil de hospital, em casos como o presente, a Segunda Seção já se posicionou no sentido de que ‘responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente ao hospital. Nas hipóteses de dano decorrente de falha técnica restrita ao profissional médico, mormente quando este não tem nenhum vínculo com o hospital – seja de emprego ou de mera preposição –, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar’”. Assim, entendeu o STJ, na espécie, que “não se pode, como no caso, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital, pois a responsabilidade objetiva para o prestador do serviço, prevista no art. 14 do CDC, é limitada aos serviços relacionados ao estabelecimento empresarial, tais como, no caso de hospital, à internação, instalações, equipamentos e serviços auxiliares”.[9]

Cirurgião não preposto, mas indicado pelo hospital

Contrariando a expectativa de firmeza do posicionamento do STJ quanto à não responsabilidade do hospital por falha técnica de médico não integrante de sua equipe de prepostos, decidiu aquela Corte, a certa altura, que:

“A natureza da responsabilidade das instituições hospitalares por erros médicos deve ser examinada à luz da natureza do vínculo existente entre as referidas instituições e os profissionais a que se imputa o ato danoso.” No entanto, “responde o hospital pelo ato culposo praticado por profissional de sua equipe médica, mesmo que sem vínculo empregatício com a instituição”.[10]

Dos fundamentos do aresto deduz-se que o STJ deu, na verdade, novo sentido à noção de “equipe médica do hospital”. Bastaria, na sua ótica, que o cirurgião tivesse sido indicado ao paciente pelo hospital para que fosse tratado como seu preposto, acarretando com isto a extensão da responsabilidade por erro médico à instituição hospitalar. Ou seja, esta nova figura de preposição dispensaria todo e qualquer vínculo de subordinação entre o hospital e o médico. In verbis:

“A alegada circunstância de os profissionais causadores do dano não terem vínculo de emprego com a instituição hospitalar não exime o hospital de responder pelo ato médico culposo, na medida em que os profissionais foram escolhidos pelo hospital para realizar o ato cirúrgico”[11] (do voto da Relatora).

Convém registrar que a doutrina tem detectado a tendência, nos casos de culpa médica ocorrida dentro dos hospitais, de ampliar a figura da preposição, indo além do vínculo empregatício e da subordinação, levando em conta o risco da atividade hospitalar. Assim, o casuísmo pretoriano no campo do atendimento à saúde tem reconhecido responsabilidade do hospital “por erro de médico componente de seu corpo clínico, mesmo que sem vínculo laboral”, recorrendo “à responsabilidade do comitente por ato do preposto”. Amplia-se, outrossim, a ideia de preposição para abranger casos como o da terceirização de serviços (exames laboratoriais, ultrassonografia, raios X etc.) e daqueles em que, mesmo sem vínculo empregatício, o hospital escolhe o cirurgião ou o anestesista fora de sua equipe técnica, independentemente de participação do paciente.[12]

Ressalte-se, contudo, que segundo a jurisprudência dominante, mesmo quando se admite a responsabilidade do hospital por ato do médico, seu preposto, é preciso que este tenha cometido erro culposo. Não se indaga da culpa do hospital, mas o ato ilícito depende, na espécie, de conduta culposa do médico. Se não se praticou ato ilícito, por falta de culpa do médico, não há como atribuir responsabilidade ao hospital[13]. Sempre que a jurisprudência reconhece responsabilidade do hospital, em caso dessa natureza, o faz, em regra, a partir da constatação de ato culposo praticado pelo médico[14].

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[1] “Indeniza-se o dano moral gerado por privar-se o paciente de sua capacidade de autodeterminação – e não pela lesão causada pela cirurgia – toda vez que a intervenção tiver sido correta e representado a única opção terapêutica existente; por isso mesmo, o consentimento, naquelas circunstâncias, teria sido concedido por qualquer outro paciente” (KFOURI NETO. Op, cit., p. 279).

[2] KFOURI NETO. Op, cit., p. 278.

[3] Caso reportado por KFOURI. Op. cit., p. 282.

[4] STJ, 4ª T., REsp. 258.389/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, ac. 16.06.2005, DJU 22.08.2005, p. 275.

[5] STJ, 4a T., REsp. 1.511.072/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, ac. 05.05.2016, DJe 13.05.2016.

[6] STJ, 4ª T., Resp 629.212/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, ac. 15.05.2007, DJU 17.09.2007, p. 285.

[7] STJ, REsp. 258.389/SP, cit.; STJ, 4ª T., REsp. 259.816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. 22.08.2000, DJU 27.11.2000, p. 221; STJ, 4ª T., AgRg no AREsp. 768.239/MT, Rel. Min. Raul Araújo, ac. 16.02.2016, DJe 24.02.2016.

[8] STJ, 4ª T., REsp. 1.019.404/RN, Rel. Min. João Otávio de Noronha, ac. 22.03.2011, DJe 01.04.2011. No mesmo sentido: STJ, 3ª T., REsp. 908.359/SC, Rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha, ac. 27.08.2008, DJe 17.12.2008.

[9] STJ, 4a T., AgRg no AREsp. 350.766/RS, Rel. Min. Raul Araújo, ac. 18.08.2016, DJe 02.09.2016. No mesmo sentido: STJ, 3ª T., REsp 1.642.999/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 12.12.2017, DJe 02.02.2018.

[10] STJ, 4ª T., REsp. 774.963/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, ac. 06.12.2012, DJe 07.03.2013.

[11] Contentou-se o acórdão com a circunstância de que “não houve contratação de médico de confiança da paciente, o qual tivesse se servido apenas das instalações e serviços do hospital, hipótese em que a instituição hospitalar responderia objetivamente apenas pelos serviços e instalações de sua responsabilidade” (STJ, REsp. 774.963/RJ, cit.). Em outro julgado, a 3ª Turma reafirmou que “os hospitais não respondem objetivamente pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação”. No entanto, decidiu que “há o dever de o hospital responder qualitativamente pelos profissionais que escolhe para atuar nas instalações por ele oferecidas”. Contudo, a solidariedade entre médico e hospital “não transforma a obrigação de meio do médico, em obrigação de resultado, pois a responsabilidade do hospital somente se configura quando comprovada a culpa do médico, conforme a teoria de responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais abrigada pelo Código de Defesa do Consumidor. Admite-se a denunciação da lide na hipótese de defeito na prestação de serviço” (STJ, 3ª T., REsp. 1.216.424/MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, ac. 09.08.2011, DJe 19.08.2011). Em sentido diametralmente oposto, a mesma 3ª Turma logo depois decidiu, com fundamento no art. 88 do CDC, ser inadmissível a denunciação da lide, por parte do hospital, no caso de ação indenizatória por erro cometido pelo médico plantonista (STJ, 3ª T., REsp. 801.691/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, ac. 06.12.2011, DJe 15.12.2011). Restou, porém, ressalvado que o resultado da ação entre o paciente e o hospital, fundada na responsabilidade objetiva, não prejudicará a eventual ação regressiva contra o médico, a qual terá como base a responsabilidade subjetiva (culpa) do profissional (REsp. 801.691/SP, cit.).

[12] GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Terceirização nos serviços prestados na área de saúde. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade civil da área de saúde. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 44-54; BRUNHARI, Andrea de Almeida; ZULIANI, Ênio Santarelli. O consumidor e seus direitos diante de erros médicos e falhas de serviços hospitalares. Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, v. 77, p. 95-117, mai-jun/2012.

[13] “A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes (…) arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem como a súmula 341-STF (é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou presposto)” (g.n.) (STJ, 4ª T., Rep 258.389/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, ac. 16.06.2005, DJU 22.08.2005, p. 275).

[14] Mesmo à luz do art. 14 do CDC, no caso de serviços médicos, “a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estada do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc e não aos serviços técnico-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa)” (g.n.) (STJ, REsp 258.389/SP, cit.).


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