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Decadência para Tomada de Contas pelo TCU
José dos Santos Carvalho Filho
25/09/2017
Várias questões têm sido suscitadas a respeito da incidência da prescrição (ou decadência) no que tange à atuação do TCU – Tribunal de Contas da União e, por via de consequência, às demais Cortes de Contas, todas elas titulares das competências previstas no art. 71, da Constituição.
Pode-se até mesmo afirmar que há uma inclinação no sentido de afastar a prescrição relativamente a alguns atos desses tribunais, embora semelhante tendência não se compatibilize com o sistema geral da prescritibilidade, fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas, em que, somente por exceção, se devem admitir situações jurídicas insuscetíveis de sofrer os efeitos do tempo.
De nossa parte, entendemos que os atos desses tribunais devem estar sujeitos à prescrição (rectius: à decadência) quando ultrapassado o prazo dentro do qual devem ser praticados. Entre vários fundamentos, pode ser realçado, primeiramente, o fato de que os tribunais de contas produzem atividade administrativa, por mais relevantes que sejam as suas funções. E essa atividade não pode deixar os administrados em estado perpétuo de indefinição e pendência.
De outro lado, é inaceitável que os atos de sua competência somente sejam praticados nas calendas, com atrasos injustificáveis e inteiramente ofensivos ao princípio da eficiência e da segurança jurídica. De fato, não é cabível que o administrado ou o agente público fiquem à mercê da boa vontade dos órgãos dos TCs para que tomem conhecimento de suas dilargadas manifestações de vontade. Realmente, soa como total absurdo.
Ao contrário, deveria – isto sim – haver a preocupação em identificar de onde se originou a desídia para o exercício das funções constitucionais, bem como os agentes que devem ser responsabilizados pela eventual omissão, aos quais têm que ser imputados atos de improbidade administrativa, com a aplicação da Lei nº 8.429/1992. Isso seria tratar o problema com a desejada seriedade.
Em se tratando de Estado, um dos casos excepcionais de imprescritibilidade protetiva, aquela instituída pelo sistema para blindar o interesse público contra atos vulneradores, é o previsto no art. 37, § 5º, da CF, que estabelece: “§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
O texto, sem dúvida, da forma como foi redigido, oferece mais de uma interpretação; daí as polêmicas que tem ensejado. Mas, de acordo com caudalosa corrente, o Constituinte pretendeu proteger o erário, assentando ser imprescritível a ação de ressarcimento de danos. Com isso, não importa o tempo decorrido: verificado o dano aos cofres públicos, sempre será oportuno promover a ação ressarcitória.
Não obstante, fora essas situações peculiares, não se pode proteger a inércia dos administradores. Ao contrário, deve ela ser coibida através de rigorosa fiscalização por parte dos agentes controladores. Afinal, deve ter-se em conta que a posição de inércia representa visível ofensa ao interesse público, uma vez que a função dos agentes administradores deixa de ser executada.
Exemplo de decisão digna de aplausos foi a proferida pelo STJ, relativamente ao procedimento de tomada de contas que o TCU pretendia adotar contra ex-gestor público municipal, para o fim de exigir-lhe a comprovação da regular aplicação de verbas federais alocadas ao Município. (1)
A Corte, primeiramente, distinguiu, com grande precisão, as hipóteses (1) de deflagrar um procedimento administrativo, de um lado, e (2) de promover ação de ressarcimento, de outro. Neste último caso, a pretensão é o ressarcimento, sendo que as provas cabem diretamente ao ente público. Na primeira hipótese, contudo, a pretensão é a de convocar o agente para que este ofereça a produção das provas sobre o emprego das verbas, o que traduz atividade meramente administrativa.
É certo que não há norma expressa que indique o prazo dentro do qual deve o TCU iniciar o processo de tomada de contas especial, quando não há o devido processo de prestação de contas por parte do responsável pela gestão das verbas federais alocadas. O art. 8º da Lei nº 8.443/1992 diz apenas que as providências devem ser tomadas de imediato quando houver falta de comprovação do emprego dos recursos.
O ponto inicial da questão diz respeito à admissibilidade ou não da decadência, ou seja, do direito de o TCU instaurar o processo de tomada de contas. Essa questão foi resolvida no sentido de que a pendência para a instauração da tomada de contas não pode ser perpétua, deixando pessoas em estado permanente de instabilidade. Além do mais, como se disse, não se trataria de verificação direta de prejuízo ao erário, mas sim na exigência de prestação de contas. Portanto, admitiu-se a decadência.
A segunda observação, decorrente dessa primeira, relacionou-se ao prazo em que deveria dar-se a decadência administrativa. De um lado poder-se-ia aplicar o art. 205 do Código Civil em virtude da omissão legal expressa: “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.
Numa outra vertente, considerando que vários diplomas legais fixam o prazo de 5 anos, em similaridade com o prazo quinquenal em favor da Fazenda, previsto no Decr. 20.910/1932, entende-se que esse também deve ser o prazo quando o titular da ação ou pretensão é o Poder Público.
Nesse aspecto, considere-se principalmente a Lei nº 9.784/1999, que, como regra geral, estabelece o prazo de 5 anos: “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. No caso, aplicar-se-ia essa norma por analogia, como elemento de integração normativa.
Esse último foi o critério adotado pelo STJ. Mas, a nosso ver, mais importante do que o próprio prazo foi a decisão no sentido da admissibilidade da decadência administrativa para instaurar o processo de tomada de contas, evitando a perenidade dessa indefinição. Significa que, verificada a necessidade de exigir a comprovação de contas por gestores públicos, deve o processo iniciar-se no prazo de 5 anos após essa verificação – prazo mais que suficiente para essa finalidade. Ultrapassado o prazo, ficará o TCU impedido de impor essa exigência.
Vale a pena aduzir que, mesmo tendo ocorrido a decadência, nada impedirá que o ente público, se constatado eventual prejuízo, promova a ação de ressarcimento contra o gestor, ou responsável, visando ao restabelecimento do erário.
NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) STJ, REsp 1.480.350, Min. Benedito Gonçalves, j. 5.4.2016.
(2) Art. 54.
Veja também:
- A eficácia da norma superveniente no Mandado de Injunção
- Competência do município para legislar sobre Meio Ambiente
- Crueldade com Animais: Retrocesso da EC 96/2017
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