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A lei de recuperação de empresas – aspectos gerais. É mesmo necessária sua revisão?
Luis Felipe Salomão
10/07/2019
A Lei 11.101/2005 passou a regular, em nosso País, a partir de 8 de junho de 2005, a recuperação extrajudicial e judicial de empresas, assim como a falência. De fato, após inúmeras vicissitudes na tramitação legislativa – que durou cerca de 11 anos –, a atual legislação trouxe diversas inovações ao direito concursal. Alterou conceitos e termos jurídicos, extinguindo a concordata e a continuação dos negócios pelo falido, como previsto no revogado Decreto-lei 7.661/1945.
Introduziu a recuperação extrajudicial e judicial de empresas, modificando radicalmente o sistema falimentar então vigente. Porém, foi mantida a dualidade para os procedimentos, em sendo o devedor insolvente um empresário e outro não empresário. Em relação a este, de natureza civil, o sistema é o da insolvência (Código de Processo Civil de 1973, art. 748 e seguintes; sem correspondente no CPC/2015). No tocante àquele que exerce atividade empresária, aplica-se a lei em comento.
A lei de recuperação de empresas: é mesmo necessária sua revisão?
As micro e as empresas de pequeno porte (Lei Complementar 123/2006, com alterações introduzidas pelas Leis Complementares 147/2014 e 155/2016 e pelo Decreto 8.538/2015) contam com procedimento especial para a recuperação judicial (arts. 70 a 72 da Lei 11.101/2005), muito assemelhado à concordata anterior.
Na primeira etapa do procedimento, apresentado o pedido por empresa que busca o soerguimento, estando em ordem a petição inicial – com a documentação exigida pelo art. 51 da Lei 11.101/2005 –, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial (art. 52), iniciando-se em seguida a fase de formação do quadro de credores, com apresentação e habilitação dos créditos.
Não há nenhum óbice legal, a meu ver, para que o juiz determine uma inspeção ou verificação no local e nos documentos da empresa pleiteante, no sentido de aferir a conveniência do deferimento do processamento da recuperação.
Portanto, uma vez deferido o processamento da recuperação, entre outras providências a serem adotadas pelo magistrado, determina-se a suspensão de todas as ações e execuções, nos termos dos arts. 6º e 52, inciso III, da Lei 11.101/2005.
A segunda fase da recuperação inicia-se com a aprovação do plano pelos credores reunidos em assembleia, seguida da concessão da recuperação por sentença (arts. 57 e 58, caput) ou, excepcionalmente, pela concessão forçada da recuperação pelo juiz, nas hipóteses previstas nos incisos do § 1º do art. 58 – Cram Down.
A respeito do tema, quanto a mitigação dos requisitos legais do cram down, destaca-se:
Recurso especial. Direito empresarial. Recuperação judicial. Plano. Aprovação judicial. Cram down. Requisitos do art. 58, § 1º, da Lei 11.101/2005. Excepcional mitigação. Possibilidade. Preservação da empresa.
1. A Lei nº 11.101/2005, com o intuito de evitar o “abuso da minoria” ou de “posições individualistas” sobre o interesse da sociedade na superação do regime de crise empresarial, previu, no § 1º do art. 58, mecanismo que autoriza ao magistrado a concessão da recuperação judicial, mesmo que contra decisão assemblear.
2. A aprovação do plano pelo juízo não pode estabelecer tratamento diferenciado entre os credores da classe que o rejeitou, devendo manter tratamento uniforme nesta relação horizontal, conforme exigência expressa do § 2º do art. 58.
3. O microssistema recuperacional concebe a imposição da aprovação judicial do plano de recuperação, desde que presentes, de forma cumulativa, os requisitos da norma, sendo que, em relação ao inciso III, por se tratar da classe com garantia real, exige a lei dupla contagem para o atingimento do quórum de 1/3 – por crédito e por cabeça –, na dicção do art. 41 c/c 45 da LREF.
4. No caso, foram preenchidos os requisitos dos incisos I e II do art. 58 e, no tocante ao inciso III, o plano obteve aprovação qualitativa em relação aos credores com garantia real, haja vista que recepcionado por mais da metade dos valores dos créditos pertencentes aos credores presentes, pois “presentes 3 credores dessa classe o plano foi recepcionado por um deles, cujo crédito perfez a quantia de R$ 3.324.312,50, representando 97,46376% do total dos créditos da classe, considerando os credores presentes” (fl. 130). Contudo, não alcançou a maioria quantitativa, já que recebeu a aprovação por cabeça de apenas um credor, apesar de quase ter atingido o quórum
qualificado (obteve voto de 1/3 dos presentes, sendo que a lei exige “mais” de 1/3). Ademais, a recuperação judicial foi aprovada em 15/05/2009, estando o processo em pleno andamento.
5. Assim, visando evitar eventual abuso do direito de voto, justamente no momento de superação de crise, é que deve agir o magistrado com sensibilidade na verificação dos requisitos do cram down, preferindo um exame pautado pelo princípio da preservação da empresa, optando, muitas vezes, pela sua flexibilização, especialmente quando somente um credor domina a deliberação de forma absoluta, sobrepondo-se àquilo que parece ser o interesse da comunhão de credores.
6. Recurso especial não provido (REsp 1337989/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 08.05.2018, DJe de 04.06.2018).
Não sendo concedida a recuperação, o caminho será a decretação da falência.
Houve, também, substancial modificação no que tange à intervenção do Ministério Público, cuja atuação é limitada a alguns aspectos processuais da recuperação e falência, com ênfase na fiscalização para alienação de ativos e cumprimento do plano de recuperação. A sua função precípua, contudo, está na persecução criminal.
Também sobreveio alteração relativamente à categorização dos créditos concursais. A fase de verificação dos créditos passou a ter uma etapa eminentemente extrajudicial, concentrada nas mãos do administrador, e outra judicial, sobretudo quando há impugnação.
O plano de recuperação da empresa é o verdadeiro “coração” da atual lei.
Por isso mesmo, para bem aplicar a atual legislação falimentar, o jurista deverá conhecer noções gerais de micro e macroeconomia, gestão, administração de empresas, contabilidade, dentre outras matérias que, normalmente, não fazem parte do cotidiano jurídico. O nível de capacitação dos profissionais que atuam na área e a mudança de mentalidade serão medidores importantes para se aferir o sucesso ou o malogro do atual diploma legal.
A despeito de ainda estar sendo debatida a LRF, com amplo e potencial campo de atuação, já se esboçou uma revisão não muito bem acolhida pela doutrina tradicional.
Quer saber mais? Confira a obra Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Teoria e Prática
Os estudos apresentados nesta obra pelo Ministro Luis Felipe Salomão e pelo Professor Paulo Penalva Santos refletem o exame dos principais pontos relativos ao direito concursal e falimentar, após 14 anos de vigência da Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005) e da Lei Complementar 118/2005, que alterou o Código Tributário Nacional, adaptando-o ao novo sistema de reestruturação de empresas em dificuldades financeiras e econômicas.
Entre as principais novidades desta edição, merecem destaque o novo Capítulo IV (Assembleia Geral de Credores na Recuperação Judicial), resultado do desmembramento do antigo Capítulo VIII (que tratava genericamente de alguns outros temas realocados nos capítulos já existentes), permitindo o estudo mais detalhado de cada um dos pontos abordados. Ainda como exemplo das atualizações, o Capítulo VII foi ampliado para tratar da possibilidade de prorrogação de contrato essencial para o soerguimento das empresas em recuperação judicial.
Na jurisprudência, ganham relevo os julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei 11.101/2005, sobre os créditos submetidos e excluídos do âmbito da recuperação, além de precedentes abordando contratos firmados antes e depois da recuperação e falência.
Visando auxiliar a rotina forense daqueles que atuam na área de recuperação judicial e falência, a obra traz, como material suplementar, modelos de petições e decisões.
Por tudo isso, percebe-se a maturidade e o cuidado que os autores tiveram com a seleção dos temas e o propósito de atualização da obra no que concerne às novas questões surgidas no contencioso empresarial, ao exame das alterações legislativas, além da jurisprudência, principalmente do Superior Tribunal de Justiça.
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