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A guerra fiscal do IPVA

IPVA

Tathiane Piscitelli

Tathiane Piscitelli

09/05/2017

Por Tathiane Piscitelli e L´Inti Faiad

Muitos brasileiros já vivenciaram a seguinte situação: residir em uma localidade, utilizar o veículo automotor adquirido no mesmo local e, tempos depois, passar a residir em outra cidade sem promover a transferência da placa de seu veículo para a nova residência.

À parte dos casos daqueles que não “regularizam” a situação, talvez por vicissitudes da vida cotidiana, é de conhecimento geral a existência de inúmeras empresas que emplacam seus automóveis em determinado Estado da federação, cujo IPVA é mais benéfico, e circulam com os veículos em localidade diversa: aumentam-se os congestionamentos e todas as externalidades negativas trazidas pelos carros, sem que haja a contrapartida do pagamento do imposto para o local onde efetivamente circulam e mantêm domicílio.

No dia 20 de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral da discussão relativa ao “local a ser pago o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, se em favor do Estado no qual se encontra sediado ou domiciliado o contribuinte, ou onde registrado e licenciado o veículo automotor cuja propriedade constitui fato gerador do tributo” (ARE 784.682/MG). Isso significa que a decisão a ser futuramente tomada pelo Supremo refletirá em incontáveis relações fático-jurídicas que se encaixam em tais premissas.

Em face da inércia legislativa, o Supremo mais uma vez toma as rédeas da situação e assume o papel de legislador positivo

Nas palavras do ministro Marco Aurélio, relator do caso, está em curso uma verdadeira guerra fiscal envolvendo o IPVA, ainda que esta envolva números bem mais modestos do que os relativos à batalha do ICMS.

Por mais que a questão transpareça, para alguns, discussão jurídica prosaica, o tema transborda os limites estanques do direito positivo e busca os liames fáticos das situações jurídicas. Há casos que chegam a ser “grosseiros”: imagine-se, hipoteticamente, uma empresa que possua cinco mil veículos em sua frota, todos emplacados em determinado Estado, mas que circulam, na prática, em outra unidade federativa.

A solução para tais situações, não obstante a complexidade fática da questão, seria relativamente simples. Nos termos da Constituição, todos os impostos devem ser disciplinados por normas gerais, editadas pela União na forma de leis complementares. O objetivo, aqui, é assegurar certa uniformidade na instituição e cobrança de tais exações, além de minimizar potenciais conflitos entre os entes da federação. Com o IPVA, não seria diferente: a Constituição exige uma lei complementar que lhe trace os contornos mínimos, tais quais fato gerador, base de cálculo e contribuintes. Em face dela e dos parâmetros ali estabelecidos, os Estados poderiam exercer sua competência para a criação do imposto.

Contudo, em que pese ter a Constituição mais de 25 anos, nosso ordenamento jurídico não possui tal norma para fins do IPVA. Como resultado, temos a chamada “competência legislativa plena” dos Estados: isso significa que cada ente federativo pode editar sua própria norma, estabelecendo o critério espacial do IPVA, independentemente de observar um padrão geral e uniforme. Nesse caso, cada Estado observa seu próprio interesse arrecadatório, sem se preocupar com o todo que a Federação representa.

Nesse contexto, em 2008, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 13.296, estabelecendo que o IPVA “será devido no local do domicílio ou da residência do proprietário do veículo neste Estado” (art. 4º) e que “em se tratando de veículo de propriedade de empresa de arrendamento mercantil (leasing), o imposto será devido no local do domicílio ou residência do arrendatário, nos termos deste artigo” (art. 4º, parágrafo 6º).

Tais dispositivos, por si só, denunciam o possível conflito do IPVA paulista com o de outros Estados: ao utilizar como critério a residência ou domicílio do contribuinte, pode-se ter o descolamento entre o local em que o veículo circula e aquele em que o bem foi licenciado, exatamente como ocorre no caso cuja repercussão geral foi reconhecida. Fica muito evidente a tentativa do Estado de São Paulo de barrar as fraudes que tão frequentemente se veem nas ruas de sua capital. Diversos dispositivos dessa lei são alvo da ação direta de inconstitucionalidade nº 4.376, pendente de julgamento. A depender de como o tema se encaminhe no Supremo, o julgamento da ação, que teve a repercussão geral reconhecida, poderá influenciar no resultado dessa ADI.

Temos hoje, portanto, um quadro que estimula não apenas a guerra fiscal que atualmente vivenciamos, como, também, esquemas fraudulentos de licenciamento de veículos. Ademais, um outro argumento que não deve se perder de vista é que, ainda que o IPVA seja um imposto estadual, 50% de sua arrecadação é destinada ao município no qual o veículo foi licenciado. Sendo assim, como coordenar determinações legais – tais quais as questionadas no Supremo – com a necessidade de se destinar receitas a esses municípios? Distanciar o local de recolhimento do imposto do município que promoveu o licenciamento certamente resultará em perda de autonomia financeira municipal, dado o menor repasse a tais localidades. Eis aqui um outro problema que se coloca no rodamoinho desta disputa e sobre o qual o Supremo não poderá se furtar de considerar ao tomar a decisão.

Reitere-se, portanto, a urgência de se resolver o tema por meio de medida legislativa: uma lei complementar da União que estabelecesse os critérios de incidência do IPVA daria conta de sanar todas as dificuldades e incongruências jurídicas que hoje se vivência em torno do tema. Entretanto, em face da inércia legislativa motivada pela dificuldade política da questão, o Supremo mais uma vez toma as rédeas da situação e assume o papel de legislador positivo.

Tathiane Piscitelli e L´Inti Faiad são, respectivamente, professora do mestrado profissional da FGV Direito SP e mestrando em direito na USP? participante do grupo de estudos do Núcleo de Direito Tributário Aplicado e Desenvolvimento do mestrado profissional da FGV Direito SP

* Nota do editor: artigo publicado originalmente em 19/09/2014, no jornal Valor econômico.


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