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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
Ele, o novo CPC, visto pelas empresas – parte II
25/05/2015
Como visto na nossa última coluna, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) traz impactos significativos para as empresas. Alguns aspectos gerais sobre esse tema foram examinados no texto anterior e, neste momento, é chegada a hora de enfrentar pontos mais específicos.
Seria impossível, mesmo em mais algumas colunas, esgotar a temática proposta. São mais de mil artigos que podem gerar repercussão relevante no meio empresarial. Mas podemos continuar com o voo panorâmico iniciado. A que destino seremos conduzidos? É o que vamos examinar.
1) A regra é clara: desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137) – adesconsideração da personalidade jurídica consiste no afastamento episódico da autonomia patrimonial entre a sociedade e seus sócios, de forma que estes respondam por obrigações contraídas por aquela. Seus requisitos estão estabelecidos, entre outros diplomas, no Código Civil (art. 50) e no Código de Defesa do Consumidor (art. 28) e não são alterados pelo novo CPC.
A inovação se encontra na disciplina processual do instituto. Sob o regime do CPC de 1973, na ausência de regra explícita, cada juiz construía o procedimento que considerasse mais adequado. Alguns entendiam possível deferir a desconsideração e, de imediato, efetuar a penhora de bens dos sócios, inclusive mediante bloqueio de ativos financeiros pelo sistema Bacen-Jud, em potencial violação ao contraditório. No novo CPC, tal procedimento não será mais possível: se os sócios não tiverem sido incluídos no processo já na petição inicial, deverá ser instaurado um incidente próprio – assegurado o prévio direito de defesa para os sócios – para decidir se a desconsideração deverá ou não ser determinada.
Isso não significa, porém, que a parte contrária fique sem tutela jurisdicional efetiva: se os sócios já estiverem dissipando seu patrimônio, nada impede que seja concedida tutela de urgência no âmbito do incidente de desconsideração, antes que se chegue a uma decisão definitiva sobre a questão.
Essa é uma mudança positiva do novo CPC. Maior segurança jurídica nas regras que estão valendo para a desconsideração da personalidade jurídica.
2) Os olhos da cara: audiência de conciliação ou mediação (art. 334) – a regra geral, no procedimento comum, passa a ser a designação, em seu início, da audiência de conciliação ou mediação, que apenas não será realizada se: (i) ambas as partes manifestarem, de forma expressa, desinteresse na composição consensual; ou (ii) a questão sobre a qual versar a demanda não admitir autocomposição. Não é a mera generalização do procedimento sumário do CPC de 1973 [1],principalmente porque a defesa do réu não será apresentada em audiência.
Muito pelo contrário: o prazo para contestação apenas se inicia – quando designada – após a realização da audiência infrutífera, em que não se chegou a um acordo. Há muita dúvida se essa audiência atingirá o objetivo proposto pelo legislador, que é incrementar o número de litígios resolvidos por autocomposição em sua fase inicial. Mas essa discussão ficará para outra oportunidade.
O importante, neste momento, é destacar que tal audiência produzirá pelo menos dois impactos relevantes para empresas que figurem em demandas judiciais: (i) exigirá, com ainda maior frequência, deslocar duas pessoas para o local da audiência – advogado e representante com poderes para negociar e transigir, valendo lembrar que o art. 23 do Código de Ética e Disciplina da OAB proíbe que um advogado exerça simultaneamente as duas funções no processo –, o que incrementará as despesas para a defesa em juízo, sobretudo em processos nas comarcas mais distantes; (ii) exigirá que as partes, desde o início do processo, definam os parâmetros para eventual acordo, mesmo antes de se ter conhecimento da defesa do réu, nada impedindo, naturalmente, que uma solução consensual seja alcançada apenas em fases processuais mais avançadas.
Essa é, como se pode perceber, uma inovação de mérito duvidoso. O tempo dirá melhor se foi uma aposta acertada do novo CPC.
3) Escreveu, não leu… produção antecipada da prova sem urgência (art. 381) – no CPC de 1973, a medida cautelar de produção antecipada da prova se funda na situação de urgência, tendo lugar nos casos de risco de perecimento da fonte da prova (por exemplo, justo receio de que a testemunha venha a falecer por seu estado delicado de saúde). Embora existisse doutrina qualificada a sustentar o cabimento da produção antecipada sem urgência (Flávio Luiz Yarshell, Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009; Daniel Amorim Assumpção Neves, Ações probatórias autônomas. São Paulo: Saraiva, 2008), não havia autorização legal expressa para tal.
No novo CPC, admite-se de forma explícita a produção antecipada de prova desde que ela seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito ou, ainda, quando o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Resta assentada, portanto, a possibilidade da produção antecipada de prova mesmo sem estar configurada a situação de urgência. Tal exigirá das empresas que mantenham com maior eficiência em seus arquivos a documentação relativa às atividades que exercerem, até porque, nos termos do art. 400, parágrafo único, o juiz poderá – no que concerne à exibição de documentos – adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias. No novo CPC, portanto, não se sustenta o Enunciado 372 da Súmula do STJ, segundo o qual não cabe aplicação de multa cominatória na ação de exibição de documentos, de sorte que a não localização dessa documentação poderá custar caro.
4) Xadrez processual: a coisa julgada sobre questão prejudicial (art. 503, § 1º) – no novo CPC, a coisa julgada pode se formar não apenas sobre as questões principais, que correspondem aos pedidos efetivamente formulados no processo (na petição inicial ou na reconvenção), mas também sobre as prejudiciais, de cuja resolução depende o julgamento do mérito.
A formação de coisa julgada sobre as questões prejudiciais, todavia, se submete a requisitos mais rigorosos: deve ter havido contraditório prévio e efetivo sobre a matéria (ou seja, expresso) e o juízo deve ser competente em razão da matéria ou da pessoa (leia-se, absolutamente) para resolver a questão prejudicial como se principal fosse.
Isso conduz o processo a uma estratégia de contenção de riscos ou, de forma mais lúdica, a um verdadeiro xadrez processual.
Pode ser que, a depender da posição conhecida de determinado juiz acerca da questão prejudicial, seja melhor não controverter sobre ela, a fim de evitar o contraditório efetivo. É possível que essa estratégia cause danos no processo em que for utilizada – provavelmente, a resolução da questão prejudicial influenciará o julgamento do mérito de forma negativa sob a perspectiva da parte –, mas, pelo menos, será possível rediscutir a prejudicial em futura demanda, que pode vir a ser apreciada por outro juiz.
5) Esqueceram de mim: ação de dissolução parcial de sociedade (arts. 599 a 609) – a ação de dissolução parcial de sociedade era disciplinada de forma esparsa – e insatisfatória – no CPC de 1939, inserida no capítulo que tratava genericamente da dissolução e liquidação das sociedades. O novo CPC sistematiza o assunto, promovendo as devidas atualizações.
A ação de dissolução parcial de sociedade terá lugar nos casos de sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso e pode ter por objeto a resolução ou a apuração de haveres em relação a este sócio. No novo CPC, são reguladas questões que até hoje ensejam controvérsia, como a legitimidade ativa (art. 600) e passiva (art. 601), a fixação da data da resolução (art. 605), os critérios para a apuração de haveres (art. 606), o marco temporal para tal apuração (art. 608) e sua forma de pagamento (art. 609).
Mas esqueceram de algo: o novo CPC não esgotou o assunto concernente à dissolução das sociedades e há matérias que permanecerão reguladas pelo CPC de 1939. Assim, apenas para ilustrar essa afirmação, a dissolução (total) de associação constituída com propósitos ilícitos – medida adotada em alguns casos pelo Ministério Público, por exemplo, contra torcidas organizadas ou escritórios de advocacia travestidos de associações para captação de clientela – continuará amparada pelo art. 670 do CPC de 1939.
6) Cavalo do bandido: ataque a decisões contrárias à jurisprudência – no novo CPC, decisão contrária à jurisprudência é tratada da forma mais rigorosa possível. Se for jurisprudência dos tribunais superiores, então, a decisão contrária terá muito pouco valor. Além dos recursos previstos na legislação processual, será possível lançar mão da reclamação para cassar a decisão, diretamente no tribunal de onde proveio o precedente que deixou de ser seguido, nos casos de inobservância a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade e a enunciado de súmula vinculante, bem como – aqui está a inovação – nas seguintes situações: inobservância a resultado de julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo; a tese jurídica firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas e a resultado de julgamento de incidente de assunção de competência.
E nem a coisa julgada salvará uma decisão contrária à jurisprudência. Com relativa facilidade, será possível construir que a decisão que deixou de observar precedente incorreu em violação manifesta a norma jurídica para fins de ação rescisória (art. 966, V). Afinal, o dever de fundamentação analítica previsto no art. 489, § 1º não estará cumprido se a decisão se limitou a invocar precedente ou enunciado de súmula sem demonstrar sua aplicabilidade ao caso concreto (inciso V) e, mais explicitamente, se deixou de seguir enunciado de súmula (vinculante ou não!), jurisprudência ou precedente invocado pela parte (estabelecido em casos repetitivos ou não!), sem demonstrar a existência de distinção.
Aliás, a ação rescisória é outro ponto importante e que merece ser tratado à parte, como se passa a demonstrar.
7) Seus problemas acabaram: ação rescisória (arts. 966 a 975) – tudo no novo CPC pode ser atacado por ação rescisória, mais cedo ou mais tarde. Exageros à parte, houve significativa ampliação do objeto da rescisória previsto no novo CPC, que agora comporta explicitamente tal medida contra: (i) qualquer decisão de mérito (sentença, acórdão, decisão monocrática); (ii) capítulo de decisão de mérito (art. 966, § 3º); (iii) decisão interlocutória de julgamento parcial de mérito (art. 356); (iv) coisa julgada formada sobre questão prejudicial (v. item 4 acima); e até (v) decisão que não seja de mérito, desde que impeça nova propositura da demanda ou a admissibilidade do recurso correspondente.
O prazo para a ação rescisória também foi ampliado em algumas situações. Se a questão a ser suscitada for uma prova nova, o prazo será de dois anos, mas da descoberta da prova, limitado a cinco anos do trânsito em julgado. Se for caso de simulação ou colusão, será de dois anos, contados do momento em que o terceiro prejudicado teve conhecimento.
Mas talvez o caso mais aberrante de ampliação do prazo para a rescisória no novo CPC esteja nos arts. 525, § 15 e 535, § 8º. Se o título executivo judicial se fundar em lei ou ato normativo que depois do trânsito em julgado seja considerado inconstitucional pelo STF, poderá ser atacado por ação rescisória, cujo prazo de dois anos é contado do trânsito em julgado da decisão do STF (!).
Então, imagine que, após dez anos de execução, sobrevenha uma decisão favorável do STF. Mesmo após uma década, o título judicial estará sujeito a ação rescisória. Como não está claro se seria possível pedir restituição se o cumprimento da sentença já tiver produzido todos os seus efeitos à época em que o Supremo vier a apreciar a questão, a mensagem que o novo CPC passa é, no mínimo, inquietante: em cumprimento de sentença, havendo discussão no STF sobre a matéria, vale a pena procrastinar…
8) All-in, vitória ou muro: julgamentos por amostragem (incidente de resolução de demandas repetitivas, recursos especial e extraordinário repetitivos) – o novo CPC aposta alto na técnica de julgamentos por amostragem para vencer a crise numérica de processos no Poder Judiciário. Isso já se sabe muito bem. Mas há um outro lado nessa moeda.
A técnica de julgamentos por amostragem pode ser uma excelente estratégia para a defesa dos litigantes habituais. Em vez de litigarem separadamente em inúmeros processos – tática que, embora possa se beneficiar da eventual desigualdade entre as partes em muitas dessas demandas individuais, pode também incrementar as despesas globais – concentram-se todas as forças na definição da tese jurídica no incidente de resolução de demandas repetitivas ou nos recursos especial e extraordinário repetitivos.
No novo CPC, entretanto, essa estratégia deve ser muito bem ponderada. Além de mitigar eventual desigualdade entre as partes para a definição da tese jurídica, há previsão de que a instauração e o julgamento de casos repetitivos sejam amplamente divulgados, inclusive através das páginas do Conselho Nacional de Justiça e dos tribunais. Além disso, tratando-se de prestação de serviço público objeto de permissão, concessão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalizar o cumprimento do que foi determinado pelo Poder Judiciário, com possibilidade de aplicação de sanções em caso de inobservância da tese jurídica.
Isso sem falar, como visto, da força vinculante dos julgamentos em casos repetitivos para as futuras demandas judiciais (v. item 6 acima).
Ao buscar, portanto, a instauração de incidente de julgamento de casos repetitivos, faz-se uma aposta elevada. Pode o litigante habitual ganhar muito ou perder tudo.
* * *
Seria possível, certamente, apresentar muitas outras considerações em um tema tão rico, como é a repercussão do novo CPC para as empresas. Nessa direção, não se desenvolveu nenhum item específico no que concerne ao processo de execução porque essa matéria já foi objeto de texto anterior nessa coluna.
Por alterar a dinâmica de forças nos processos judiciais, um novo código processual exige novas escolhas, estratégias e perspectivas. Ainda que, no fundo, no fundo, o novo CPC não passe, em boa parte, como já disse meu colega de coluna Marcelo Machado, de um museu de grandes novidades.
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[1] No novo CPC, não há mais os procedimentos ordinário e sumário do CPC de 1973, mas apenas um, o procedimento comum, em que se realizará a audiência de conciliação ou mediação após a citação do réu, com exceção dos casos em que, como dito, ambas as partes manifestarem, de forma expressa, desinteresse na sua designação ou a matéria não admitir autocomposição.