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O Direito falimentar e suas fases
Luis Felipe Salomão
05/07/2019
É importante relembrar as fases anteriores que conduziram o sistema jurídico brasileiro até o direito falimentar que então vigia, substancialmente alterado pela Lei nº 11.101/2005. A trajetória foi longa, pois no direito romano o devedor respondia com seu próprio corpo por dívida não honrada.
No texto emblemático de Shakespeare, O mercador de Veneza, um comerciante celebrou contrato pelo qual responderia com uma libra de sua carne, em caso de descumprimento. Na sequência, o direito abandonou essa primeira perspectiva de o devedor responder com seu próprio corpo por dívida contraída e não paga, consagrando-se, a partir daí, a ideia de que seu patrimônio é que deveria responder pela dívida.
Em relação ao devedor falido, todavia, a evolução foi bem mais penosa, porquanto a ideia da “quebra” sempre esteve aliada ao de comerciante desidioso ou de má-fé. Malgrado, superada a fase mais radical, cumpre verificar que há, ao longo da história, uma verdadeira “gangorra” na proteção dos direitos, ora a favor do devedor, ora do credor.
Na verdade, os diversos sistemas jurídicos pretéritos não engendraram solução adequada, não logrando definir muito bem o limite em que deve ser prestigiada a defesa de um e de outro, porquanto, durante a evolução do sistema concursal, não foi encontrado o ponto de equilíbrio para essa equação. Na fase subsequente, com o movimento pendular incidindo no sentido da proteção ao credor, buscou-se apenar criminalmente algumas condutas do falido.
Apenas para exemplificar, no direito português das Ordenações, uma das penas graves para o falido era o degredo para a colônia brasileira. A fase moderna, superando as etapas anteriores e pretendendo balancear as relações entre credores/devedores, refere-se ao conceito moderno de empresa como atividade econômica organizada, habitual, que visa à produção ou à circulação de bens ou serviços.
É preciso preservá-la com o espírito voltado para o benefício social, acima da defesa dos interesses exclusivos dos credores ou devedores. A materialização desse equilíbrio, diante dos conflitos existentes, é a maior dificuldade enfrentada pelo legislador hodierno. A lei brasileira de recuperação da empresa inspirou-se no conceito desenvolvido pela teoria da “reorganização da corporação”. Contudo, modernamente, as legislações almejam um estágio mais avançado, como se verá.
As quatro fases do direito falimentar no Brasil
No Brasil, as quatro fases do direito falimentar estão bem delineadas:
– Primeira fase (Código Comercial até a República)
a) não conceituava com precisão os institutos;
b) concedia aos credores demasiada autonomia na organização falimentar;
c) a falência se caracterizava pela cessação de pagamentos, estado difícil de ser definido.
– Segunda fase (Decreto 917, de 1890 – Lei Carlos de Carvalho)
a) moratória – pagamento integral de todos os credores em até um ano. Dependia de 3/4 dos credores. Somente cabível antes do protesto;
b) acordo extrajudicial – natureza contratual. Assembleia Geral dos credores quirografários. Negado, decretava-se a falência. Somente admissível antes do protesto;
c) cessão de bens – dependia da aprovação dos credores. Somente possível antes do protesto. Formava-se um contrato de união (forma de liquidação).
– Terceira fase (Decreto-lei 7.661/1945 – baseado em anteprojeto de Trajano Miranda Valverde)
a) reforçou bastante o aspecto judicial da falência e da concordata, proibindo a moratória amigável. Eliminou a natureza contratual da concordata;
b) diminuiu a influência dos credores, concentrando poderes nas mãos do juiz.
– Quarta fase – Lei 11.101/2005, alterou substancialmente todos os institutos relacionados ao direito concursal, inserindo a recuperação judicial e extrajudicial da empresa.
Quer saber mais? Confira a obra Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência – Teoria e Prática
Os estudos apresentados nesta obra pelo Ministro Luis Felipe Salomão e pelo Professor Paulo Penalva Santos refletem o exame dos principais pontos relativos ao direito concursal e falimentar, após 14 anos de vigência da Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005) e da Lei Complementar 118/2005, que alterou o Código Tributário Nacional, adaptando-o ao novo sistema de reestruturação de empresas em dificuldades financeiras e econômicas.
Entre as principais novidades desta edição, merecem destaque o novo Capítulo IV (Assembleia Geral de Credores na Recuperação Judicial), resultado do desmembramento do antigo Capítulo VIII (que tratava genericamente de alguns outros temas realocados nos capítulos já existentes), permitindo o estudo mais detalhado de cada um dos pontos abordados. Ainda como exemplo das atualizações, o Capítulo VII foi ampliado para tratar da possibilidade de prorrogação de contrato essencial para o soerguimento das empresas em recuperação judicial.
Na jurisprudência, ganham relevo os julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil à Lei 11.101/2005, sobre os créditos submetidos e excluídos do âmbito da recuperação, além de precedentes abordando contratos firmados antes e depois da recuperação e falência.
Visando auxiliar a rotina forense daqueles que atuam na área de recuperação judicial e falência, a obra traz, como material suplementar, modelos de petições e decisões.
Por tudo isso, percebe-se a maturidade e o cuidado que os autores tiveram com a seleção dos temas e o propósito de atualização da obra no que concerne às novas questões surgidas no contencioso empresarial, ao exame das alterações legislativas, além da jurisprudência, principalmente do Superior Tribunal de Justiça.
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