32
Ínicio
>
Artigos
>
Processo Civil
ARTIGOS
PROCESSO CIVIL
Preponderância do Mérito no Novo CPC
Zulmar Duarte
23/01/2015
O Novo Código de Processo Civil (Novo CPC) esboçou uma tendência clara e inconteste pelo julgamento de mérito, pelo aproveitamento, sempre que possível, do processo para a prolação de provimento jurisdicional de mérito, suscetível portanto da coisa julgada material.
Não que no contexto do Código atual o julgamento de mérito fosse menos desejável, tendo em vista que corrente a concepção de que a sentença
é um fracasso (Didier[1]), uma forma de morte violenta ou danosa do processo (Carvalho[2]).
Mesmo porque, sentença que nada resolve, quiçá devolvendo o problema para o futuro, não é produto a ser almejado por quem quer que seja, principalmente quando considerado o tempo e os recursos despendidos durante o andamento processual.
Convenhamos, processo finalizado por sentença sem resolução de mérito, mormente quando passados anos de discussão processual, é um inútil exercício de retórica patrocinado pelo Poder Público.
Ainda que assim seja, no Código atual inexiste qualquer dispositivo propugnando, atribuindo preponderância, ao exame de mérito no processo, sendo que, em contrapartida, constem diversos dispositivos acentuando a necessidade de conhecimento de ofício das questões de ordem pública, entre elas, os pressupostos processuais e as condições da ação (v.g. artigos 245, 267 e 301 do CPC/73).
Talvez por isso também se construiu uma doutrina e jurisprudência deferentes a uma análise escalonada, separada em fases, em que o exame dos pressupostos processuais, das condições da ação e do mérito observam esta ordem linear de exame.
Fala-se então em quadrinômio[3], trilogia processual, trinômio ou pressupostos de admissibilidade e de mérito[4], o que, além de representar uma diferenciação na conceituação dos exames cognitivos realizados pelo magistrado, também serve de vetor indicativo para ordem de análise de tais matérias.
Nesse contexto, os pressupostos processuais e as condições da ação, por assim dizer, são promontórios a serem ultrapassados para que o tripulante do processo alcance a terra firme, a sentença de mérito.
Deveras, de nada adianta navegar pelas águas turvas e revoltas do processo para no final da jornada morrer na praia, não se transpondo a barreira representada pelos ditos pressupostos de admissibilidade (pressupostos processuais e condições da ação).
O Novo CPC, dando expressão ao atual estado da arte (Contraditório cooperando de Boa-Fé: por uma Nova Gramática do Processo[5]), isto é, não abonando uma postura de culto ao formalismo, elegeu o enfrentamento do mérito como objetivo maior, conferindo-lhe preponderância sobre os demais temas submetidos ao juiz no processo.
Prefere-se aqui conscientemente o termo “preponderância” para expressar tal postura dominante do mérito frente aos demais temas (pressupostos processuais e condições da ação). Isso porque, preponderância representa melhor esse novo arranjo em que o exame do mérito não propriamente precede (prima — primazia), aos demais, mas prevalece, pelo peso, perante os últimos.
O Novo CPC enuncia, no seu pórtico de entrada, essa diretriz de preponderância pelo mérito, assegurando às partes o direito de obter: “em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa” (artigo 4o).
Outrossim, em idêntico sentido, embora com alcance mais abrangente, O Novo CPC conjumina os sujeitos do processo na obtenção: “em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (artigo 6o).
Tais disposições constantes do livro I, concernente às normas processuais civis e titulado “das normas fundamentais e da aplicação das normas”, são o princípio e a síntese conclusiva da compreensão dos noveis preceptivos processuais do Novo CPC, dessa nova impostação e conjugação dos pressupostos processuais, condições da ação e do mérito.
Tanto é assim, que diversos dispositivos do Novo CPC vão particularizar essa preponderância em diferentes momentos processuais, tanto no curso do processo em primeiro grau de jurisdição (artigos 139, IX, 315 e 349), quanto no julgamento dos recursos (artigos 930, parágrafo único, 936, § 1o, 1.004, 1.010, 1.026, § 3o, 1.029 e 1.030).
O artigo 319 do Novo CPC é particularmente representativo dessa nova diretriz, pois não se limita a repetir o artigo 284 do CPC/73, mas possibilita que o magistrado determine a emenda da inicial por conta de defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito.
Precisamente, esse conjunto de disposições processuais objetiva assegurar que os processos sejam finalizados com o exame do mérito, erigindo verdadeiras pontes para alcançar sua análise, superando eventuais falésias.
O fio condutor do processo passa ser o exame do mérito, que prepondera sobre a análise dos pressupostos processuais e das condições da ação.
Bom é ressaltar, não se trata mais tão só de consumir os pressupostos processuais (consunção processual[6]), como previsto no artigo 249, § 2º, do CPC/73, repetido nos artigos 280, § 2o e 485, ambos do Novo CPC.
Nessa hipótese, ocorre a consumição endógena do descompasso processual — consunção processual —, a par da possibilidade de um provimento jurisdicional pretensamente justo.
Como se verifica, referido efeito consuntivo está atrelado, para aplicação, na coincidência entre o beneficiado pela decretação da nulidade e o vencedor da demanda.
À sua vez, o Novo CPC avança no tema, em passo decisivo rumo à superação da terra arrasada do formalismo estéril, já que vitaliza o conhecimento do mérito independentemente de prognoses sobre o julgamento.
No ponto, ponto para o Novo CPC.
Finalmente, oportuno tanto o lamento quanto a observação de MÖSER, que bem expressa as virtudes e as vicissitudes na aplicação dos novos dispositivos: “O mais triste caso em que o juiz frequentemente se encontra é aquele em que ele reconhece de maneira evidente o verdadeiro direito e não pode realizá-lo por formalidades. Todavia, é melhor um só homem triste do que colocar todos em perigo; e isso ocorreria se cada juiz pudesse aceitar como verdadeiro direito o que ele reconhece e logo lhe atribui força de coisa julgada”.[7]