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Competência do município para legislar sobre Meio Ambiente

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José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

28/08/2017

Não raras vezes surge alguma controvérsia sobre a competência do Município para legislar sobre meio ambiente, e isso porque a Constituição nem sempre é inteiramente precisa quanto ao microssistema de distribuição de competências, a despeito do extenso rol das atribuições constitucionais.

Sob o aspecto da natureza da atividade, o regime constitucional comporta duas categorias básicas de competências: de um lado, a competência legislativa (arts. 22 e 24, CF) e, de outro, a competência administrativa (arts. 21 e 23, CF). Na primeira, como é óbvio, o ente federativo está autorizado a promulgar leis e atos análogos; na segunda, executa funções tipicamente administrativas. (1)

Além desse enfoque, é possível identificar as competências em função da quantidade de entes federativos que as exercem. Então, temos a competência privativa (ou exclusiva), assim entendida como “aquela conferida a determinada entidade que a exerce em toda sua plenitude”, como assinalou Kildare Gonçalves de Carvalho (2), e a competência concorrente (ou comum), para a qual concorrem duas ou mais entidades. Esse é o microssistema, em resumo.

No que tange ao meio ambiente, a Constituição, no art. 24, inciso VI, registra a competência legislativa concorrente da União, Estados e Distrito Federal para dispor sobre “VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”.

Por outro lado, o art. 23, inciso VI, consigna a competência administrativa comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

Ora, a despeito da aparente contradição, uma interpretação primo ictu oculi poderia conduzir ao entendimento de que o Município não teria competência para legislar sobre meio ambiente, já que esse ente federativo não é mencionado no caput do art. 24. Em compensação, o ente municipal poderia apenas executar função administrativa, à luz do referido art. 23, VI, da CF, que o inclui entre as pessoas competentes.

Não obstante, essa não é a interpretação mais compatível com o microssistema de competências constitucionais. E por mais de uma razão. Em primeiro lugar, o art. 24 deve ser interpretado conjuntamente com o art. 30, que trata da competência do Município. Desse modo, a omissão no art. 24 quanto ao Município é superada pelas competências do art. 30, sobretudo as do art. 30, I e II – o primeiro inciso atribui ao Município competência para legislar sobre “assuntos de interesse local”, ao passo que o segundo confere atribuição de “suplementar a legislação federal e estadual no que couber”.

Numa outra vertente, urge considerar que a competência administrativa para a proteção do meio ambiente, prevista no art. 23, VI, da CF, pressupõe que o ente federativo seja dotado também da competência legislativa, até porque a função administrativa é subjacente à função legiferante.

Ademais, é imperioso entender que o “interesse local” a que se refere o art. 30, I, é aquele que representa o interesse predominante do Município, e isso porque “não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação”. (3) Por outro lado, não se pode esquecer que o princípio geral que dirige a distribuição de competências é o da predominância do interesse, como reconhece a doutrina. (4)

Bem observa Paulo Napoleão Nogueira da Silva que “a competência legislativa só incidirá sobre o Município enquanto não contrariar os princípios diretrizes da autonomia municipal e do interesse local, ou na inexistência de lei municipal sobre o assunto”. (5) Tal anotação dá bem a medida da capacidade legislativa do ente municipal em nosso regime federativo.

É forçoso reconhecer, todavia, que, apesar de o sistema apontar para a competência do Município quanto à legislação suplementar sobre meio ambiente, surgem algumas situações que acabam por gerar alguma hesitação quanto à predominância do interesse.

Um desses aspectos duvidosos consiste no controle da poluição. E isso ocorreu quando um Município aplicou multas pela poluição ao meio ambiente, causada pela emissão de fumaça por veículos automotores no perímetro urbano. A questão provocou alguma divergência.

De um lado, entendeu-se que a lei municipal seria inconstitucional, e isso porque se trataria de matéria sobre trânsito e transporte, da competência privativa da União, ex vi do art. 22, XI, da CF. De outro, porém, sustentou-se que a lei municipal era legítima e constitucional, porquanto tratava de matéria de evidente interesse local, o que estaria respaldado pelo art. 30, I, da CF.

Sobre o tema, o tribunal de justiça local já considerara constitucional a lei municipal, e o STF consolidou esse entendimento, esclarecendo que o interesse local não podia afastar o Município de seu poder legiferante, até porque este é que sinalizaria no sentido da sua autonomia. (6) Para demonstrar a hesitação interpretativa, contudo, lembre-se que, nessa decisão, houve três votos vencidos.

Em nosso entendimento, o STF julgou com absoluto acerto e em clara consonância com a Constituição. Se o art. 23, VI, atribui ao Município a função de promover a defesa do meio ambiente, e se o art. 30, I, lhe dá atribuição para legislar sobre matéria de interesse local, parece inafastável que, numa interpretação conjugada, o ente municipal possa legislar sobre a matéria, suplementando a legislação federal e estadual.

Por outro lado, ninguém, em sã consciência, pode duvidar quanto ao fato de que a poluição do meio ambiente atinge mais diretamente as populações locais, e é nesse aspecto que prevalece a competência para legislar sobre matéria de “interesse local”, assegurada, no art. 30, I, da CF, ao Município.


NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de direito constitucional brasileiro, Malheiros, 20ª ed., 2002, p. 495.
(2) KILDARE GONÇALVES DE CARVALHO, Direito constitucional didático, Del Rey, 3ª ed., 1994, p. 248
(3) GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, Saraiva, 4ª. Ed., 2009, p. 872.
(4) ALEXANDRE DE MORAES, Direito constitucional, Atlas, 12ª ed., 2002, p. 287.
(5) PAULO NAPOLEÃO NOGUEIRA DA SILVA, Comentários à Constituição Federal de 1988, Coord. Paulo Bonavides et alii, Forense, 2009, p. 570.
(6) STF, RE 194.704, Rel. Min. Edson Fachin, julg. 29.6.2017.

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