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Genival Veloso de França

Genival Veloso de França

11/08/2017

Já circulam em nossas casas legislativas federais alguns projetos permitindo armazenar material genético humano em banco de dados de suspeitos, indiciados ou autores de crimes mais graves e que tenham seu DNA disponibilizado às autoridades que conduzem o Inquérito Policial. Há até quem proponha que não apenas autores de crimes hediondos devam ser submetidos a esse tipo de coleta, pois “poderia soar discriminatório e muito restritivo”. Acham que essa coleta poderia ser mais ampla e que seria interessante estudar, em conjunto com parlamentares, a possibilidade de se ter uma implementação em perspectiva mais ampla, pois acreditam que “tudo que contribua para elucidação de crimes, que contribua para a redução da impunidade no país, é bem-vindo”. Acreditamos que, se conseguirem estender a coleta do perfil genético a toda  população, a partir daí todos os cidadãos brasileiros, desde seu nascimento, serão tratados como criminosos em potencial.

Para muitos esse projeto é inconstitucional a partir da coerção para se obterem aquelas amostras, pois ninguém está obrigado a fornecer, numa investigação criminal que se inicia, material orgânico que possa fazer prova em seu desfavor. Na realidade, a Convenção de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em 1969, pontificou em seu artigo 8.º que ninguém é obrigado a “depor contra si mesmo nem confessar-se culpado”. A Constituição Federal segue essa mesma linha.

Em tese, o que se discute não é o uso adequado do perfil genético de um indivíduo numa investigação criminal, mas a sua guarda em um banco de dados que permanecerá até terminar o prazo de prescrição do crime atribuído ao identificado. Assim, por exemplo, se alguém foi acusado de crime de homicídio, seu material genético ficará armazenado por, no mínimo, 20 anos.

Como se deve proceder quando o indivíduo, alvo desse método de armazenamento, não aceitar ou resistir à coleta do material orgânico? Constrangê-lo pela força bruta? Há um dos textos já aprovados numa das casas legislativas admitindo que os investigados por crimes violentos ou hediondos sejam “obrigatoriamente” identificados por meio da coleta de material genético mediante “técnica adequada e indolor”.

Dizer-se também que o indivíduo não está obrigado a fornecer provas contra si mesmo, mas, a exemplo da prova de paternidade considerar a recusa como uma confissão de culpa, isso não é de todo correto, pois, para admitir tal paternidade, o julgador deve se convencer com outras provas convincentes dentro do processo.

Muitos até chegam a propor um banco de dados de DNA não apenas para os cidadãos brasileiros e estrangeiros naturalizados mas também para os portadores de visto de permanência em nosso país, mesmo que para tanto se alterassem algumas garantias constitucionais. Isto para seus defensores “traria soluções não só para crimes, mas para outros tipos de problema”.  Não esquecer, no entanto, que, quanto mais bancos de dados de perfis genéticos forem criados, maiores serão os riscos de violação do sigilo e do uso indevido das informações.

Mesmo que a sociedade exija das autoridades competentes meios e instrumentos de investigação mais eficientes na luta contra uma delinquência tão assustadora e progressiva, não se justifica a utilização de meios arbitrários e ilegais, que outra coisa não faria senão aumentar essa mesma violência.

Não se pode dizer também, como quem procura aliviar a consciência, que essa metodologia de armazenamento de dados seja apenas “uma leve ofensa ao direito de intimidade de um indivíduo em troca de uma série de ofensas que a sociedade tem sofrido”.

Na época da coleta do material genético, quando o indivíduo é ainda suspeito ou indiciado, faz-se com que a norma proposta permita a “punição por prevenção”. E ainda dá a entender ao investigado e à sociedade que as pessoas responsáveis por delitos mais graves estão sempre propensos ou na iminência de cometerem novos crimes. Incluir alguém suspeito em um banco de dados de DNA afronta o princípio da presunção da inocência.

Entidades defensoras dos direitos humanos discordam dessa política de retenção de material genético em bancos de dados. Foi assim que em 2008 o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu por unanimidade que a prática do Reino Unido de manter amostras genéticas de presos invade a privacidade do indivíduo e de sua família, e que parte considerável desses suspeitos, no final da apuração, tratava-se de pessoas sem qualquer culpa.

Há ainda aqueles que condenam até a prática de armazenamento do perfil genético a partir de amostras biológicas mesmo provenientes de provas encontradas no local do delito e que venham a ser incorporadas em uma base de dados para seu uso em outro tipo de investigação.


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