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Perdas e ganhos – O Código Florestal e a palavra final do Supremo Tribunal Federal
Gabriel Lino
14/03/2018
Assistiu-se na última semana ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das ações que discutiam a constitucionalidade da Lei 12.651/2012, que instituiu o Novo Código Florestal brasileiro.
Trata-se das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 42.
O julgamento iniciara-se em novembro de 2017 com o voto do relator Min. Luiz Fux e avançou especialmente nas sessões de 21.02 e 22.02.2018, concluindo-se na sessão de 28.02 com o derradeiro voto do Min. Celso de Mello e a proclamação do resultado pela Presidente Min. Carmen Lúcia.
Foi, sem dúvida, um julgamento de suma importância para o Direito Ambiental brasileiro, ocasião em que se solucionaram várias controvérsias estabelecidas acerca de dispositivos da lei florestal.
Com relação à grande maioria dos dispositivos questionados, o Tribunal afastou as arguições reconhecendo a validade dos dispositivos atacados.
Para além do debate mais evidente, aquele em que se opõem as visões sustentadas por ambientalistas e ruralistas, e para além das opiniões que se pudessem defender, de um e de outro lado, o julgamento evidencia dois aspectos bastante relevantes e, de certo modo, preocupantes.
O primeiro aspecto revelado pelo julgamento reside na evidente dificuldade que se constata no exercício das funções judicantes dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, de quem se exige um conhecimento amplo, aprofundado e refletido sobre uma enorme variedade de matérias jurídicas, muitas vezes influenciadas ainda pelo conhecimento de outras ciências.
Veja-se que um Ministro do STF que desempenhe de modo eficiente suas funções deve ter um conhecimento tal que lhe permita tomar decisões de importância fundamental em áreas como o Direito Administrativo, o Direito Previdenciário, o Direito Contratual Privado, o Direito Penal, o Direito Ambiental etc.
Não se despreza que os Ministros possuem ampla assessoria, um quadro presumidamente qualificado de pessoas a lhes auxiliar em suas funções.
No entanto, o fato é que a palavra final sobre esses inúmeros temas que afetam a vida dos cidadãos está mesmo submetida à decisão de 11 Ministros, que não podem se negar a oferecer resposta às questões apresentadas ao Tribunal.
É bastante improvável que um profissional possa ter esse conhecimento – amplo, profundo e refletido – sobre tantas matérias.
Isso se mostrou no julgamento do Código Florestal quando se observou afirmação enfática de alguns Ministros no sentido de que não havia no Código qualquer anistia de obrigações de reparação de danos ambientais. Sustentou-se – por mais de uma vez e por mais de um Ministro – que a anistia verificada no Código atingia apenas as sanções administrativas e criminais e que em nenhum momento se constatava anistia de obrigações civis de reparar os danos ambientais.
Omitiu-se assim que a sistemática do Código é exatamente esta, a de anistiar uma série de obrigações, por exemplo, por meio do conceito legal de áreas rurais consolidadas e da disciplina excepcional aplicável a elas (v. arts. 61-A, 67 e 68 do Código Florestal).
O segundo aspecto que se deve destacar – e mesmo lamentar – é o desprezo – ou menosprezo – com que o Tribunal tratou a natureza interdisciplinar do Direito Ambiental.
O Direito Ambiental é, por natureza, interdisciplinar, porque deve se valer, em sua construção e em sua aplicação, dos conceitos, teorias e conhecimentos desenvolvidos em outros campos das ciências.
Sem dúvida, o Direito Ambiental se socorre de conhecimentos oriundos da Ecologia, da Biologia, da Geologia, da Botânica, da Geografia, entre outras ciências.
Já que a natureza preexiste à lei, é imprescindível que se reconheça e se respeite o que a ciência revela sobre o meio ambiente, sobre seu modo de ser e sobre as exigências de sua proteção.
É necessário que assim seja para que se cumpra a diretriz protetiva identificada no art. 225 da Constituição Federal.
Como já verificado em outros casos, também no julgamento do Código Florestal a voz da ciência não foi ouvida, muito embora o STF tenha recebido inúmeras manifestações de cientistas, em especial por ocasião das audiências públicas realizadas no ano de 2017.
Questões como o marco inicial das APPs de cursos d’água a partir do leito regular, como a definição insuficiente das APPs de reservatórios artificiais anteriores a 2001, como o regime excepcional das áreas rurais consolidadas em APPs, ou ainda como o plantio de espécies exóticas na recomposição da área de reserva legal, todas elas decididas como válidas (constitucionais) pelo STF, são exemplos da postura supramencionada.
Em vez de atentar às revelações científicas, acabou o STF por incorrer no equívoco reducionista de supor que estava ali formulando uma escolha entre duas opções políticas: proteção ambiental e desenvolvimento econômico.
Ignorou que “o conceito de desenvolvimento transcende, substancialmente, a ideia limitada de crescimento econômico”[1] e que o próprio Tribunal já reconhecera que desenvolvimento sustentável só pode ser “crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras”[2].
Não convém adotar agora um discurso alarmista, já que a ordem jurídica posta é já amplamente conhecida – além de chancelada pelo STF – e deve ser seriamente aplicada, para que se garanta um mínimo de proteção de nossos recursos florestais.
Em contrapartida, porém, não se pode ignorar que as decisões do STF sobre os institutos de nosso direito florestal trarão consequências concretas ao meio ambiente, que certamente não é imune às ações humanas.
Encerrado debate no mundo do dever ser, a possibilidade, agora concreta, de se exigir a ação humana e a chancela do Estado num ou noutro sentido com base nas disposições da lei trará seus efeitos ao mundo real.
Um dispositivo de lei mais permissivo, considerado válido pelo STF, visto como ganho a curto prazo pelo setor produtivo, pode se mostrar uma grande perda em médio ou longo prazo. O inverso também é verdadeiro.
O problema é que toda a sociedade sofre esses efeitos, e não somente o setor produtivo.
O futuro mostrará, então, o que é perda e o que é ganho na decisão do STF sobre a constitucionalidade da Lei