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A Educação para Direitos e a Formação da Cidadania
Nathaly Campitelli Roque
17/04/2018
Na clássica obra Acesso à justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth concluíram que um dos obstáculos ao acesso à justiça é a não aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa. Essa barreira, consistente na falta de conhecimento jurídico básico, afetaria toda a população e tornaria todos mais vulneráveis nas diversas relações jurídicas que travam em suas vidas cotidianas.
Assim, ao realizar um contrato, por exemplo, mesmo um consumidor informado não sabe diferenciar uma prática abusiva de uma prática permitida no mercado de consumo. Ou um idoso sequer tem ciência do seu direito à plena assistência pública.
É a difusão do conhecimento jurídico básico que possibilita o exercício de tais direitos aos brasileiros e estrangeiros que estão no País. E, quanto mais recente a categoria do direito, maior é a necessidade de sua divulgação.
Tomemos como exemplo o Direito do Consumidor, amplamente divulgado à população por diversos canais. Ao se analisar o relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, verifica-se que a matéria mais levada aos Juizados Especiais Cíveis é justamente o Direito do Consumidor, responsável por 18,45% das causas pendentes no País[1].
Também é o Direito do Consumidor que motiva a busca por soluções não judiciais nos Procons, nas ouvidorias privadas e públicas e nas agências reguladoras. Criou-se inclusive a prática de reclamações pela mídia (em sites como o “Reclame Aqui”), cuja eficácia decorre da repercussão negativa dos danos ao consumidor.
O mesmo pode se constatar com a divulgação de um maior número de direitos. Diante de tal objetivo, têm ganhado corpo programas desenvolvidos por diversas instituições, como universidades e associações, de divulgação de direitos. Veja-se, por exemplo, a iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais, chamada “Direito na Escola”, que visa à propagação dos conhecimentos jurídicos básicos a adolescentes por intermediadores devidamente qualificados para tanto. Note-se também o surgimento de interesse do mercado editorial por obras jurídicas voltadas à população, redigidas de forma simples e didática.
Ao conceder conhecimento jurídico básico, possibilita-se diminuir a vulnerabilidade da população nas relações cotidianas; permite-se que se possa negociar em qualquer âmbito com um grau maior de equilíbrio, tornando a negociação mais transparente e contribuindo para a prevenção de litígios; faz que as expectativas sobre o papel do Estado e das instituições sejam mais claras, evitando-se até mesmo a litigância por direitos não garantidos pelo ordenamento brasileiro. Ou seja: dá-se clareza do que se proporciona em matéria de direitos à população, tanto em suas relações particulares como públicas.
Não devemos, porém, temer que a difusão do conhecimento jurídico na sociedade cause uma maior oneração do Poder Judiciário, já bastante assoberbado. Nesse ponto, também os números dão uma percepção mais exata do assunto. Em um estudo divulgado em 2009 (e disponível no site do CNJ), o IBGE constatou que a busca pelo Poder Judiciário é a última opção para a solução dos conflitos, utilizada apenas se a divergência não é resolvida extrajudicialmente.
Se não é viável garantir a total paridade de armas entre duas pessoas envolvidas em uma relação jurídica, ao menos possibilita-se que qualquer delas possa procurar apoio qualificado para suas dúvidas. E, ao aproximar a população da advocacia, coloca-se em prática seu papel social de apoiar a população no pleno exercício de seus direitos.
[1] Soma entre o tema “responsabilidade do fornecedor – dano moral” e “responsabilidade do fornecedor – dano material” – relatório “Justiça em Números” – ano-base 2017.
Veja também:
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