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TRIBUTÁRIO
Irresponsabilidade midiática
Sacha Calmon Navarro Coêlho
04/03/2016
Muita gente acha que os ricaços e os sortudos, como Neymar, devem mesmo ser perseguidos pelos fiscais da Receita pública
Sem conhecimentos específicos, os comentaristas, as estrelas do jornalismo, deram para falar mal de jogadores de futebol que sonegariam impostos, notadamente o Imposto de Renda (IR), sem atinar que o Fisco sueco levou Ingmar Bergman a fazer filmes fora da Suécia e Gérard Depardieu a deixar a França para radicar-se na Rússia. Agiram assim para escapar da fúria tributária. Os exemplos estão a demonstrar que os fiscos são tiranos e despóticos no mundo inteiro.
Em 1966, entretanto, essa verdade já era conhecida do beatle George Harrison. Escreveu a música Taxman (cobrador de tributos numa tradução livre), em que o taxpayer (pagador de tributos) diz: “Eis aqui, dos 20 que ganhei, 19 para você e 1 para mim”. Era uma maneira de mostrar como a progressividade no IR pode levar a situações absurdas (aliás, a única tese válida do Partido Republicano nos EUA é ser contra a tributação excessiva).
Toda ação provoca reação de igual ou de maior intensidade, em sentido contrário. Se essa reação do contribuinte estiver de acordo com o sistema legal do país, o planejamento tributário é lícito, por mais que os fiscos digam – e nisso todos são iguais – que se trata de sonegação, fraude, simulação de ato ou fato jurídico, para desqualificar as formas utilizadas por artistas e jornalistas de fama, modelos, jogadores famosos de quaisquer esportes, gente do cinema e das artes, para minorar a gula desmedida dos fiscos, a querer engolir até 98% dos seus ganhos, como no caso de Bergman, na Suécia.
Aqui no Brasil, ficou famoso o caso do apresentador Ratinho e também de vários jornalistas. Na esmagadora maioria dos casos, empresas são criadas para administrar os ganhos, não estritamente pessoais do artista, apresentador, jogador ou modelo ,como a nossa Gisele Bündchen, que tem várias empresas.
Tome-se como exemplo o caso dos jornalistas. Eles recebem salários das empregadoras, mas fazem talk shows, se apresentam em seminários de economia, direito, empresariais etc. Esse segundo tipo de atividade autônoma bem pode ser administrada por empresa de eventos, que arca com custos, lucros, e paga o IR como pessoa jurídica, numa alíquota menor, com base no lucro presumido. Isso é estritamente legal e eticamente aceitável. Assim, trabalham advogados, contabilistas, engenheiros, médicos etc., que são diferentes dos estabelecimentos comerciais e industriais.
Casos há em que os chamados direitos de imagem de um artista, músico, modelo ou jogador de futebol, como Neymar, são utilizados em troca de somas bem altas. Há, então, conflitos e também acordos entre os atletas e as organizações em que se inserem sobre esses extras e há um irredutível confronto com o Fisco, para quem todos esses ganhos são pessoais e todas as empresas ou contratos simulados. Esse é o busílis da questão.
Nem o pai de Neymar, nem ele, nem Messi, nem Mascherano, todos processados pelo inclemente Fisco espanhol, são necessariamente desonestos, mas cidadãos com direito constitucional de pagar menos impostos, desde que o sistema legal admita. A constituição de empresas para cuidar dos direitos de imagem ou para deferir no tempo o pagamento dos impostos sobre a renda são universalmente admitidas.
É isso que a sociedade deve compreender, mormente no Brasil, cuja arrecadação tributária da União, dos Estados e dos Municípios alcança 37% ou 38% do PIB (tudo que se recebe na economia 37% ou 38% são “graciosamente” transferidos para o Estado, sócio indesejável, que não move uma palha para ter seus ganhos). Pior ainda, gastam mal e não retornam em bem-estar o que arrecadam. No Brasil esse fenômeno é gritante.
Apoio o planejamento tributário. Tenho pavor do Estado sanguessuga. Outro dia, um sujeito metido a jornalista opinava, com a maior autoridade num programa televisivo, sobre sonegação no Brasil. Segundo ele, de cada 10 reais devidos, 8 eram sonegados – ou seja, quatro quintos. Nesse caso, já que a arrecadação efetiva está em 37% do PIB faltavam outros quatro 37%, ou seja, 148% do mesmo, um despautério. Tem gente dizendo também que a dívida ativa da União é de 800 bilhões de reais (corrigida), o suficiente para resolver o “buraco fiscal” da nova matriz econômica. Importa, no entanto, verificar a qualidade dessa dívida: 10% são insignificâncias. 20% são irrecuperáveis (o devedor faliu ou está em lugar incerto ou não sabido). Pelo menos a metade é irreal e corresponde a uma interpretação equivocada da lei tributária. Quem devia mesmo, já entrou nos Refis abertos pelo governo, em suaves prestações.
Mas o que esperar de um povo inculto e passivo? Muita gente acha os ricaços e os sortudos (como Neymar, um gênio do futebol) devem mesmo ser perseguidos pelos fiscais da Receita Pública. E, certa imprensa ajuda, em vez de fazer a análise imparcial e educativa da questão.
Fonte: Blog do Sacha
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