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FINANCEIRO E ECONÔMICO
Diretrizes Orçamentárias da OCDE
Marcus Abraham
18/12/2017
O orçamento público como instrumento de planejamento, gestão e controle financeiro, que define e revela as políticas públicas a serem adotadas e implementadas pelo Estado para atender às necessidades da sociedade, há muito deixou de ser um documento meramente técnico e contábil, tornando-se instituto jurídico fundamental para qualquer nação fundada no Estado Democrático de Direito que busque o bem-estar dos seus integrantes.
A preocupação com a boa governança orçamental vem se espraiando pelo mundo todo diuturnamente. Em nossa coluna do mês passado, tivemos a oportunidade de apresentar os principais aspectos do Tratado firmado no seio da União Europeia, conhecido por “Pacto Orçamental Europeu”, que influenciou o ordenamento jurídico-fiscal dos seus signatários na busca pela sustentabilidade das finanças públicas.
Hoje, a Coluna Fiscal irá analisar as diretrizes orçamentárias recomendadas pelo Conselho de Governança Orçamental da OCDE, a partir da publicação em 2015 de um trabalho elaborado pelo “SBO – Working Party of Senior Bugdet Officials”, no qual são apresentados 10 princípios orçamentários, com o objetivo de orientar as boas práticas sobre toda a atividade orçamentária, provendo os gestores públicos de instrumentos para aprimorar os seus sistemas orçamentários, visando causar um impacto positivo na vida dos cidadãos.
A OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – é uma organização internacional fundada em 1961, com sede em Paris e integrada por 35 países, cuja missão, segundo a própria organização, é a de “promover políticas que aperfeiçoem o bem-estar econômico e social das pessoas ao redor do mundo”. Além dos países-membros, a OCDE conta com a participação de uma série de Estados na condição de observadores ou participantes de suas comissões, grupos de trabalho, regimes ou programas.
A OCDE promove diálogos entre governos no sentido de dividir experiências e procurar soluções para problemas comuns, por meio da investigação das situações que movem as mudanças econômicas, sociais e ambientais; da mensuração da produtividade e fluxos globais de comércio e investimentos; da análise e comparação de dados para prever tendências futuras; bem como do estabelecimento de padrões e recomendações em uma grande gama de temas, que vão desde a agricultura à tributação, inclusive opinando sobre a saúde das finanças públicas como base para um crescimento econômico sustentável.
Nos termos da referida publicação de 2015, o orçamento é um documento de política central do governo, que mostra como anual e plurianualmente os objetivos serão priorizados e alcançados. Paralelamente a outros instrumentos de política governamental – tais como leis, regulamentos e ações conjuntas com outros atores da sociedade -, o orçamento visa transformar planos e aspirações em realidade. Mais do que isso, o orçamento é um contrato entre cidadãos e Estado, apresentando como os recursos são obtidos e alocados para a entrega de serviços públicos. A experiência dos últimos anos, em nível internacional, demonstra a forma como um bom orçamento é apoiado pela sociedade, desde que baseado nos pilares de governança pública moderna: transparência, integridade, abertura, participação, responsabilidade e planejamento para atingir os objetivos.
Neste contexto, segundo a OCDE, o escopo destas recomendações é reunir as lições de mais de uma década de trabalho do SBO, juntamente com as contribuições e observações do Comitê de Governança Pública, bem como aquelas da comunidade internacional em matéria de orçamento, fornecendo uma visão geral e concisa das boas práticas em toda o espectro da atividade orçamentária, especificando, em particular, os dez princípios de boa governança orçamentária que oferecem orientação clara para projetar, implementar e melhorar os sistemas orçamentários.
Assim, os referidos “10 princípios orçamentários” materializados por recomendações estabelecidas pela OCDE podem assim ser sintetizados: 1. Gerenciar os orçamentos dentro de limites claros, credíveis e previsíveis para a política fiscal; 2. Alinhar os orçamentos com as prioridades estratégicas de médio prazo do governo; 3. Conceber o quadro de orçamento de capital para atender às necessidades nacionais de desenvolvimento de forma econômica e coerente; 4. Assegurar que os documentos e dados do orçamento sejam abertos, transparentes e acessíveis; 5. Proporcionar um debate inclusivo, participativo e realista sobre as opções orçamentais; 6. Apresentar uma contabilidade abrangente, precisa e confiável das finanças públicas; 7. Planejar, gerenciar e monitorar a execução do orçamento ativamente; 8. Certificar que o desempenho, a avaliação e a relação custo-benefício sejam partes integrantes do processo orçamentário; 9. Identificar, avaliar e gerenciar com prudência a sustentabilidade a longo prazo e outros riscos fiscais; 10. Promover a integridade e a qualidade das previsões orçamentais, planos fiscais e implementação orçamentária através de uma rigorosa garantia de qualidade no processo, incluindo auditoria externa independente.
Segundo a recomendação nº 1, os orçamentos públicos deverão: a) possuir mecanismos e procedimentos para apoiar, de maneira prudente, os governos na implantação de políticas econômicas cíclicas neutras ou anticíclicas; b) estar comprometidos com uma política fiscal sólida e sustentável; c) possuir regras fiscais claras, verificáveis e compreensíveis pelo cidadão; d) aplicar a gestão orçamentária com recursos para cada ano, considerando um horizonte fiscal de médio prazo, e com metas orçamentárias globais para assegurar que todos os elementos das receitas, despesas e políticas econômicas sejam consistentes e gerenciados em conformidade com os recursos disponíveis.
De acordo com a recomendação nº 2, os orçamentos públicos deverão: a) desenvolver um processo orçamentário mais sólido de médio prazo, além do tradicional ciclo anual; b) estruturar as dotações orçamentárias de forma que correspondam prontamente aos objetivos nacionais; c) reconhecer a possível utilidade de um quadro de despesas no médio prazo, alinhado com as restrições orçamentais anuais; d) possuir previsões realistas de despesas, sendo correspondentes com os objetivos e planos estratégicos nacionais; e) estreitar a relação entre a autoridade orçamentária e as instituições governamentais, dadas a interdependência entre o processo orçamentário e a realização de políticas governamentais; f) implementar processos regulares de revisão e ajustes orçamentários.
Conforme a recomendação nº 3, os orçamentos públicos deverão: a) considerar os planos de investimento de capital para suprir as lacunas de capacidade econômica, desenvolvimento de infraestrutura e das necessidades e prioridades setoriais e sociais; b) realizar uma avaliação prudente dos custos e benefícios de tais investimentos no longo prazo, conforme a prioridade entre vários projetos; c) avaliar as decisões de investimento, seja através da obtenção de capital tradicional ou de um modelo de financiamento privado, como as parcerias público-privadas; d) estimular o desenvolvimento de um quadro nacional de apoio ao investimento público, com capacidade de avaliar e gerenciar os grandes projetos de capital, dotado de um estatuto jurídico, administrativo e regulatório estável; e) coordenar os planos de investimento entre níveis nacionais e subnacionais de governo; f) integrar o orçamento de capital dentro do plano fiscal geral de médio prazo do governo.
Pela recomendação nº 4, os orçamentos públicos deverão: a) possuir e apresentar relatórios claros e reais, dotados de apresentação e explicação dos impactos das medidas orçamentárias, tanto nas receitas como nas despesas públicas; b) ser rotineiramente publicados de maneira completa e conferir amplo acesso ao cidadão, organização civil e demais partes interessadas; c) adotar demonstrações de dados que permitam a avaliação de programas e coordenação de políticas em níveis nacionais e subnacionais de governo.
Seguindo a recomendação nº 5, os orçamentos públicos deverão: a) oferecer oportunidades para que o parlamento e seus comitês se envolvam com o processo orçamentário em todas as principais fases do ciclo orçamental; b) facilitar o envolvimento dos parlamentares, dos cidadãos e das organizações da sociedade civil no debate das questões orçamentárias; c) proporcionar clareza sobre os custos e benefícios relativos às despesas públicas, seus programas e renúncias fiscais; d) assegurar que as principais decisões sejam tomadas dentro do processo orçamentário.
Para atender a recomendação nº 6, os orçamentos públicos deverão: a) contabilizar, de forma abrangente e correta, todas as despesas e receitas, sem que haja omissão de dados; b) apresentar uma visão panorâmica e completa das finanças públicas, abarcando todos os níveis de governo e a área central e subnacional; c) possuir uma contabilidade de forma que se demonstrem os custos e benefícios financeiros das decisões de orçamento; d) adotar um modelo compatível com as normas contábeis do setor privado; d) evidenciar os programas públicos que são financiados por meios não tradicionais, como parcerias público-privadas.
Visando cumprir a recomendação nº 7, os orçamentos públicos deverão: a) ter a plena e fiel realização das dotações orçamentárias pelos respectivos órgãos públicos; b) possuir controles e monitoramento dos desembolsos de caixa, com uma clara regulamentação dos papéis, responsabilidades e autorizações de cada instituição e pessoa responsável; c) permitir, ainda que de maneira limitada, alguma flexibilidade à execução orçamentária, sempre dentro dos limites de autorizações parlamentares, sendo necessária autorização legislativa para a realocação de recursos e reafetações mais significativas; d) elaborar relatórios de execução orçamentária, dentro de um modelo de prestação de contas que evidencie o desempenho e a relação de custo-benefício, para informar futuras dotações orçamentárias.
Para dar efetividade à recomendação nº 8, os orçamentos públicos deverão: a) ajudar o parlamento e os cidadãos a entender não apenas o que está sendo gasto, mas os serviços públicos que estão realmente sendo entregues, incluindo os níveis de qualidade e eficácia; b) apresentar rotineiramente informações de desempenho relativas às dotações financeiras, com indicadores de resultado e de metas para cada programa, permitindo a fiscalização e responsabilização; c) permitir a comparação dos resultados com padrões (benchmarks) internacionais; d) realizar um balanço periódico das despesas com os respectivos objetivos e prioridades, levando em consideração os resultados de avaliações.
A fim de ser implementada a recomendação nº 9, os orçamentos públicos deverão: a) adotar mecanismos para promover a manutenção dos planos orçamentários e mitigar o potencial impacto dos riscos fiscais e, assim, promover um desenvolvimento estável das finanças públicas; b) identificar, classificar e quantificar os riscos fiscais, incluindo passivos contingentes; c) explicitar os mecanismos de gestão desses riscos; d) publicar um relatório sobre a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas.
Por último, conforme a recomendação nº 10, os orçamentos públicos deverão: a) investir continuamente nas habilidades e capacidade do pessoal administrativo para desempenhar suas funções orçamentais de forma eficaz; b) permitir a criação e participação de instituições fiscais independentes para realizar o exame imparcial e conferir credibilidade ao orçamento; c) reconhecer e facilitar o papel da auditoria interna independente como uma salvaguarda da integridade dos processos orçamentários e da gestão financeira; d) promover o papel dos sistemas de controle interno e externo na auditoria fiscal.
Nas palavras da OCDE, o orçamento público é uma pedra angular na arquitetura da confiança entre os Estados e seus cidadãos. Embora ainda não seja integrante da OCDE, recentemente o Brasil formalizou sua solicitação de ingresso nesta importante organização internacional e, para tanto, talvez fosse um eficaz “cartão de visitas” e operosa demonstração de boas intenções incorporar ao processo orçamental brasileiro tais recomendações, garantindo que a governança orçamentária seja uma das medidas que possa realizar uma significativa transformação social.
Veja também:
- O Pacto Fiscal Europeu e a experiência portuguesa
- Indesejável Guerra Fiscal e a LC 160/2017
- A função parlamentar no orçamento e o déficit democrático
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