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Mulher, Democracia e Inclusão: Em Defesa das Cotas de Candidatura e a Inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 1.256/2019
Raquel Cavalcanti Ramos Machado
08/03/2019
Artigo escrito em coautoria com Jéssica Teles de Almeida*
Democracia e inclusão são temas atuais e relevantes que ainda nos provocam muitas inquietações. A participação política das mulheres e a sua proteção jurídica, mais especificamente as fraudes às cotas de candidaturas femininas nas eleições de 2018, são um dos assuntos mais comentados no meio político brasileiro, principalmente por terem desencadeado uma crise de governo depois de ter sido amplamente noticiado que o partido do atual Presidente da República, o Partido Social Liberal (PSL), está no centro de uma dessas práticas fraudulentas.
Existem, contudo, muitos mitos, normas e fatos omitidos nos debates atuais sobre o assunto, justamente para desinformar o(a) eleitor(a) e o(a) cidadão(ã) a respeito de um tema tão importante no âmbito da concretização da igualdade entre homens e mulheres na política. É certo que, instaurada essa crise governamental, não demorou a surgirem questionamentos sobre a própria legitimidade da medida, tanto que o deputado Ângelo Coronel (PSD-BA) apresentou o Projeto de Lei n.º 1.256/2019, cujo objeto é a revogação das cotas de candidaturas previstas no § 3.º do art. 10 da Lei n.º 9.504/1997, também conhecida como Lei Geral das Eleições. A justificativa seriam as inúmeras denúncias a respeito de fraudes nessa lei.
Primeiro, é preciso deixar registrado que (1) as cotas para mulheres na política existem em vários outros países, não só no Brasil; (2) são constitucionais e amparadas em normas internacionais; e (3) visam alcançar um quadro mais equilibrado entre homens e mulheres na política, tendo em vista que as mulheres foram excluídas por séculos dos espaços formais de poder.
As cotas de candidatura no Brasil: O texto legal do art. 10, § 3.º, da Lei n.º 9.504/1997 garante, no processo eleitoral, que as candidaturas obedeçam a uma proporção mínima para cada gênero, o que concretiza o princípio da igualdade material. A medida assegura espaços de participação minimamente paritária para ambos os gêneros, numa proporção que não atrapalharia a livre concorrência que rege o processo eleitoral.
Obrigação dos partidos políticos de capacitarem mulheres para a política formal: Para dar efetividade à política de cotas, a Lei n.º 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) passou a determinar, em seu art. 44, caput, inciso V e §§ 5.º e 7.º, que as agremiações partidárias mantenham programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. São verbas destinadas para esse fim.
O que os partidos omitem nesse debate? Os partidos vêm reiteradamente descumprindo as determinações legais e sendo os protagonistas, eleições após eleições, de fraudes, ou seja, de práticas ilícitas, contra a política de cotas. Alguns dos argumentos das agremiações são: (1) as mulheres não se interessam por política; e (2) faltam mulheres para preencher as cotas de candidaturas. O primeiro argumento é falso e demonstramos em escritos anteriores que, segundo os estudos da socióloga Lúcia Avelar, as mulheres são a minoria na política formal, mas são a maioria na política informal, ou seja, naquela política que se faz na sociedade ou na comunidade. O segundo argumento, por sua vez, só comprova que há, na verdade, um ciclo omissivo e ilegal partidário. A consequência clara do descumprimento das normas do art. 44, caput, inciso V e §§ 5.º e 7.º, da Lei n.º 9.096/1995 é a inexistência, nas vésperas do período eleitoral, de mulheres ao alcance do partido com interesse iminente e real em preencher as vagas. Os partidos não cumprem sua missão legal. Os partidos culpam as próprias mulheres quando não “conseguem” preencher os percentuais das cotas de candidatura por gênero, mas silenciam quanto à sua própria omissão nesse quadro quando deixam de formar e incentivar a participação política feminina com os recursos que recebem para tal finalidade.
Eleições de 2018 mais inclusivas e a importância das cotas e da reserva de fundos: Em meio às críticas à política de contas, não se fala, porém, que as últimas medidas adotadas em reforço à política de cotas, como a reserva de recursos para candidaturas femininas, elevaram o número de mulheres na política formal. Até 2016, as mulheres eram 11% das eleitas, após as eleições de 2018 passaram a ser 15%.
Se há fraudes, punam-se os infratores: A prática de fraudes às cotas de candidatura envolvendo partidos políticos, e muitas mulheres revelam que deve existir, é um reforço e uma proteção maior da medida jurídica, e não sua exclusão. Em escritos anteriores, defendemos, inclusive, a criação de uma Representação Eleitoral própria para esse fim.
Em defesa das cotas e a inconstitucionalidade do Projeto de Lei n.º 1.256/2019: O modelo legislativo vigente reflete certo avanço nessa corrida por igualdade de gênero na política, pois, sem dúvida, acena que o Estado brasileiro reconhece o seu dever na concretização dos pactos internacionais ratificados e da Constituição Federal (art. 5.º, I). O Projeto de Lei n.º 1.256/2019, que tem por objeto a revogação das cotas de candidaturas previstas no § 3.º do art. 10 da Lei n.º 9.504/1997, revela que existem maiorias políticas eventuais presentes no Congresso Nacional que pretendem acabar com normas que atualmente protegem determinados grupos, no caso, as mulheres, o que nos instiga a pensar no próprio papel e na legitimidade do Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade preventivo desse projeto claramente inconstitucional e atentatório aos direitos de participação política dessas minorias sub-representadas na esfera parlamentar. O que é preciso, a bem da verdade, é avançar na proteção desse direito fundamental para que não reste uma proteção deficiente, destacando-se que propostas de fortalecimento desse modelo de proteção jurídica existem e, a cada eleição, vêm sendo aprimoradas.
Jéssica Teles de Almeida: Professora de Direito. Mestra em Direito (UFC). Coordenadora do Grupo “Ágora: Educação para a cidadania” (UFC) e do projeto “Observatório Eleitoral do Ceará” (www.observatorioeleitoralce.com).
Veja também:
- Apelo tem que ser explícito? Dilemas sobre a propaganda eleitoral antecipada nas eleições 2018.
- A Participação das Pessoas Trans na Política: Identidade de Gênero, Cotas de Candidatura e Processo Eleitoral
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