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Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória

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Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória

AGENTE ÍMPROBO

DECISÃO CONDENATÓRIA

FUNÇÃO PÚBLICA

LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA

SANÇÃO

Landolfo Andrade

Landolfo Andrade

23/07/2019

A sanção de perda da função pública enseja a extinção do vínculo jurídico existente entre o agente público e a entidade vitimada pelo ato ímprobo.

No universo da Lei de Improbidade Administrativa – LIA (Lei 8.429/1992), a expressão “função pública” deve ser interpretada em consonância com a noção de agente público, fixada no art. 2.º. Em outras palavras, a noção de função pública deve ser compreendida em sentido amplo, de modo a abrigar as funções desempenhadas por todos aqueles que exerçam qualquer espécie de atividade nas pessoas jurídicas de direito público e de direito privado elencadas no art. 1.º.

Posto isso, é intuitivo que referida sanção não alcance o terceiro beneficiário ou partícipe do ato ímprobo, desvinculado da Administração Pública (particular), como indica a própria LIA no art. 3.º com a expressão “no que couber”.

Com previsão no texto constitucional (art. 37, § 4.º) e na LIA (art. 12, I, II e III), referida sanção pode ser aplicada pela prática de qualquer modalidade de improbidade administrativa (enriquecimento ilícito, lesão ao erário e atentado contra os princípios regentes da atividade estatal) e produz efeitos somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20, caput, da LIA).

A finalidade da sanção em exame, de natureza político-administrativa, é afastar dos quadros da Administração Pública todos os agentes que demonstraram pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade estatal, denotando uma deformidade de caráter incompatível com a natureza da função exercida.

Desde a primeira edição da nossa obra [1], sustentamos, em sintonia com a doutrina amplamente majoritária [2] , que a sanção em estudo incide sobre toda e qualquer função pública que esteja sendo exercida pelo agente ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, mesmo que diferente da exercida à época em que praticou o ato ímprobo.

Nesse sentido, inclusive, estava consolidada a jurisprudência das duas Turmas (1ª e 2ª) que compõem a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, competentes para o julgamento das questões de direito público.

Ocorre que a 1ª Turma do STJ, em suas decisões mais recentes, passou a adotar posicionamento distinto. Apartando-se do entendimento da 2ª Turma, ela vem decidindo que a sanção de perda da função pública do art. 12 da LIA, ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, não pode atingir cargo público diverso ocupado pelo agente daquele que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. Argumenta-se, nesse sentido, que as normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo, por consectário lógico, sofrer interpretação extensiva [3].

Com o devido respeito ao atual entendimento da 1ª Turma do STJ, insistimos em dele discordar. Afinal, não se pode conceber que um agente público seja considerado moralmente inapto para o exercício de uma dada função pública, mas moralmente apto para o desempenho de outra função pública. A sanção de perda da função pública visa justamente extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.

Admitir o contrário significa tornar inócuo o comando constitucional, já que, no caso de mandato eletivo, por exemplo, a ação de improbidade jamais estaria terminada, com decisão transitada em julgado, antes do decurso do período legal de duração do mandato. Numa outra situação hipotética, se o ocupante de um cargo comissionado praticar um ato de improbidade administrativa, uma eventual mudança para outro cargo comissionado, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, seria suficiente para isentá-lo da sanção em exame, segundo o entendimento da 1ª Turma do STJ. Vale dizer, uma simples “dança das cadeiras” seria suficiente para tornar ineficaz a sanção de perda da função pública. Ainda, se um delegado de polícia do Estado de São Paulo for condenado à perda da função pública pela prática de um ato de improbidade administrativa consistente em enriquecimento ilícito (recebeu propina para tolerar a exploração de jogo do azar no município em que estava lotado), mas, antes do trânsito em julgado dessa sentença, tomar posse como Delegado de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, tal sanção não poderá alcançá-lo.

Fato é que a interpretação dada pela 1ª Turma do STJ aos artigos 12 e 20, caput, ambos da LIA, esvazia o comando do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, relativizando as exigências de honestidade e probidade, como se elas não fossem indispensáveis também para o prosseguimento e a manutenção do exercício da função estatal.

Não podemos olvidar que a Lei 8.429/1992 é uma norma de caráter punitivo-repressivo. É dizer, sempre que reconhecida por sentença a prática de um ato de improbidade administrativa, faz-se imperiosa a efetiva punição do agente ímprobo, com vistas a reprimir a conduta ímproba e evitar o cometimento de novas infrações.

Para a aplicação das sanções aos autores de ato de improbidade administrativa, dispõe o art. 12, caput e parágrafo único, da LIA que o juiz deverá considerar a gravidade da conduta, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Com base em tais parâmetros, deverá decidir quais sanções serão aplicadas (se cumuladas ou não) e em qual medida (dosimetria), sempre à luz dos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, inclusive sob o viés da proibição da proteção deficiente.

Tem razão Alessandro Baratta quando esclarece que, no Estado Democrático de Direito, está-se diante de uma política integral de proteção dos direitos. Tal definição permite que se afirme que o dever de proteção estatal não somente vale no sentido clássico (proteção negativa) como limite do sistema punitivo, mas, também, no sentido de uma proteção positiva por parte do Estado [4].

É ilusório pensar que a função do Direito (e, portanto, do Estado), nesta quadra da história, esteja restrita à proteção contra abusos estatais. No mesmo sentido, o dizer de João Baptista Machado, para quem o princípio do Estado de Direito, neste momento histórico, não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado: exige, também, a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato. Desse modo, ainda com o pensador português, é possível afirmar que a ideia de Estado de Direito demite-se da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e das liberdades dos cidadãos [5].

Tem-se, assim, uma espécie de dupla face de proteção dos direitos fundamentais: a proteção positiva e a proteção contra omissões estatais. Ou seja, a ofensa ao princípio da proporcionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, como também por deficiência na proteção.

Ora, se o juiz reconhece a prática de um ato de improbidade administrativa e entende que a sanção de perda da função pública se mostra adequada, é imperativo concluir que se está diante de um ato de improbidade administrativa de natureza grave. Afinal, trata-se de uma das sanções da LIA com maior densidade restritiva de direitos. Nesse cenário, limitar a incidência de tal sanção à função pública exercida pelo agente ímprobo quando da prática do ilícito, pelas razões já expostas, representa conferir uma proteção absolutamente insuficiente à probidade administrativa, direito fundamental de toda a coletividade, em clara ofensa ao princípio da proporcionalidade.

O art. 12 da LIA dispõe que o responsável pelo ato de improbidade está sujeito, entre outras penalidades, à “perda da função pública”, penalidade que objetiva afastar da atividade pública agentes que se desvirtuam da legalidade, demonstrando caráter incompatível com o exercício de função pública, ainda mais quando o conceito de função pública abrange o conjunto de atribuições que os agentes públicos, em sentido lato, realizam para atender aos objetivos da Administração Pública.

Reprise-se que a finalidade da norma é afastar da vida pública aquele que cometeu ato de improbidade administrativa, evitando assim que novas ilegalidades sejam praticadas. Desse modo, a perda da função pública é daquela que eventualmente estiver sendo ocupada pelo condenado quando do trânsito em julgado, ainda que diferente da função por ele exercida quando da prática do ilícito.

Contudo, diante da divergência instalada na jurisprudência das 1ª e 2ª Turmas do STJ, faz-se necessário o posicionamento da 1ª Seção da Corte Superior ou mesmo do Supremo Tribunal Federal sobre esse tema, em homenagem à segurança jurídica.

Confira aqui as obras do autor


Referências

[1] ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos. 9. ed. Método: São Paulo. vol. 1. p. 898.

[2] Entre outros, vejam-se: BEZERRA FILHO, Aluísio. Atos de improbidade administrativa: Lei 8.429/92 anotada e comentada. 2. ed. Curitiba: Juruá. p. 348-349; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa: Lei 8.429 de 02 de junho de 1992. 3. ed.; e GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 8. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 671.

[3] AgInt no REsp 1423452/SP, 1ª Turma, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 01.03.2018. AgRg no AREp 369.518/SP, rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe 28.03.2017; EDcl no REsp 1.424.550/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 08.05.2017.

[4] BARATA, Alessandro. La política Criminal y el Derecho Penal de la Constitución: Nuevas Reflexiones.

[5] BAPTISTA MACHADO, João. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.


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