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PROCESSO CIVIL
Novo CPC muda Motivação e Contraditório
Zulmar Duarte
04/02/2015
Acaso nos fosse dado apontar os dispositivos que mais agradam no projeto de Novo Código de Processo Civil (Novo CPC), certamente um deles seria o inciso IV do § 1o do artigo 486.
À modo de cotejo, transcreve-se o preceptivo:
“Art. 486.
§ 1o Na?o se considera fundamentada qualquer decisa?o judicial, seja ela interlocuto?ria, sentença ou aco?rda?o, que: (…)
IV – na?o enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusa?o adotada pelo julgador; (…).”.
Bom é dizer que, conquanto vinculado formalmente ao artigo 486, que trata do arquétipo sentença, o § 1o tem como destinatários todo e qualquer provimento jurisdicional, como a expressão “decisão judicial” no seu texto não deixa margem para dúvida.
De fato, o Novo CPC, como não poderia deixar de ser (CRFB/88, artigo 93, inciso IX), além de conferir ampla deferência à necessidade de motivação dos provimentos jurisdicionais (artigo 11 do Novo CPC), aumentou seu grau de exigência.
A bem da verdade, tal intensidade na fundamentação já se impunha por força do citado comando constitucional, pelo que o Novo CPC, propriamente, estratificou, de forma negativa, o que se entende por não fundamentado, permitindo daí extrair, por um raciocínio contrario sensu, a estrutura mínima de um provimento jurisdicional que se pretende fundamentado.
Propriamente, é da tradição do nosso processo civil exigir a fundamentação, podendo ser lembrados o artigo 232 do Regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, o artigo 487 da Consolidação das Leis do Processo Civil – Consolidação de Ribas –, o artigo 280 do Código de Processo Civil, de 1939, e o artigo 165 do Código de Processo Civil, de 1973.
Ora bem, o provimento jurisdicional, por ser um ato de vontade, não de imposição de vontade arbitrária, para ser legítimo, enquanto ato estatal, tem na obrigatoriedade da fundamentação estofo fundamental e insuprimível.
Assim, o ato jurisdicional, como fruto de labor intelectivo, resultado de uma operação complexa[1] de ordem racional, histórica e crítica, que se entrecruzam, por vezes permeado de razões metalógicas (intuição)[2], deve expressar devidamente o porquê das conclusões quanto às questões de direito e de fato postas à apreciação do seu prolator.
Noutras palavras, independentemente da concepção sobre a natureza jurídica da motivação, como exposição histórica, como instrumento de comunicação e fonte de indícios, como discurso judicial ou como atividade crítico-cultural[3], o certo é que o provimento deve ser motivado.[4]
Aliás, não se pode perder de perspectiva, a necessidade da fundamentação, a despeito de eventual e metajurídica dimensão subjetiva (convencer os litigantes[5]), permite o controle crítico do decisório, isto é, a análise crítica dos horizontes do julgado.
Mesmo porque a motivação constitui pressuposto indispensável à sua impugnação, porquanto é impossível para um litigante preparar os fundamentos do recurso, ou mesmo avaliar a necessidade do início do procedimento recursal, prescindindo das razões do provimento do magistrado.[6]
Carnelutti expressava: “Valor da motivação é muito grande em relação ao rendimento social do processo;”[7]
Noutro giro, descabe justificar menor rigor na motivação por apego a má compreensão da liberdade de convencimento do magistrado — persuasão racional (artigo 368 do Novo CPC) —, já que não consente com o arbítrio no silêncio quanto à formação do convencimento do magistrado.
Diversamente, justamente pelo magistrado não estar mais atrelado a esquemas fixos de apreciação da prova — prova legal —, impõe-se o dever de externar os motivos dos seus provimentos.[8]
Bem observa Dinamarco, a liberdade na formação do convencimento pelo magistrado encontra limite, mesmo racional, na sua obrigação de apresentar a fundamentação.[9]
É de se ressaltar: a obrigatoriedade da fundamentação dos provimentos é expressão concreta da garantia constitucional do devido processo legal (CFRB/88, artigo 5o, inciso LIV), sendo propriamente uma projeção deste no plano processual.
Ainda, não se pode olvidar, o dever de fundamentação dos provimentos jurisdicionais é um dos mais transcendentes do direito processual civil, projetando-se, e ao mesmo tempo sendo reflexo, do direito ao contraditório e à ampla defesa, do postulado da imparcialidade e da independência do magistrado, sendo, propriamente, consectário do Estado Democrático de Direito.
Demais disso, a exigência de fundamentação das decisões jurisdicionais não tem consequências meramente processuais (endoprocessuais), invadindo a própria seara da política judiciária, inserindo-se como fator de legitimação do exercício do poder jurisdicional (efeito extraprocessual).
Pois bem, retomando como referência o dispositivo que deu início ao texto, indispensável acentuar que o Novo CPC deixou estreme de dúvidas uma relação de complementaridade entre contraditório e a motivação, estabelecendo verdadeiro vazo comunicante entre eles.
Sem dúvida, o Novo CPC importará em diversas releituras de institutos processuais conhecidos, verificando-se suas novas potencialidades, feições e conexões internas. A respeito do contraditório, por exemplo, Contraditório cooperando de Boa-Fé: por uma Nova Gramática do Processo. Leia aqui.
Precisamente, o Novo CPC predispôs o contraditório e a fundamentação numa relação circular de complementaridade, em que o contraditório aparece como força motriz da fundamentação, passando posteriormente esta fundamentação a permitir e induzir o exercício daquele.
Como sufragado pelo Código, o artigo 10 do Novo CPC exige o contraditório prévio para o exame de toda e qualquer questão, ao passo que, consequentemente, realizado o contraditório, a fundamentação pressupõe o exame dos argumentos apresentados (artigo 496, § 1o, inciso IV, do Novo CPC). Na sequência do mecanismo processual, os referidos fundamentos apresentados serão o objeto dos recursos a serem apresentados, com o exercício crítico da fundamentação sob o signo do contraditório.
Certamente, tal relação da complementariedade vivifica tanto o contraditório, quanto e principalmente a fundamentação dos provimentos jurisdicionais, numa relação de causa e efeito contínua e reeditada durante todo o desdobramento do andamento do processo.
Verdade seja, nada mais salutar do que essa relação entre a fundamentação e o contraditório, tendo em vista que, como bem expressa o artigo 132 do Código de Processo Civil italiano, os provimentos jurisdicionais são pronunciados em nome do povo, no caso o brasileiro, pelo que devem ser fundamentadas para possibilitar seu controle, inclusive como ato estatal[10], por quisque de populo.
É o primado do Estado que se justifica.