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STF: Delações premiadas, contradições e insegurança jurídica
José dos Santos Carvalho Filho
22/01/2018
O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país e, por isso, assume papel de relevo entre as instituições republicanas. Não à toa, a Constituição reserva a esse tribunal a competência precípua de guardá-la e o desempenho de várias funções fundamentais no campo judicial (art. 102, CF).
Todavia, em dias atuais, a sociedade, de modo geral, tem encarado a nobre função do STF com algum descrédito e, usualmente, com muita incompreensão, o que é fruto de vários fatores que vêm assolando a Corte – para tristeza daqueles que sempre lhe dispensaram o merecido respeito.
Uma das grandes contradições da Corte, só compreendida diante de evidentes dissidências internas, diz respeito à sua posição diante de acordo firmado em decorrência de um dos casos de delação premiada (ou colaboração premiada, como diz a lei) relacionada à operação lava-jato.
A Lei nº 12.850, de 2.8.2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o respectivo procedimento criminal, assim dispôs no capítulo relativo à colaboração premiada:
“Art. 4º – ……………………………………………………………………
…………………………………………………………………………………
6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.
8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.”
As linhas do instituto estão bem claras na disciplina legal. Primeiramente, o juiz, como órgão jurisdicional e equidistante do interesse das partes, não participa do processo de negociação do acordo de colaboração. Se a lei assim definiu o procedimento, os acordantes são livres para, em determinados limites, traçar as cláusulas do ajuste.
De outro lado, uma vez firmado o acordo, o termo que o formaliza deve ser remetido ao juiz para homologação. Quer dizer: na prática, o juiz figura como órgão chancelador do acordo – fato que sucede em outras situações processuais.
É claro que não pode haver condutas abusivas no processo de colaboração. Assim, cabe ao juiz verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade; se houver violação desses requisitos, ao juiz caberá negar a homologação. Somente isso é o que está na lei.
Numa primeira análise, o STF decidiu – acertadamente, aliás – que o acordo de delação premiada só pode ser revisto se houver ofensa a algum dos citados requisitos. A relatoria coube ao Ministro Edson Fachin, mas dois pronunciamentos merecem realce.
O primeiro consta do voto do Ministro Celso de Mello, que peremptoriamente afirmou que o STF não pode recusar a homologação do acordo, quando inexistente qualquer irregularidade. O outro se aloja no voto do Ministro Roberto Barroso, para o qual a Corte deve cingir-se ao exame dos aspectos formais do ajuste, sem investir sobre questões de fundo.
Ou seja: o tribunal adotou as estritas linhas da lei.
Surpreendentemente, em hipótese posterior, o Ministro Ricardo Lewandowski, relator de outro processo da mesma natureza, decidiu, em despacho monocrático, de forma diametralmente oposta, determinando a devolução à PGR do acordo de colaboração para o fim de proceder-se a alterações de fundo.
Essa decisão contradiz a lei, é inoportuna e traduz antagonismo com a posição já adotada pelo STF. Tal função refoge à competência do tribunal. Na verdade, a lei não atribui tal competência à Corte, até porque, se o fizesse, a transformaria em parte atuante, quando, na realidade, não é.
Essa interferência do STF no processo de ajuste da colaboração retrata evidente deslealdade, porquanto indica surpresa em relação ao que fora acordado pelos verdadeiros participantes do processo. Em última instância, desnatura a fisionomia do ajuste e o propósito da lei.
Caberia indagar por que motivo um Ministro, ciente da posição da Corte, firmada em sua composição plena, resolve colocar-se monocraticamente em flagrante antagonismo à posição adotada de modo colegiado.
Seriam razões ideológicas ? Seria a necessidade de autopromoção ? Seria o propósito de “celebridismo” ? Seria o ressentimento pela falta de protagonismo ? Seja qual for, nada justifica esse destempero.
Não vamos considerar, nestas observações, a postura pessoal de alguns dos membros da Corte, nem as relações sociais conturbadas oriundas de sua atividade como órgão colegiado. Nem também as animosidades, invejas, intrigas, “celebridismos” e outros sentimentos menos puros, que não deveriam acometer os membros da Corte.
O problema é que a soma desses aspectos negativos acaba por culminar na prática de decisões contraditórias, provocando inevitavelmente insegurança jurídica na comunidade, fato que vulnera o princípio da proteção à confiança assegurado aos cidadãos.
Mas, acima de tudo, produz efeito de todo indesejável em se tratando da mais alta Corte do país: o descrédito da instituição perante os cidadãos. Nem a República, nem a democracia, merecem essa lamentável consequência.
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