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Cooperação Internacional no Código de Processo Civil de 2015
Elpídio Donizetti
28/11/2018
O CPC/2015 sistematizou e em alguns aspectos inovou o tratamento dado à cooperação jurídica internacional
Em razão da globalização e consequente intensificação das relações internacionais, alguns países passaram a estabelecer normas de cooperação entre Estados soberanos, com o objetivo de ampliar e aperfeiçoar o diálogo político-jurídico entre as autoridades internacionais. No âmbito jurídico, essas normas visam conceder eficácia extraterritorial às medidas processuais provenientes de acordos ou tratados. Do cumprimento de sentença numa ação de alimentos a diligências necessárias à apuração de fatos objeto da operação lava jato, a cooperação é utilizada, daí por que a necessidade da compreensão do tema por parte dos operadores jurídicos. No presente artigo, sem a pretensão de esgotamento, procuro jogar um pouco de luz sobre o tema.
No Brasil, as regras a respeito da cooperação jurídica internacional estão dispostas, por exemplo, em acordos multilaterais e bilaterais de cooperação jurídica; em resolução do STJ e portarias do Ministério da Justiça; no regimento interno do STF; em algumas disposições da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB) e da Constituição Federal; e, atualmente, de forma mais aprofundada, no novo Código de Processo Civil.
O CPC atual inovou no tratamento dado à cooperação jurídica internacional no âmbito da processualística civil, dando relevo à preocupação do legislador em aprimorar os mecanismos de cooperação jurídica internacional em prol de uma tutela transnacional mais efetiva.
O art. 26, ao iniciar o tema, determina que a cooperação internacional será regida pelos tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário ou, na falta destes, por meio da reciprocidade manifestada pela via diplomática (art. 26, § 1º). Nesse ponto, lembramos que a competência para a celebração de tratados internacionais pertence à União, mas, depois de assinados, eles devem ser ratificados pelo Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo. A matéria disciplinada no tratado é que irá determinar o procedimento legislativo a ser adotado para a sua aprovação.[1]
Na operacionalização da cooperação internacional, exige-se que sejam observadas as garantias processuais adotadas no Brasil e no país estrangeiro. O texto do novo CPC (art. 26, I a II) confere relevância maior ao devido processo legal; ao tratamento isonômico de brasileiros e estrangeiros, residentes ou não no país, quanto ao acesso a justiça, a tramitação dos processos e a assistência judiciária para os necessitados; e à publicidade dos atos processuais, com exceção das situações em que legalmente deve-se observar o sigilo processual. Também se exige a observância dos atos processuais, no sentido de inadmitir aqueles que possam contrariar ou produzir efeitos incompatíveis com as normas fundamentais que regem o nosso ordenamento (art. 26, § 3º).
Quanto ao objeto da cooperação jurídica internacional, o art. 27 estabelece algumas das diligências processuais que podem ser objeto de cooperação jurídica internacional entre os estados estrangeiros e o Brasil. Cabe esclarecer que esse rol não é taxativo, sendo possível a utilização de medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.
Autoridade central
É o órgão interno responsável por conduzir a cooperação jurídica entre os Estados. É a autoridade central que gerencia os pedidos de auxílio, transmitindo-os às autoridades estrangeiras após um prévio juízo de admissibilidade, que não importará em prévia análise do mérito. Cabe à autoridade central, por exemplo, “evitar falhas na comunicação internacional e o seguimento de pedidos em desacordo com os pressupostos processuais gerais e específicos aplicáveis ao caso, bem como não permitir que sejam adotados mecanismos de cooperação inadequados à situação específica”.[2]
O Ministério da Justiça é, em regra, o órgão responsável por exercer o papel de autoridade central na cooperação jurídica internacional. Essa é, inclusive, a regra contida no novo CPC, segundo o qual “o Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica” (art. 26, § 4º). Em alguns casos, no entanto, há a designação de outros órgãos para execução das funções de autoridade central, como é o exemplo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que atua nesta função para gerenciar os acordos internacionais relativos à criança e ao adolescente.
No novo CPC, o art. 26, IV, prevê a existência da autoridade central para a recepção e transmissão dos pedidos de cooperação. O art. 31, por sua vez, estabelece que a comunicação realizada pela autoridade central para o exercício de suas funções ocorrerá de forma direta para com as autoridades semelhantes e, se necessário, também será possível a comunicação com outros órgãos estrangeiros que estejam envolvidos com a tramitação e execução dos pedidos enviados e recebidos pelo Estado Brasileiro. Ressalte-se que antes de qualquer medida deverão ser observadas as eventuais disposições contidas em tratado firmado entre os Estados ou em acordo de reciprocidade.
Todos os pedidos de cooperação jurídica internacional devem, portanto, ser remetidos à autoridade central brasileira, que lhe dará o devido andamento (art. 37). Se, no entanto, o pedido for oriundo de autoridade estrangeira, poderá a autoridade central brasileira deixar de admiti-lo se nele contiver manifesta ofensa à ordem pública (art. 39). O termo ordem pública, conceito jurídico indeterminado, deve ser compreendido sob o paradigma dos valores políticos, econômicos, sociais e jurídicos vigentes à época do pedido.
Reciprocidade
Muitas vezes a prestação jurisdicional depende de uma constante troca de informações entre órgãos de países distintos. Essa troca se torna possível quando entre os países há uma espécie de auxílio recíproco para a execução dos atos processuais. As diversas operações deflagradas pela Polícia Federal – a Lava Jato, por exemplo – e seus desdobramentos no âmbito do processo mostra a importância da cooperação na apuração de fatos delituosos e na repatriação de quantias fruto da corrupção, depositadas no exterior. Reciprocidade é, nesse sentido, a medida de igualdade que tem a finalidade de atingir o equilíbrio entre as relações internacionais.
A reciprocidade revela-se sob dois aspectos: positivo e negativo. Positivamente ela é a medida por meio da qual se estimula a concessão de novas vantagens jurídicas. Sob o aspecto negativo, é considerada instrumento destinado a punir as violações do direito.
O tema da reciprocidade tem sido tratado, de maneira recorrente em processos de extradição, segundo a Lei nº 6.815/1980, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. O princípio é invocado várias vezes no Estatuto do Estrangeiro, como no art. 76, que assim dispõe: “A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade”.
O novo CPC aborda o princípio da reciprocidade entre os Estados ao prever, em seu art. 26, § 1º, que, “na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática”. Assim, caso não tenha sido celebrado tratado entre os Estados, a cooperação jurídica pode ocorrer se observado o princípio da reciprocidade.
Não se exige a reciprocidade, no entanto, para os casos de homologação de sentença estrangeira (art. 26, § 2º). Isso porque, ao requerer perante o STJ a homologação de decisão proferida por órgãos jurisdicionais estrangeiros, não é necessário demonstrar que a jurisdição do outro país também admite a homologação de sentenças brasileiras.
Mecanismos de cooperação internacional
Os principais instrumentos utilizados pelos Estados no tratamento de questões jurídico-políticas de cunho internacional são: os tratados internacionais, as cartas rogatórias, a homologação de sentença estrangeira, a extradição e o auxílio direto.
O novo CPC tratou do auxílio direto (arts. 28 a 34) e da carta rogatória (art. 36) em seções próprias do capítulo referente à cooperação internacional, sem deixar de se referir, contudo, às outras medidas internacionais. A homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur à carta rogatória estão previstos em capítulo próprio (arts. 960 e seguintes). Quanto à extradição, o tema é objeto da Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro).
Apresentados os conceitos básicos para compreensão da cooperação internacional, passo a tratar dos mecanismos dispostos na legislação processual civil (auxílio direto, carta rogatória e homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur à carta rogatória).
Auxílio direto (ou assistência direta)
É o instrumento de colaboração internacional, por meio do qual se cumpre a solicitação de uma autoridade estrangeira. No auxílio direto o pedido é encaminhado pela autoridade central ao órgão que deverá realizar o ato processual solicitado, sem que para isso seja necessária a expedição de carta rogatória. Como se vê, o auxílio direto busca dar maior agilidade ao processo, mediante assistência mútua entre os Estados no exercício das suas respectivas funções jurisdicionais.
No auxílio direto não há o exercício do juízo de delibação[3] pelo Estado requerido, como ocorre no julgamento de ação de homologação de sentença estrangeira e na execução de carta rogatória. Um dos Estados, nesse caso, transfere às autoridades do outro a tarefa de dizer o direito sobre determinado objeto de cognição. Não há, por consequência, o exercício de jurisdição pelos dois Estados, mas apenas pelas autoridades do Estado requerido.[4] A propósito, esta é a regra prevista no art. 216-O, § 2º, da Emenda Regimental nº 18/2014 do STJ, bem como no art. 28 do CPC/2015:
Art. 216-O […]
Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo delibatório pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados de carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto.
Art. 28. Cabe auxílio quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.
O pedido de auxílio direto é encaminhado à autoridade central do outro Estado, na forma estabelecida em tratado (art. 29), sendo cabível nas situações previstas nos tratados ou acordos internacionais, bem como nas hipóteses descritas no rol exemplificativo do art. 30 do CPC/2015, quais sejam: a) para a citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, quando não for possível ou recomendável a utilização do correio ou meio eletrônico; b) para a obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso; c) para a colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira; e d) para qualquer outra medida judicial ou extrajudicial que não esteja proibida pela lei brasileira. Dos procedimentos que servem a dar ciência dos atos processuais aos envolvidos (citação, intimação e as notificações), caberá o auxílio direto quando não for possível ou recomendado o uso de meios eletrônicos.
A autoridade central, isto é, o Ministério da Justiça (art. 26, § 4º), detém competência para receber a solicitação de auxílio direto do órgão estrangeiro, conforme regramento do próprio tratado de cooperação. Se o pedido de auxílio direto compreender apenas a prática de um ato que, segundo a lei brasileira, dispensa a prestação jurisdicional, a própria autoridade central poderá adotar as providências que julgar necessárias para a prática desse ato (art. 32). Se, no entanto, o pedido de auxílio direto envolver cooperação judicial, a autoridade central brasileira fará o encaminhamento da documentação à Advocacia-Geral da União (art. 33), que formulará a pretensão e exercerá a representação judicial no caso, para buscar a obtenção da necessária decisão judicial. A medida de auxílio direto também poderá ser querida pelo Ministério Público,[5] quando este for a autoridade central no caso de cooperação internacional (art. 33, parágrafo único). Auxílio direto, tal qual a carta rogatória, configura pedido de cooperação jurídica internacional. Contudo, há diferença basilar entre ambas as modalidades de cooperação. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, “caberá auxílio direto quando ‘a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira”’[6].O auxílio direto pode até demandar alguma providência jurisdicional, mas esas providência não pode decorrer de decisão de autoridade judicial estrangeira. O cumprimento de decisão estrangeira deve ser solicitada por meio de carta rogatória.
Caso o auxílio direto demande prestação jurisdicional há que se cogitar da competência. Pois bem, nesse caso, a competência será do juízo federal do local em que deva ser cumprida a medida pleiteada (art. 109, I e X, da CF/1988). Exemplo: ação de busca e apreensão de criança ajuizada pelo genitor com fundamento na Convenção de Haia deve ser decidida pelo juízo federal do local em que ela se encontre.
Parte da doutrina sustenta a inconstitucionalidade do auxílio direto (ou das regras que o prevêem). Segundo esse entendimento, o auxílio direto afronta o art. 105, I, i, da CF, que prescreve competir ao STJ “processar e julgar, originariamente: (…) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias”. Nessa linha, não poderia qualquer norma infraconstitucional, incluindo os tratados internacionais, dispensar a intervenção do STJ para cumprimento de atos originários de país estrangeiro.
De minha parte, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade. A razão é simples. O fato de o mencionado dispositivo constitucional estabelecer a competência do STJ para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias não significa que outros órgãos do Judiciário brasileiro, mais especificamente o juízo federal, mediante provocação, não possam prestar auxílio direto. A atuação do STJ somente se mostra indispensável naqueles casos que ensejam juízo delibatório, conforme dispõe o § 2º do atual art. 216-O do seu Regimento Interno.
Carta rogatória
A carta rogatória é o instrumento por meio do qual um juízo estrangeiro solicita a realização de alguma diligência processual em juízo não nacional. Trata-se de um documento oficial que serve de veículo para um pedido de cooperação. Por meio da carta rogatória a autoridade judicial (e somente ela) solicita ao Estado requerido que execute ato jurisdicional já proferido, de modo que não cabe àquele outro Estado exercer qualquer cognição de mérito sobre a questão processual.
O art. 109, X, da Constituição determina que a competência para a execução de carta rogatória é de juiz federal, após a concessão de exequatur por parte do STJ (art. 105, “i”, da CF/1988). Exequatur nada mais é do que uma autorização prévia concedida pelo STJ para que as diligências eventualmente requisitadas pela autoridade estrangeira possam ser executadas no Brasil.
O art. 36 do CPC/2015 descreve que o procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa, devendo ser assegurada às partes as garantias do devido processo legal. Como neste mecanismo de cooperação internacional é realizado apenas um juízo de delibação – juízo sumário e superficial, sem entrar no mérito da decisão ou despacho oriundo da justiça estrangeira –, a defesa é restrita à discussão acerca do cumprimento (ou não) dos requisitos exigidos para que a decisão estrangeira produza seus efeitos no Brasil (art. 36, § 1º). O órgão jurisdicional brasileiro não detém, portanto, competência para julgar ou modificar a decisão de mérito proferida pela autoridade estrangeira (art. 36, § 2º).
O entendimento do STJ, aliás, tem sido no sentido de que “para a homologação de sentença estrangeira proferida em processo judicial proposto contra pessoa domiciliada no Brasil, é imprescindível que tenha havido a sua regular citação por meio de carta rogatória ou se verifique legalmente a ocorrência de revelia”.[7]
Homologação de sentença estrangeira
O art. 40 do novo diploma processual estabelece que a execução de sentença estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, segundo o disposto no art. 960.
Resumidamente, é por meio deste mecanismo que se reconhecerá, em um determinado Estado, decisão judicial definitiva proferida por autoridade estrangeira. Qualquer provimento, inclusive não judicial, proveniente de uma autoridade estrangeira só terá eficácia no Brasil após sua homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 216 da Emenda Regimental nº 18/2014).
Até 2004 esse processo era de competência do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, o STJ passou a ter competência para processar e julgar os feitos relativos à homologação de sentença estrangeira e à concessão de exequatur às cartas rogatórias. Tal competência é exercida pelo Presidente do STJ, mas, no caso de pedido de homologação de sentença estrangeira, se houver contestação, o processo será submetido a julgamento pela Corte Especial (arts. 216-O e 216-T da Emenda Regimental nº 18/2014)
Os requisitos indispensáveis à homologação de uma sentença estrangeira, segundo o art. 216-D da Emenda Regimental nº 18/2014, são: a) ter a sentença sido proferida por autoridade competente; b) existir comprovação de terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) ter a decisão transitado em julgado; d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil. O art. 963 do CPC/2015 acrescenta, ainda, a necessidade de a sentença ser eficaz no país em que foi proferida (inc. I), não ofender a coisa julgada brasileira (inc. IV) e não houver sido proferida com manifesta ofensa à ordem pública (inc. VI). O STJ deverá, ainda, analisar se a decisão proferida no estrangeiro não contraria os princípios fundamentais de direito existentes no nosso ordenamento jurídico.
Concessão de exequatur à carta rogatória
Não somente as sentenças, mas também as decisões interlocutórias estrangeiras são passíveis de execução no País, desde que sejam submetidas ao regime das cartas rogatórias. (art. 960, § 1º).[8] Ou seja, tratando-se de decisão final (sentença, que encerra o procedimento), cabível a homologação. Sendo uma decisão interlocutória (medidas de urgência, decisão que permite determinada produção probatória, como a oitiva de testemunhas que residam no Brasil etc.), fala-se em concessão de exequatur. Nada obsta que se mude a lei ou celebre tratado internacional dispensando, em um ou em ambos os casos, a homologação ou o exequatur. A competência para homologação ou concessão de exequatur também é do STJ.
Para produção de seus efeitos em território nacional, a decisão interlocutória passará por procedimento de jurisdição contenciosa no Superior Tribunal de Justiça, a quem caberá analisar o preenchimento dos requisitos formais para exequibilidade da decisão. Nessa análise não haverá aprofundamento do mérito da decisão (técnica denominada “juízo de delibação”),[9] ou seja, se forem atendidos os requisitos formais, o Tribunal concederá a ordem (exequatur) para a produção dos efeitos do ato jurisdicional estrangeiro.
O novo CPC inova ao dispensar a sentença estrangeira de divórcio consensual de homologação (art. 961, § 5º). Nesse caso, a decisão estrangeira terá plena eficácia no Brasil; contudo, nada obsta que os órgãos jurisdicionais brasileiros, a requerimento de uma das partes, possam examinar a validade da decisão estrangeira quando alguma questão relativa a ela for suscitada em caráter principal ou incidental (art. 961, § 6º).
Devido à grande inovação trazida pelo § 5º do mencionado artigo, o CNJ editou, em 16 de maio de 2016, o Provimento nº 53, no qual concretizou a interpretação literal do dispositivo. A averbação da sentença estrangeira de divórcio consensual passa a ser direta, sem a necessidade de homologação judicial. Ou seja, torna-se ato de natureza administrativa, não necessita de prévia manifestação de nenhuma autoridade judicial brasileira e, ainda, dispensa a assistência de advogado ou defensor público.
Ressalte-se que o STJ chegou a proferir entendimento, com base no art. 15, parágrafo único, da LINDB, no sentido de que não havia necessidade de homologação de sentenças meramente declaratórias do estado das pessoas (REsp 535.646/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 08.11.2005). O dispositivo mencionado foi revogado pela Lei nº 12.036/2009 e, por essa razão, doutrina e jurisprudência passaram a defender a indispensabilidade da homologação prévia de qualquer sentença estrangeira, incluindo as sentenças de divórcio. A alteração do tema no novo CPC adveio de sugestão do professor Alexandre Freitas Câmara, realizada em razão do fato de que no Brasil o divórcio consensual nem sempre depende de intervenção judicial, pois pode ser realizado administrativamente, por meio de escritura pública.
Na esteira da jurisprudência do STJ,[10] o CPC/2015 também passou a prever a possibilidade de homologação de decisão não judicial – melhor seria de “ato jurídico” – que pela lei brasileira pode ter natureza jurisdicional. É o caso, por exemplo, da separação e divórcio consensual, que, na forma do art. 731 e seguintes, podem ser realizados por acordo entre as partes, por escritura pública, conforme anteriormente mencionado.
A homologação parcial de decisão estrangeira também ganha espaço no novo CPC (art. 961, § 2º). Essa possibilidade, contudo, já era admitida pelo regimento interno do STJ (art. 216-A, § 2º, do RISTJ). Deve-se registrar que a homologação parcial nem sempre é viável. É o que ocorre, por exemplo, quando um dos capítulos da decisão ofende a ordem pública e este não pode ser cindido do restante do julgado. O STJ já proferiu decisão impedindo a homologação de decisão que permitia a cumulação de correção monetária e variação cambial.[11]
O § 3º do art. 961 também segue o entendimento do STJ, que admite a apreciação de pedido de tutela provisória e a realização de atos de execução provisória em ação de homologação de sentença estrangeira (art. 216-G do RISTJ). O princípio da tutela jurisdicional adequada se aplica a toda espécie de tutela prestada pela justiça brasileira, inclusive na ação de homologação de sentença estrangeira.
[1] Os tratados internacionais sobre direitos humanos podem ser aprovados com status de emenda constitucional, conforme possibilita o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. Atualmente o único documento aprovado desta forma é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949, de 25.08.2009.
[2] Os conceitos abordados neste capítulo podem ser encontrados no portal do Ministério da Justiça sobre Cooperação Internacional. Disponível em: < http://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional >. Acesso em: 30 out. 2018.
[3] No juízo de delibação não há análise de mérito, mas apenas da legalidade formal (extrínseca) do ato.
[4] Disponível em: < http://www.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacao-internacional >. Acesso em: 30 out. 2018.
[5] Os pedidos de cooperação realizados com base nos seguintes tratados devem ser direcionados à Procuradoria-Geral da República, órgão superior do Ministério Público: i) Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, de 1956 (Decreto nº 56.826, de 2 de setembro de 1965); ii) Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, de 1991 (Decreto nº 1.320, de 30 de novembro de 1994).
[6]STF. Pet 5946, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 16/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 07-11-2016 PUBLIC 08-11-2016
[7] STJ. SEC 15686/EX. Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial. Julgamento em 06/09/2017. DJe 31/10/2017
[8] A possibilidade de cumprimento de decisão interlocutória estrangeira não estava prevista no CPC/1973. Trata-se de inovação proposta pelo legislador processual que revoga tacitamente o disposto no art. 15, “c”, da LINDB, segundo o qual “será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos: […] c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida”.
[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 48. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 1, p. 767.
[10] “Prevendo a legislação alienígena o divórcio mediante simples ato administrativo, cabível é a sua homologação para que produza efeitos no território brasileiro” (STJ, AgRg na SE 456/JP, Corte Especial, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 23.11.2006, DJ 05.02.2007). A decisão foi proferida antes da publicação da Lei nº 11.441/2007, que introduziu o art. 1.124-A ao CPC/1973, permitindo o divórcio extrajudicial em determinadas hipóteses. Em outro precedente, a Corte Especial do STJ tratou da homologação de ato administrativo que formalizou acordo de guarda compartilhada (SEC 5.635/DF).
[11] “Tendo a sentença estrangeira determinado a incidência cumulativa, sobre o débito principal, de correção monetária e variação cambial, se mostra inviável a homologação parcial da sentença para extirpar apenas a incidência da correção monetária. A condenação, composta de um valor principal, acrescido de correção monetária e variação cambial, compreende um único capítulo de mérito da sentença, não sendo passível de desmembramento para efeitos de homologação. Como cada débito principal e o seu reajuste compõem um capítulo incindível da sentença, eventual irregularidade maculará integralmente a condenação, inviabilizando a sua homologação como um todo. Do contrário, estar-se-ia admitindo, por via transversa, a modificação do próprio mérito da sentença estrangeira, conferindo-se ao contrato uma nova exegese, diferente daquela dada pelo Tribunal Arbitral” (SEC 2.410/EX, Corte Especial, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, j. 18.12.2013, DJe 19.02.2014).
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