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Os Transexuais e o Direito ao Nome Social nas Campanhas Políticas

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13/03/2018

O nome é uma das formas com as quais nos apresentamos ao mundo. É um legado que, para o bem ou para o mal, nossos pais nos deixam e que deixamos para os nossos filhos. Dias antes de meu filho nascer, tínhamos acertado, a mãe e eu, o nome composto com o qual eu o registraria, seguido de apenas dois de nossos múltiplos sobrenomes. Às portas do cartório, hesitei. Por que deixar de homenagear aquele grande jogador português da Copa do Mundo de 1966 e acrescentar “Eusébio” aos dois nomes já combinados? Por que não marcar para sempre a vida do menino incluindo dois sobrenomes maternos e outros dois paternos, para que não houvesse nem 0,0001% de chance de homonimia? Todo filho é um príncipe para seu pai – pensei – e a realeza usa muitos sobrenomes…

Cumpri o combinado com a mãe, afinal, e o meu filho, quando informado desses meus devaneios, agradeceu-me por repeli-los.

Há pessoas que não gostam de seus nomes. Pode não existir nada de errado com eles, exceto muitas sílabas ou poucas, bem como a associação com episódios, realidades ou pessoas que não condizem com o modo como alguém se vê. As formas contratas, os diminutivos, os apelidos, que surgem de todos os modos, muitas vezes são adotados pela própria pessoa, utilizados e estimados mais do que o nome de registro. Temos um Brasil de “Zés”, “Jucas”, “Mabéis”, “Chicos” e “Aninhas”.

Então, se alguém resolve se candidatar a um cargo político, que nome deve usar?

A legislação eleitoral permite que o candidato opte. Ele pode, no pedido de registro, indicar como pretende ser registrado, pelo apelido ou o nome pelo qual é mais conhecido. Só não pode gerar dúvida em relação à sua identidade (“Dotore Néas” criava confusão com alguém bem mais conhecido), nem atentar contra o pudor (os “Cacetinhos” e a versão aumentativa tendem a ser indeferidos) nem ser demasiadamente ridículo ou irreverente (Lei n.º 9.504/1997, art. 12).

Ocorre que a pluralidade da condição humana faz que, por vezes, o nome de alguém represente situações que essa pessoa luta por superar. É o caso dos transexuais. São pessoas para quem a identidade de gênero é distinta daquela representada pela fisiologia corporal: são homens em corpos femininos, mulheres em corpos masculinos, independentemente da orientação sexual que possuam. Para elas, o nome dado no registro civil, convencionalmente ligado a um dos sexos, pode ser o oposto do que corresponde à autopercepção.

O nome, a identidade pessoal e sexual, o modo de se apresentar ao mundo e conduzir a vida são “direitos da personalidade” e, portanto, fundamentais. Desde que não causem dano efetivo ou potencial a terceiros, as decisões pessoais se colocam para além dos controles estatais, afirmando-se – em alguns casos, só com a maioridade – em opções que devem ser reconhecidas e protegidas pela comunidade política.

As eleições são o modo de legitimar o acesso a dois dos poderes da República: o Legislativo e o Executivo. Participar delas, como eleitor e, também, como candidato é exercer direito essencial para o cidadão, de escolher livremente seus representantes e sufragar as alternativas políticas que entende melhores.

Os transexuais, igualmente detentores de direitos políticos, viam-se alijados da disputa por terem que utilizar, na campanha e, principalmente, nas urnas, nome com o qual não se identificam. Embora a lei permita, o uso do “apelido ou nome pelo qual é mais conhecido”, a necessidade de apresentação dos documentos originais, eram um estorvo. Esses documentos precisam ser levados ao pedido de registro da candidatura para verificar se o candidato não é “ficha suja”, ou seja, inelegível. Havia também certo conservadorismo ao vetar nomes associados a gênero diferente daquele constante no registro.

Esse trecho eleitoral era parte de um problema maior. Poderia o transexual obter alteração no registro civil sem necessidade de provar, com atestados médicos, sua condição? Poderia ele passar a registrar-se como “ela”, ou vice-versa, sem procedimentos medicamentosos ou cirúrgicos de transgenitalização?

Há algo errado quando a autopercepção de gênero, incapaz de causar danos, potenciais ou efetivos, a terceiros, só ganhe credibilidade quando confirmada em consultórios e hospitais.

A novidade é que num mesmo e auspicioso dia, 1.º de março de 2018, dois dos tribunais mais importantes do País deram sua contribuição para a mudança dessa situação. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.275, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a alteração do registro civil pode ser feita, pelo transexual, independentemente de qualquer tratamento ou cirurgia. O artigo 58 da Lei n.º 6.015/1973[1], dos Registros Públicos, deve receber interpretação conforme à Constituição e ao Pacto de São José da Costa Rica para permitir a alteração sem necessidade de autorização judicial. Basta ir ao cartório de registro civil. Por sua vez, o Tribunal Superior Eleitoral, julgando uma consulta que lhe foi dirigida[2] (a Justiça Eleitoral é o único ramo do Judiciário que responde consultas), decidiu que o nome social pode ser utilizado nas campanhas eleitorais e na urna eletrônica (nesse caso, sem necessidade de alteração do registro civil).

O transexual poderá concorrer com seu nome às eleições e, conforme preconizamos, com todas as exigências e vantagens próprias de seu gênero autopercebido. A mulher transexual poderá integrar a quota feminina de candidatos proporcionais que a lei exige (30%[3]) e, pela mesma razão, um homem trans não poderá.

Falta muito para alcançar a plena igualdade de todos e todas nas eleições. Partidos Políticos podem ser preconceituosos e parte da sociedade brasileira ainda o é. A democracia deve permitir, entretanto, que todos disputem, exceto, claro, se, em razão da sua vida pregressa e da proteção à moralidade para o exercício dos cargos, conforme a Lei da Ficha Limpa, forem inelegíveis.

Democracia não combina com preconceito.


[1] “Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.  Parágrafo único. A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público.”
[2] Consulta n.º 060293392
[3] Lei 9.504/1997, art. 10, § 3.º.

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