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DIREITO E ARTE
Precisamos de parceria regulatória para o mercado de arte
Marcílio Toscano Franca Filho
28/04/2017
Em 2005, a revista alemã Der Spiegel revelou que o terrorista Mohammed Atta teria tentado financiar os ataques do 11 de setembro de 2001 através do comércio ilegal de arte e antiguidades. Atta oferecera alguns objetos a um professor da Universidade de Göttingen, que, suspeitando da origem dos artefatos, os recusou.
A Al Qaeda não seria a primeira organização a valer-se desse mercado – que, apenas em 2016, vendeu 45 bilhões de dólares, segundo o recém divulgado Relatório TEFAF 2017 sobre o Mercado Global de Arte. Ainda na década de 1960, a Unione Corse – organização criminosa que atuava no sul da França – roubou incontáveis obras de grande valor na Riviera Francesa para abastecer o caixa. O IRA, as FARC, a Camorra, a ‘Ndràngheta, a Cosa Nostra e o ETA também utilizaram expedientes semelhantes nas quatro últimas décadas. Nos anos de 1980, Pablo Escobar adquiriu uma coleção inestimável de obras de arte para lavar dinheiro. Episódios envolvendo a apreensão de quadros e esculturas do falido Banco Santos e na Lava-Jato indicam que, no Brasil, a situação não é muito diferente.
Criminosos cedo perceberam como é fácil cruzar fronteiras com uma tela debaixo do braço; como os preços podem ser manipulados em milhões de dólares em pouco tempo, como o emaranhado de conflitos de interesses pode conduzir laudos e conselhos técnicos e como os nomes dos compradores e vendedores podem ser mantidos no anonimato, deixando as autoridades policiais com o difícil trabalho de descobrir quem estava envolvido na transação, de onde veio o dinheiro e se o preço é ou não suspeito. Poder econômico, sigilo e mobilidade estão juntos no mercado global de arte.
Os Panamá Papers fornecem um olhar inédito sobre essa triste conexão entre arte, comércio internacional, lavagem de dinheiro, segredos offshore e ocultação de ativos – uma engrenagem em que, assim como os trusts e empresas de fachada, os freeports também desempenham papel vital. Os freeports são luxuosos armazéns especializados em abrigar obras de arte, em locais como Genebra, Luxemburgo, Delaware ou Cingapura, onde uma legislação aduaneira especial permite que os tributos fiquem suspensos durante décadas – tudo sob enorme sigilo. Enfim, as obras de arte chegam e de lá não saem nunca, mesmo trocando de mãos.
Juristas de grande reputação como Stefan Grundmann, Gunther Teubner, Christian Joerges, Erik Jayme, Manlio Frigo, Hans-W. Micklitz, Lorenzo Casini, Hannah Purkey, Dafydd Nelson e Monika Roth, entre outros, têm oferecido contribuições teóricas relevantes para a pesquisa dos problemas e soluções aqui levantados[1].
Diferentes regimes anti-lavagem de dinheiro foram adotados em todo o mundo. Um regime jurídico único, harmonizado, eficiente e global está,todavia,longe de existir. Mas empresas e instituições ligadas ao setor como a Sotheby’s, a Christie’s, a Allianz, a SGS, a ARIS, o ING Bank, o Conseil des Ventes Volontaires da França, o Conselho Internacional de Museus, por exemplo, já possuem ótimos códigos de conduta corporativos. Em janeiro de 2017, um grupo de instituições conhecido como Iniciativa para um Mercado de Arte Responsável (RAM Initiative), baseado em Genebra, também publicou um conjunto de diretivas sobre combate à lavagem de dinheiro no setor. Portanto, métodos de autorregulação, soft law ou códigos corporativos já estão no radar dos atores do mercado global de arte como ferramentas para prevenir riscos elevados e perda de confiança no setor.
Compreender e incentivar essa autorregulação, aliada àquela que já vem sendo promovida, por exemplo, pelo IPHAN[2], no Brasil, ou pela União Europeia – que este ano comemora o seu Ano Europeu do Patrimônio Cultural – pode ser um caminho útil e frutífero para que o mercado de arte se torne mais seguro e transparente para todos os que por ele se interessam.
[1] Eis algumas sugestões doutrinárias interessantes para essas questões: GRUNDMANN, S. Europa?ischen Wirtschaftsrecht im Wandel: von der Wettbewerbsunion zur Finanzunion. In: LIMPERG, B et al. Recht im Wandel europa?ischer und deutscher Rechtspolitik. Berlin: Carl Heymanns, 2015. TEUBNER, G. Critical Theory and Legal Autopoiesis: The Case for Societal Constiutionalism. Manchester: MUP, 2017. TEUBNER, G. Constitutional Fragments: Societal Constitutionalism and Globalization. Oxford: OUP, 2014. BEAT, G. C.; TEUBNER, G. Art and Money: Constitutional Rights in the Private Sphere? Oxford Journal of Legal Studies, v. 18, n.1, pp. 61-73, 1998. JOERGES, Ch. Integration Through De-legalisation? European Law Review; v. 33, n. 3, p. 291-312, 2008. JAYME, E. Globalization in Art Law : Clash of Interests and International Tendencies. Vanderbilt Journal of Transnational Law; v. 38, n. 4, p. 928-945, 2005. FRIGO, M. Ethical Rules and Codes of Honor Related to Museum Activities: a Complementary Support to the Private International Law Approach Concerning the Circulation of Cultural Property. International. Journal of Cultural Property; v. 16, n. 1, p. 49-66, 2009. MICKLITZ, Hans-W. Rethinking the Public/Private Divide. In: MADURO, M. Transnational Law: Rethinking European Law and Legal Thinking, 2014. CASINI, L. “Italian Hours”: The globalization of cultural property Law. I•CON , n. 9, 2011, p. 369-393. CASINI, L. “Down the rabbit-hole”: The projection of the public/private distinction beyond the state. I•CON, n. 12, 2014, p. 402-428. PURKEY, H. The Art of Money Laundering. Florida Journal of International Law; v. 22, n. 1, p. 111-144, 2010. NELSON, D. Economic Woe, Art Theft and Money Laundering: a Perfect Recipe. In: CHARNEY, Noah. Art and crime: exploring the dark side of the art world. Santa Barbara: Praeger, 2009. p. 197-204. ROTH, M. Money Laundering and the Art Market. Jusletter 11. January 2016 (Weblaw).
[2] Há poucas semanas, o IPHAN publicou um nova portaria, a 80/2017, sobre providências que visam, em suma, combater a lavagem de dinheiro nesse mercado. Antes, a Portaria 396/16 também já fixara providências com objetivo semelhante.
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