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Precarização do Trabalho Parte 2 – Trabalho emancipado
José Manuel de Sacadura Rocha
17/12/2019
Quanto mais o capital se dirige para o desenvolvimento e emprego das maquinarias e ciências naturais aplicadas, bem como as de gestão, mais a superprodução se agiganta, com maior dispensa de trabalho assalariado, trabalho vivo (capital circulante). Daí maior o tempo de trabalho disponível concentrado de volta nas mãos da população excedente de trabalhadores colocados no “não trabalho”, sem que exista mais as mesmas possibilidades de lhes extrair a riqueza social na apropriação do mais valor, a contragosto, claro.
Um ou outro ou mesmo um pequeno grupo de investidores produtivos poderiam suspender suas atividades na velocidade e no quantum de produtos a serem entregues ao mercado. Isto implicaria, por um tempo apenas, a diminuição da superprodução e uma retração de reinvestimento em maquinaria e automação etc. Mas o que fazem os concorrentes neste momento, aqueles que estão desejosos de monopolizar o mercado ou o modernizar com novos produtos e serviços? A concorrência os impele a serem eles os investidores, a derrubarem os entraves colocados pelos que se abstêm de enfrentar novas demandas e novas tecnologias em nome de regulação da produção relativamente ao consumo. A contradição troca de mãos, mas a concorrência tendencial ao monopólio para ganhos de escala e aprimoramento dos produtos não para por aí – a lei geral da produção do valor e a motivação da acumulação privada derruba a inércia de uns eliminando-os do mercado.
Logo, é necessário manter-se de algum modo na esfera do monopólio e da inversão de parte do valor geral social em capital fixo, “descartando” sucessivamente o trabalho vivo das atividades diretamente produtivas, engrossando as fileiras da população ativa na ociosidade, no mundo do “não trabalho”, da produção criativa, ou ociosidade estética.
É real a percepção e afirmação que o mundo do trabalho hoje é precarizado e que os trabalhadores assalariados estão sujeitos às mais aviltantes e desumanas condições em suas atividades. Um exemplo contundente pode ser o dos trabalhadores precarizados nas atividades de telemarketing, bem como aquelas em que os serviços exigem rapidez de confecção e entrega (delivery). O processo industrial de produtividade, estandardização e especialização também chegaram às atividades de serviços, como, por exemplo, os de vendas e entregas por aplicativos (app) instalados em smartphones. A precarização do trabalho vista nestas atividades é fato, mas isto não nos autoriza a imaginar que este seja uma simples “troca de endereço”, simples deslocamento, da exploração de mais valor em condições degradantes análogas ao efetuado na indústria nos últimos 200 anos, e que veio para permanecer assim.
De fato, não nos parece satisfatório apregoar a precarização do trabalho assalariado apenas para localizar em atividades diferentes as mesmas condições de exploração dos trabalhadores do capital. O modo de produção capitalista obriga a sucessivas transformações produtivas, portanto, nas relações de trabalho e nas relações pessoais, sociais e gerais. Existem deslocamentos de trabalho industrial para o de serviços, e já agora o de serviços para as atividades ligadas à filantropia, ao voluntarismo, à economia solidaria e à cultura e lazer. Por isso o capital sempre necessitará de mão de obra transitória e sempre terá que reduzir os benefícios desses trabalhadores para que a acumulação se prolongue – esta é a lógica do sistema de livre mercado. Nada de novo aqui: isto implica a continuidade, por outras formas, dos mesmos termos da especulação do capital como aviltamento dos trabalhadores e precarização de suas condições gerais de trabalho, em alguns setores mais, outros menos.
Os que veem a precarização ressaltam que “[…] por meio desse processo [do emprego da máquina], o quantum de trabalho necessário para a produção de certo objeto é reduzido a um mínimo, mas só para que, com isso, um máximo trabalho seja valorizado em um máximo de tais objetos.” (MARX, 2011, p. 585). Mas nós podemos ver como Marx logo em seguida, e nem sempre convenientemente frisado, sabia e esclareceu que essas mesmas condições eram as condições necessárias à emancipação da classe trabalhadora e do homem genérico da necessidade premente do trabalho econômico: “O primeiro aspecto é importante, porque o capital aqui – de forma inteiramente involuntária – reduz o trabalho humano, o dispêndio de energia, a um mínimo. Isso beneficiará o trabalho emancipado e é a condição de sua emancipação.” (MARX, 2011, p. 585).
Toda a construção que se segue no texto de Marx (Capital fixo e desenvolvimento das forças produtivas da sociedade) é soberba. Muitas vezes se afirma, empobrecendo sua obra monumental, que o sistema de livre mercado estabelece em si uma relação derivacionista entre a produção e as formas culturais, cuja análise estática da economia não alcança a superação do sistema por seus próprios meios, por seus termos, como Marx tanto o enfatizou. A dinâmica da totalidade social é, sem dúvida, potencialidade efetiva da formação social produtiva, do desenvolvimento das forças produtivas e das relações estabelecidas pelos agentes para este fim.
Fonte: Núcleo de Ética Jurídica
MARX, Karl. Capital fixo e desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. In: Grundrisse. São Paulo: Boitempo, 2011.
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