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Direito intertemporal: nem foi tempo perdido – parte II

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Processo Civil

NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Direito intertemporal: nem foi tempo perdido – parte II

CPC

CPC 2015

NCPC

PROCESSO CIVIL

Andre Vasconcellos Roque
Andre Vasconcellos Roque

19/10/2015

Olá, caro leitor!

É chegado o tempo de buscar respostas para os problemas que apresentamos no texto da semana passada,[1] quando tivemos a oportunidade de demonstrar a relevância do direito intertemporal, os problemas que serão enfrentados com a entrada em vigor do CPC de 2015 e algumas regras especiais do novo código sobre o tema.

Sem mais demoras, vamos investigar primeiro as premissas fundamentais para as nossas respostas às questões que o legislador não se atreveu a solucionar.

? Mas deixe as luzes acesas agora

Infelizmente, não é possível esgotar os problemas de direito intertemporal decorrentes de um novo CPC em regras objetivas e casuísticas.
É preciso sair do porto seguro das regras especiais e buscar algumas premissas básicas, que permitam desbravar os casos em que o legislador não se atreveu a buscar soluções, sem recair na arbitrariedade das respostas que pareçam mais justas (a quem?) caso a caso, o que implicaria indesejável insegurança jurídica.

Aqui, provavelmente, haverá inúmeras divergências, que se agravarão quando os casos concretos forem examinados com base nessas premissas.

Não se pode, no entanto, fugir do desafio.

Primeira premissa: o novo CPC adota, como regra, a teoria do isolamento dos atos processuais (art. 1.046, caput).[2] Em razão disso, e do princípio geral da irretroatividade da lei contemplado no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,[3] o CPC-2015 somente será aplicado aos atos processuais praticados sob sua vigência. Evidentemente, tal premissa pode ser afastada por disposição expressa em contrário, que determine a aplicação retroativa da nova lei.

Segunda premissa: o ordenamento jurídico brasileiro tutela as situações jurídicas consolidadas (teoria objetiva de Roubier) – compreendidas como os direitos adquiridos (teoria subjetiva de Gabba), os atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada –, que não podem ser desprezadas pela lei nova.[4]

Tal entendimento decorre não apenas de dispositivo constitucional (art. 5º, XXXVI), como do art. 14 do CPC-2015.[5]

O difícil é saber em que hipóteses haverá uma situação jurídica consolidada. Direitos adquiridos podem ser conceituados, de forma bastante simplificada, como aqueles que, já incorporados ao patrimônio do titular, apenas não foram exercidos antes da entrada em vigor da nova lei por simples conveniência – ou seja, não havia requisitos ainda não preenchidos no momento em que a nova lei começou a vigorar, o que distingue tal situação da mera expectativa de direito.

Atos processuais, por sua vez, são considerados aperfeiçoados assim que praticados, via de regra, como dispõem os arts. 158 do CPC-1973 e 200 do CPC-2015. Exceção que se encontra expressa em aludidos dispositivos, em seus parágrafos únicos, diz respeito à desistência, cujos efeitos só se produzem após a homologação judicial. Outra exceção diz respeito aos atos processuais de formação complexa, em mais de uma etapa, como o julgamento nos órgãos colegiados, que se inicia com a leitura do relatório e se encerra com o anúncio público do resultado pelo presidente do órgão. Antes que se encerre, evidentemente, não pode o julgamento ser considerado ato jurídico perfeito.

Terceira premissa: dizer que os atos processuais se consideram aperfeiçoados logo que praticados não resolve todos os problemas, uma vez que, ao longo do procedimento processual, alguns deles produzem efeitos que se prolongam no tempo. Além disso, há atos que, de tão fortemente encadeados com os que lhe antecederam no processo, não podem ser submetidos a regimes jurídicos distintos, caso a nova lei entre em vigor precisamente entre um e outro ato processual.

Nesse ponto, os estudos de Roubier prestam importante contribuição. Em relação às situações jurídicas em curso – não consolidadas, portanto – seria possível, em tese, cogitar de incidência imediata da lei nova. Entretanto, aqueles efeitos imanentes e inseparáveis de um ato jurídico perfeito ou de um direito adquirido não podem ser atingidos. É por isso, por exemplo, que o prazo para determinado recurso iniciado ao tempo do CPC-1973 não pode ser atingido pelo CPC-2015.

Da mesma forma, a relação de intensa conexidade entre atos processuais deve afastar a regra geral de isolamento dos atos processuais estabelecida no art. 1.046, caput do CPC-2015.[6] Dois atos processuais somente podem ser regidos por leis distintas no tempo se possível a compatibilização. Caso contrário, deverá a lei velha continuar a ser aplicada mesmo para atos posteriores (ultra-atividade da lei revogada) enquanto for necessário para resguardar a harmonização do procedimento processual.[7]

Com essas três premissas em mãos, é chegada a hora de partir para a verdadeiro desafio a que se propõe esse texto, o qual certamente será fonte de ainda maiores discussões: em que casos, fora das regras especiais estabelecidas pelo legislador, deverão ser aplicados o CPC-1973 e o CPC-2015 aos processos pendentes?

? E o que foi prometido ninguém prometeu

Em termos de direito intertemporal, pelo menos no estágio atual dos estudos jurídicos, ninguém pode prometer respostas definitivas, nem uma teoria de direito intertemporal que possa abranger todos os casos possíveis e imagináveis decorrentes da substituição de um código processual civil por outro.

É possível, entretanto, enfrentar os problemas mais evidentes, ainda que as respostas estejam sujeitas a permanente discussão. Vamos a eles.

Pergunta 1: Sentença liminar de improcedência (art. 332) desde quando? O CPC-2015 reestruturou a sentença liminar de improcedência, ampliando as hipóteses de incidência do instituto, agora mais vinculado à formação de precedentes vinculantes (recursos repetitivos, incidente de resolução de demandas repetitivas, incidente de assunção de competência, etc.).

Aqui, incide de forma imediata, pura e simples, a nova lei aos processos pendentes, com uma ressalva: se a petição inicial já foi admitida, sendo determinada a citação do réu, não há espaço para a sentença liminar de improcedência. A decisão do juiz que admite a inicial consiste em situação jurídica consolidada, não podendo a petição inicial ser fulminada por inadmissibilidade superveniente, embora possa o réu, em sua contestação, buscar eventual extinção do processo sem resolução do mérito ou julgamento antecipado de improcedência.

Pergunta 2: Se o juiz já determinou a citação do réu ao tempo do CPC de 1973 e entrou em vigor o CPC-2015, que determina, como regra geral, a designação de audiência de mediação ou conciliação (art. 334), o que ocorrerá? Nesse caso, devem ser diferenciadas duas situações: se já ocorreu a citação ao tempo do CPC-1973, não haverá audiência de mediação ou conciliação, a não ser que o juiz a designe a título de audiência especial, o que se insere dentro de seus poderes no processo – art. 139, V (“promover, a qualquer tempo, a autocomposição”). A citação configura situação jurídica consolidada, a qual deve ser respeitada pela nova lei.

Se ainda não ocorreu a citação e o mandado está com o Oficial de Justiça, por outro lado, aí a solução será distinta. A petição inicial foi admitida e a decisão que deferiu a citação está consolidada (como se apontou na Pergunta 1), mas sem que se comprometa essa parcela do ato processual, não restou designada a audiência de mediação ou conciliação, o que deve ser feito de acordo com lei nova, aplicável de imediato.

Se ainda não houve citação, o mandado deverá ser devolvido para que seja designada a audiência, aditando-se para a realização do ato de comunicação. Ainda que o despacho que receba a inicial e designe a audiência consista em ato processual único, há aí duas partes bem separáveis (juízo de admissibilidade da petição inicial + designação de audiência). Ora, se até mesmo para efeitos de decretação de nulidade, a invalidade de uma parte do ato processual não contamina as demais, desde que independentes (art. 281, CPC-2015), não há razão para que o mesmo raciocínio não seja aplicado em matéria de direito intertemporal.

Pergunta 3: O CPC-2015 extinguiu as exceções e impugnações instrumentais (exceção de incompetência, impugnação ao valor da causa, etc.), que passarão a ser veiculadas por simples preliminares de contestação, além de ter estabelecido que a reconvenção seja apresentada na mesma peça da contestação. Se o prazo para defesa se iniciou sob o regime do CPC-1973, mas se encerra na vigência do CPC-2015, qual a lei aplicável à disciplina da contestação e da reconvenção?

Alguém poderia afirmar, precipitadamente, que tempus regit actum, ou seja, vale a lei vigente ao tempo da prática do ato processual. Tal raciocínio, todavia, teria o inconveniente de permitir que o réu tivesse certa margem de escolha quanto à lei que regularia sua resposta, bastando para isso adiantar ou não o cumprimento do prazo em alguns dias. Pior: havendo litisconsórcio passivo, seria possível os réus apresentassem a resposta em datas diferentes, atraindo distintos regimes jurídicos.

No exemplo em tela, abriu-se o prazo, sob o CPC de 1973, simultaneamente, para contestar, reconvir e apresentar eventual impugnação ao valor da causa. Com a entrada em vigor do CPC-2015, o prazo não se modifica em sua essência, devendo ser respeitado pela legislação vigente. Ou seja, o prazo para a impugnação ao valor da causa, por exemplo, não desapareceu – como será visto na Pergunta 11, a lei vigente sob o aspecto temporal é a do início do prazo. Mais do que isso: sob a perspectiva do réu, uma vez deflagrado o prazo para a exceção de incompetência relativa, por exemplo, este terá o direito adquirido de apresentá-la, inclusive para suspender o prazo da contestação, caso a exceção seja oferecida antes do seu encerramento.

Pergunta 4: O CPC-2015 criou a figura do julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356), em que se permite o fatiamento quanto à apreciação conclusiva dos pedidos formulados. Se um deles dispensa dilação probatória, por exemplo, o juiz poderá examiná-lo conclusivamente, em decisão com aptidão para formar coisa julgada material, determinado o prosseguimento do processo quanto aos demais pedidos. Aqui, a resposta é, mais uma vez, a pura e simples aplicação imediata da nova lei aos casos pendentes – exceto, naturalmente, se o processo já estiver maduro para sentença (ou seja, todos os pedidos poderão ser examinados conclusivamente pelo juiz).

Pergunta 5: Desde quando se aplicam as novas regras de saneamento e de sua estabilização (art. 357, I a V e §§ 1º)? Mais uma vez, a regra geral é a da aplicabilidade imediata da nova lei quando entrar em vigor – até porque a atividade de saneamento é permanente no processo – a não ser que tal providência já esteja superada no processo. Nada impede, assim, que seja proferida nova decisão de saneamento à luz do CPC-2015 mesmo em processos que já haviam sido saneados sob o CPC-1973, desde que tal medida se afigure justificável sob a perspectiva da duração razoável do processo e da economia processual.

No que tange à estabilização, todavia, trata-se de consequência jurídica decorrente do encerramento do prazo comum de cinco dias para as partes pedirem esclarecimentos ou ajustes na decisão de saneamento (art. 357, § 1º). Assim, poderá ocorrer a estabilização de decisões de saneamento anteriores ao CPC-2015, mas (i) estas deverão ser ratificadas ou ajustadas pelo juiz às novas regras, já na vigência do CPC-2015; e (ii) as partes necessitarão ser intimadas para, querendo, pedir esclarecimentos ou ajustes.

Pergunta 6: Nos processos pendentes, poderão as partes se valer da antecipação da prova independentemente de urgência (art. 381, II e III)? Mais uma vez, a solução é a aplicabilidade imediata da nova lei aos feitos pendentes. Além disso, a regra especial do art. 1.047 do CPC-2015, já examinada no texto da semana passada, mesmo em sua redação literal, corroboraria tal conclusão, uma vez que o novo código será a lei vigente ao tempo do requerimento de produção antecipada de prova.

Pergunta 7: O dever de fundamentação analítica (art. 489, CPC-2015) se aplica desde quando? Mais uma vez, a solução está na pura aplicabilidade imediata da nova lei. Decisões proferidas anteriormente ao novo código estarão preservadas, mas aquelas prolatadas após a vigência do CPC-2015 deverão observar o disposto em seu art. 489. Essa, aliás, foi a conclusão que se alcançou no Enunciado 308 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC).[8]

Pergunta 8: As novas regras de cabimento de recurso – incluindo as que se referem ao rol presumivelmente taxativo de hipóteses para o agravo de instrumento (art. 1.015) – se aplicam desde quando? O parâmetro a ser observado aqui é a data da publicação da decisão, entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é anunciado (tornado público) o resultado do julgamento nos tribunais. A partir desse momento, a parte interessada tem o direito adquirido à interposição de recurso (antes mesmo da intimação eletrônica ou pelo Diário Oficial), que deve ser respeitado pela nova lei. Essa foi a conclusão consolidada no Enunciado 476 do FPPC.[9]

Tal resposta não se altera se, posteriormente, forem opostos embargos de declaração, os quais somente vêm a ser julgados na vigência do CPC-2015. A parte já adquiriu o direito ao recurso subsequente – e não o exerceu por simples conveniência sua. Deve ser feita aqui, todavia, uma pequena ressalva: o direito não será reputado adquirido (e, portanto, nesse aspecto a lei nova incidirá imediatamente) na parte em que, acolhidos os embargos de declaração, forem concedidos efeitos modificativos. Isso porque não há como se sustentar que existiria direito adquirido a recurso contra provimento judicial que sequer existia ao tempo da lei revogada.

Pergunta 9: As novas regras de exigência da remessa necessária (art. 496, CPC-2015), em hipóteses mais restritas que as verificadas no CPC-1973, aplicam-se desde quando? O raciocínio aqui é idêntico ao que se apresentou em relação aos recursos. Embora a remessa necessária não tenha natureza jurídica recursal, a partir do momento em que a sentença é publicada (= entregue em cartório), a Fazenda Pública passa a ter a legítima expectativa de que haverá remessa necessária, sendo este mais um exemplo de situação jurídica consolidada.[10]

Pergunta 10: Para as decisões interlocutórias que não foram agravadas ao tempo do CPC-1973, poderá a parte rediscutir tais matérias por ocasião da apelação, caso não consistam em hipótese de agravo de instrumento no CPC-2015 (fora do rol do art. 1.015)? A resposta é negativa, pois se operou a preclusão ao tempo da lei revogada, a qual consiste igualmente em situação jurídica consolidada, a ser respeitada pela lei nova. Isso significa que, para as decisões interlocutórias proferidas ao tempo do CPC-1973, ou a parte interpôs agravo (e, se for retido, deverá ser reiterado na apelação ou nas respectivas contrarrazões) ou terá se operado a preclusão. Essa foi também a acertada conclusão do Enunciado 355 do FPPC.[11]

Pergunta 11: As novas regras sobre contagem de prazo no CPC-2015 (prazos processuais somente em dias úteis, prazo de 15 dias para a generalidade dos recursos exceto embargos de declaração, etc.) aplicam-se desde quando? Não faria sentido que o prazo processual tivesse alguma forma de contagem híbrida (dois regimes jurídicos a um só prazo), a não ser que a lei dispusesse explicitamente nesse sentido. Da mesma forma, não faria sentido que o prazo, mesmo se encerrando na vigência do CPC-2015, por esse fosse disciplinado, uma vez que isso implicaria retroatividade da nova lei sem previsão explícita (contrariando a primeira premissa). A solução, portanto, é considerar como parâmetro a lei vigente ao tempo do início do prazo, como bem apontado pelos Enunciados 267, 268 e 399 do FPPC.[12]

Nos casos de interrupção do prazo (exemplo: oposição de embargos de declaração, julgados apenas na vigência do CPC-2015), este recomeça por completo e, dessa forma, deve observar o regime jurídico determinado pela lei vigente ao tempo do seu reinício, como apontado no Enunciado 477 do FPPC. [13]

Raciocínio oposto, todavia, se dá nos casos de suspensão (por exemplo, oferecimento de exceção de incompetência relativa no CPC-1973). Aqui, o prazo foi apenas paralisado, congelado, de modo que, cessada a causa da suspensão, continua sendo o mesmo prazo de sempre. A lei aplicável deve ser aquela vigente ao tempo de seu início, anterior à causa de sua suspensão. Caso contrário, teríamos um prazo processual regulado por um inusitado regime híbrido sem explícita previsão legal, contrariando a terceira premissa estabelecida em nosso texto. Pior ainda: caso fosse possível, após a suspensão, aplicar o o regime do CPC-2015 ao tempo remanescente, por que não trazer esse regime híbrido também para os demais prazos que começaram ao tempo do CPC-1973 e se encerraram sob o CPC-2015, mesmo sem qualquer causa de suspensão?

Pergunta 12: A dispensa da admissibilidade do recurso no órgão a quo, regra geral no novo CPC (arts. 1.010, § 3º; 1.027, § 2º e 1.030[14]) se aplica desde quando? A regra geral é, mais uma vez, a incidência imediata da nova lei, inclusive em relação aos recursos já interpostos. Entretanto, se já tiver sido publicada (= trazida aos autos) a decisão de admissibilidade do recurso quando entrar em vigor o CPC-2015, este ato processual já estará aperfeiçoado, consistindo em situação jurídica consolidada. Nessa hipótese, por exemplo, tratando-se de decisão que inadmitir recurso especial na origem, a parte deverá interpor o agravo previsto no art. 544 do CPC-1973, sob pena de preclusão. Esta é também a conclusão dos Enunciados 356 e 365 do FPPC.[15]

Pergunta 13: A técnica de julgamento por maioria (art. 942, CPC-2015) se aplica desde quando? Aqui, deve ser retomada a terceira premissa desse texto: a teoria do isolamento dos atos processuais (art. 1.406, caput, CPC-2015) somente deve ser afastada caso haja exigência de compatibilização com atos processuais anteriores, com forte relação de conexidade. As técnicas de julgamento e o procedimento recursal em geral não possuem – pelo menos em tese – essa expressiva relação com o ato de interposição do recurso que possa justificar a ultra-atividade da lei revogada, em que pese notável entendimento doutrinário minoritário em sentido contrário.[16]

Desse modo, acertada a conclusão do Enunciado 463 do FPPC, segundo a qual a técnica de julgamento do art. 942 pode ser aplicada de forma imediata aos processos pendentes, desde que o julgamento não tenha sido concluído ainda na vigência do CPC-1973, com o anúncio público do resultado pelo presidente do órgão colegiado.[17] Como visto na segunda premissa, o julgamento em órgãos colegiados consiste em ato de formação complexa, que só se reputa aperfeiçoado com o anúncio público do resultado, podendo, antes desse específico momento, ser atingido pela nova lei, enquanto não configura situação jurídica consolidada.

Pergunta 14: É possível o juiz conceder a tutela da evidência (art. 311) nos processos pendentes, mesmo os iniciados ao tempo do CPC-1973? A resposta é positiva, tratando-se, mais uma vez, da pura e simples aplicação imediata da nova lei. Seria absurdo que se sustentasse haver direito adquirido do réu à morosidade da tutela jurisdicional. Quanto à estabilização da tutela (art. 304, CPC-2015), não se concebe dificuldade em termos de direito intertemporal, pois a estabilização pressupõe requerimento de tutela antecipada veiculado de forma antecedente e concedido “nos termos do art. 303”, aplicando-se, portanto, apenas aos apresentados já na vigência do CPC-2015.[18]

Pergunta 15: As novas regras de honorários de sucumbência recursais (art. 85, § 11, CPC-2015) e nas ações contra a Fazenda Pública (art. 85, § 3º, CPC-2015) se aplicam desde quando? Inicialmente, pensávamos que deveria ser observada a lei vigente ao tempo da interposição do recurso no primeiro caso e do ajuizamento da ação no segundo, tendo em vista a surpresa que as novas regras poderiam trazer para as partes, as quais orientaram sua conduta de acordo com as antigas regras do CPC-1973.

Melhor examinando o assunto, porém, revimos nosso entendimento. A não-surpresa não consiste em premissa do direito intertemporal – tanto que não nos sensibilizamos por esse argumento por ocasião da Pergunta 11, relativa à suspensão dos prazos processuais e à aplicação da lei anterior ao lapso de tempo remanescente. Ademais, se a lei nova fosse de direito material, influindo decisivamente sobre o mérito da controvérsia e podendo também surpreender as partes, não se duvidaria de sua aplicabilidade imediata (salvo, evidentemente, o respeito a alguma situação jurídica consolidada), até mesmo de ofício pelo juiz, como autoriza o art. 493 do CPC-2015.

O isolamento dos atos processuais, sim, consiste na mais básica das premissas. No caso, um ato processual foi a interposição do recurso ou o ajuizamento da ação. Outro, bem distinto, é o julgamento. E não há aqui relação de íntima conexidade que justifique a ultra-atividade da lei revogada (terceira premissa), nada impedindo, sob o aspecto lógico, que a interposição do recurso/ajuizamento da ação contra a Fazenda Pública se regulem por lei distinta da vigente ao tempo do julgamento.

Em síntese, portanto, as novas regras relativas aos honorários sucumbenciais recursais e contra a Fazenda Pública se aplicam de forma imediata, desde que o julgamento não tenha sido concluído ainda ao tempo do CPC-1973 – caso em que, aí sim, consistirá em situação jurídica consolidada, que deverá ser respeitada pela lei nova.

? Tempo perdido?

Já nos estendemos além do que seria recomendável para um texto nesta coluna. Haveria, certamente, muitas outras palpitantes questões de direito intertemporal relativas ao CPC-2015 que poderiam ser enfrentadas, as quais ficarão para futura oportunidade, em estudo mais aprofundado.

Esperamos, de todo modo, que o texto seja pelo menos útil para o enfrentamento do tema. E que a sua leitura não tenha sido tempo perdido. Até a próxima!
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[1] ROQUE, Andre Vasconcelos. Novo CPC e direito intertemporal: nem foi tempo perdido – parte I, https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/10/12/direito-intertemporal-parte-1/, publicado em 12.10.2015.

[2] Art. 1.046, caput, do CPC-2015: “Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973”. Note-se, pela redação do dispositivo em análise, inexplicável aversão do legislador à figura da mesóclise (“se aplicarão”)…

[3] Art., 6º, caput da LINDB: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

[4] A doutrina tem apontado, com razão, que os resultados práticos das teorias subjetiva de Gabba e objetiva de Roubier se aproximam bastante e que o direito brasileiro, ao contemplar tanto a proteção ao direito adquirido quanto ao ato jurídico perfeito, acabou incorporando um sistema híbrido. V., entre outros, Carlos Maximiliano. Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 9 e Miguel Maria de Serpa Lopes. Comentário teórico e prático da Lei de Introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1943, v. 1, p. 303-304. Certamente, não é esta coluna o espaço adequado para investigar eventuais distinções entre tais teorias.

[5] Art. 14 do CPC-2015: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

[6] Wellington Moreira Pimentel. Questões de direito intertemporal diante do Código de Processo Civil. Revista Forense, v. 251, 1975, p. 132.

[7] Essa é a premissa, aliás, por trás do art. 1.046, § 1º do novo código, segundo o qual as disposições do CPC-1973 relativas ao procedimento sumário e aos procedimentos especiais suprimidos do CPC-2015 continuarão a ser aplicadas às ações propostas e não sentenciadas até a vigência do novo CPC, como visto na semana passada.

[8] Enunciado 308 do FPPC: “Aplica-se o art. 489, § 1º, a todos os processos pendentes de decisão ao tempo da entrada em vigor do CPC”.

[9] Enunciado 476 do FPPC: “O direito ao recurso nasce com a publicação em cartório, secretaria da vara ou inserção nos autos eletrônicos da decisão a ser impugnada, o que primeiro ocorrer”.

[10] Nesse ponto, contudo, tecnicamente imperfeita a redação do Enunciado 311 do FPPC (“A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da prolação da sentença, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica os reexames estabelecidos no regime do art. 475 CPC/1973”), que estabelece como marco para fins de direito intertemporal relativo à remessa necessária a data da prolação da sentença, o que é irrelevante. Se a sentença foi assinada pelo juiz em seu gabinete ao tempo do CPC-1973, mas foi publicada (= entregue em cartório) já na vigência do CPC-2015, são as regras do novo código que deverão ser aplicadas.

[11] Enunciado 355 do FPPC: “Se, no mesmo processo, houver questões resolvidas na fase de conhecimento em relação às quais foi interposto agravo retido na vigência do CPC/1973, e questões resolvidas na fase de conhecimento em relação às quais não se operou a preclusão por força do art. 1.009, § 1º, do CPC, aplicar-se-á ao recurso de apelação o art. 523, § 1º, do CPC/1973 em relação àquelas, e o art. 1.009, § 1º, do CPC em relação a estas”.

[12] Enunciado 267 do FPPC: “Os prazos processuais iniciados antes da vigência do CPC serão integralmente regulados pelo regime revogado”. Enunciado 268 do FPPC: “A regra de contagem de prazos em dias úteis só se aplica aos prazos iniciados após a vigência do Novo Código”. Enunciado 399 do FPPC: “Os arts. 180 e 183 somente se aplicam aos prazos que se iniciarem na vigência do CPC de 2015, aplicando-se a regulamentação anterior aos prazos iniciados sob a vigência do CPC de 1973”.

[13] Enunciado 477 do FPPC: “Publicada em cartório ou inserida nos autos eletrônicos a decisão que julga embargos de declaração sob a vigência do CPC de 2015, computar-se-ão apenas os dias úteis no prazo para o recurso subsequente, ainda que a decisão embargada tenha sido proferida ao tempo do CPC de 1973, tendo em vista a interrupção do prazo prevista no art. 1.026”.

[14] Como visto no texto da semana passada, a sistemática relativa ao juízo de admissibilidade do recurso especial e do extraordinário ainda pode ser alterada antes de o CPC-2015 entrar em vigor, existindo projeto de lei no Congresso que busca restabelecer o atual regime de juízo de admissibilidade desdobrado (no tribunal de origem e no tribunal superior). Sobre o assunto, v. Luiz Dellore, Novo CPC: já a reforma da reforma? Jota, https://www.jota.info/novo-cpc-ja-a-reforma-da-reforma, publicado em 27.7.2015.

[15] Enunciado 356 do FPPC: “Aplica-se a regra do art. 1.010, § 3º, às apelações pendentes de admissibilidade ao tempo da entrada em vigor do CPC, de modo que o exame da admissibilidade destes recursos competirá ao Tribunal de 2º grau”. Enunciado 365 do FPPC: “Aplica-se a regra do art. 1.030, parágrafo único, aos recursos extraordinário e especial pendentes de admissibilidade ao tempo da entrada em vigor do CPC, de modo que o exame da admissibilidade destes recursos competirá ao STF e STJ”.

[16] Sustentando que o procedimento recursal deve se reger pela mesma lei ao tempo do ato de interposição, v. PRESGRAVE, Ana Beatriz Rebello. Direito intertemporal processual in Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. Procedimentos especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório (Coleção novo CPC – Doutrina selecionada). Salvador: Juspodivm, 2015, p. 647-664.

[17] Enunciado 463 do FPPC: “O art. 932, parágrafo único, deve ser aplicado aos recursos interpostos antes da entrada em vigor do CPC de 2015 e ainda pendentes de julgamento”. A ressalva quanto à hipótese de se tratar de julgamento pendente de embargos infringentes, não sujeitos à técnica do art. 942 do CPC, também se afigura correta, como dispõe o Enunciado 466 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Nesse sentido, aliás, a própria literalidade do art. 942 seria o bastante para afastar tal possibilidade, uma vez que se refere tão somente ao julgamento de apelação, agravo de instrumento contra decisão de mérito e ação rescisória, não contemplando os embargos infringentes.

[18] Não se ignora que alguns autores têm sustentado a possibilidade de estabilização da tutela antecipada até mesmo se concedida incidentalmente. V. GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2015 in Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. Procedimentos especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório (Coleção novo CPC – Doutrina selecionada). Salvador: Juspodivm, 2015, p. 199-222. Não é essa, todavia, a nossa premissa, segundo a qual a estabilização da tutela antecipada, por expressa disposição legal, apenas se cogita nos casos de requerimento veiculado de forma antecedente, nos termos do art. 303. Sobre o ponto, v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 896-897.


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