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Julgamento da Desaposentação (RE 611.256): Análise inicial do voto do relator, Min. Luis Roberto Barroso

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

14/10/2014

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Na tarde de 09.10.2014, o STF retomou o julgamento do RE 661.256, com relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso, o qual havia iniciado no dia anterior com a leitura do relatório. Fizeram suas sustentações orais o Advogado-Geral da União e os advogados representantes dos amicus curiae que atuam no feito, em especial o IBDP, na voz da Dra. Giselle Lemos Kravchychyn.

O tema é de extrema relevância para a comunidade jurídica brasileira, em especial no segmento previdenciário. O julgamento foi suspenso diante da ausência de três ministros naquela sessão da Corte Suprema, pois se entendeu que deveria ser apreciada a matéria pelo quórum completo, porém já se podem tecer algumas considerações a respeito do brilhante voto proferido pelo Relator, Ministro Roberto Barroso.

Questões preliminares

O Ministro Roberto Barroso inicialmente destaca a importância da matéria e a diversidade de decisões a respeito, tomando por exemplo o próprio processo de que é Relator, em que a sentença julgou improcedente o pedido de desaposentação. O TRF4 possibilitou-a, mas condicionando-a à devolução dos valores relativos à primeira aposentadoria, decisão parcialmente mantida pelo STJ, que afastou a necessidade da devolução daqueles valores.

Ainda em âmbito preliminar – e a questão é relevante e possui repercussões práticas –, afastou-se a arguição de que haveria declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 18, § 2.º, da Lei de Benefícios, pelo STJ, conforme levantado pelo INSS em seu recurso extraordinário. De acordo com o Relator, não haveria violação ao art. 97 da Constituição Federal, pois o STJ não reconheceu ou declarou inconstitucionalidade de artigo, apenas verificou que não havia norma aplicável à desaposentação, proibindo-a ou não, de sorte a afastar a questão de eventual declaração incidental de inconstitucionalidade, o que poderia causar impacto processual sobre a matéria levada a julgamento (necessidade de os processos sobre desaposentação se submeterem à reserva de plenários nos Tribunais Regionais Federais).

Mérito

O Relator iniciou seu voto meritório indicando que o sistema previdenciário constitucional estrutura-se a partir do princípio da solidariedade e do caráter contributivo. No entanto, apresentou o argumento de que não há comutatividade estrita entre o recolhimento de contribuições e o recebimento de benefícios, pois não se adotou no Brasil regime de capitalização, mas de repartição.

Nesse ponto, o Relator argumentou que nem todo aquele que recolhe contribuição previdenciária irá receber benefício, exemplificando a situação daquele que vem a falecer, mesmo após recolher muitos anos de contribuição, mas sem preencher os requisitos para a aposentadoria e sem possuir herdeiros.

Com essa premissa, o Relator indicou os parâmetros a partir dos quais entende que o legislador pode tratar de matéria previdenciária: a) o respeito ao princípio da isonomia; e b) a impossibilidade de instituição de contribuição previdenciária sem a devida contrapartida em termos de benefício previdenciário.

Fixados esses parâmetros, o Ministro Barroso se aproximou, então, da questão da desaposentação: quando o aposentado volta a trabalhar, entra em igualdade de regime jurídico contributivo com os demais trabalhadores da iniciativa privada, voltando a recolher contribuições previdenciárias; contudo, não há igualdade quanto aos benefícios que perceberá (com a extinção do pecúlio em 1995), pois a ele só serão devidos os benefícios do salário-maternidade e reabilitação profissional – tidos pelo Relator como inexistentes ou pouco aplicáveis à realidade do aposentado que volta a trabalhar.

Concluiu o Relator que o art. 18, § 2.º, da Lei de Benefícios, nesses termos, viola o sistema constitucional contributivo, pois impõe dever de recolhimento de contribuições sem a fixação dos correlatos benefícios previdenciários. De outra parte, o Relator ressaltou que não há vedação expressa à desaposentação em nenhuma norma jurídica brasileira; inclusive, sugeriu que, se houvesse qualquer disposição nesse sentido, poderia ocorrer eventual vício de inconstitucionalidade. Por todos esses fundamentos, declarou a possibilidade inequívoca de ocorrer a desaposentação.

Na sequência, o Exmo. Sr. Ministro Relator passou a discutir a questão da restituição dos proventos de aposentadoria já recebidos, outro tema importante em relação à desaposentação.

Nesse tópico, aventou a jurisprudência do STJ, que compreende pela desnecessidade de restituição dos proventos da primeira aposentadoria, diante da sua concessão válida, recebimento de boa-fé e irrepetibilidade da verba alimentar.  Entretanto, ponderou, em sentido contrário, a impossibilidade de haver vantagem (ofensa à isonomia) entre aqueles que já receberam benefício previdenciário anterior e aqueles que se aposentam pela primeira vez. Ao mesmo tempo, também trouxe para o argumento relativo à isonomia o fato de que existiram contribuições previdenciárias após a primeira aposentação.

Pensando nas soluções possíveis para essa questão, descartou a solução mais extrema, em suas próprias palavras, que seria a devolução integral do benefício recebido como primeira aposentadoria, pois isso corresponderia a “dar com uma mão e retirar com a outra”. O Ministro Barroso também desconsiderou a solução de parcelar ou escalonar referida devolução conforme a expectativa de vida do segurado, pois recair-se-ia na mesma situação draconiana de permitir a desaposentação e anulá-la pela via econômica. Descartou a solução de retornar o benefício do pecúlio, com a devolução das contribuições previdenciárias recolhidas após a primeira aposentadoria (ou de metade delas, como cogitou o próprio relator), visto que o sistema previdenciário é, atualmente, contributivo. Por fim, também abriu mão de que o STF fizesse meramente uma exortação ao legislador a fim de que construísse uma resposta à situação em tela.

Diante disso, o Ministro Barroso corajosamente optou por estruturar uma solução para o tema da desaposentação e a restituição dos proventos de primeira aposentadoria a partir dos próprios princípios constitucionais do sistema. É o que veremos a seguir.

Metodologia de cálculo

O Relator propôs uma forma de cálculo do novo benefício utilizando os elementos que já constam do art. 29 da Lei de Benefícios, inseridos na estrutura do fator previdenciário: tempo de contribuição, idade, expectativa de vida, média aritmética das contribuições atualizadas. Ressaltou, e entendemos que isso é muito relevante, a necessidade de computar, nesse cálculo, todas as contribuições vertidas ao regime previdenciário, antes e depois da primeira aposentadoria.

Como uma solução intermediária, entendeu que na montagem do fator previdenciário para o novo benefício seria o caso de considerara idade e a expectativa de vida verificadas no momento da primeira aposentadoria, o que geraria certo equilíbrio atuarial e isonomia entre aqueles que não buscaram a desaposentação.

A proposta que levou ao Plenário do STF, segundo as próprias palavras do Relator, teria a intenção de conjugar justiça social e justiça atuarial/intergeracional.

Modulação de efeitos

O Exmo. Sr. Ministro Relator propôs em seu voto uma espécie de modulação dos efeitos da decisão aqui analisada, que passaria a valer somente após 180 dias a contar de seu trânsito em julgado.

A medida, conforme o próprio Relator, teria o condão de: a) propiciar tempo para o devido arranjo administrativo necessário para a efetivação da desaposentação nas próprias agências do INSS, especialmente para aferição operacional e relativa ao tempo de custeio; b) prestigiar, sobretudo, eventual atuação legislativa que viesse a suprir essa lacuna normativa durante esse semestre que se propõe como lapso para implantação efetiva desse direito previdenciário.

Atuação do legislador

É importante retomar que o Relator do RE 661.256 frisou que a questão levada ao Plenário deveria, em primeiro lugar, ser resolvida mediante debate público na esfera adequada, qual seja o Poder Legislativo – ressaltando as limitações de não se poder estabelecer contribuição previdenciária destituída de recebimento de contrapartida previdenciária. Destacou também que a mora legislativa é que produz situações anômalas como a desaposentação e o fator previdenciário.

Nesse a parte, porém, indicou que seria conveniente a adoção de idade mínima para a aposentadoria no RGPS, tal como ocorre na maior parte do mundo. Outrossim, ressalvou a possibilidade de utilizar metodologia mais flexível que conjugue a idade mínima com o tempo de contribuição, deixando de punir aqueles que começam a trabalhar muito cedo, o que ficou conhecido como fórmula 85/95.

Por todos esses fundamentos, o Relator deu parcial provimento ao recurso extraordinário do INSS, preservando a possibilidade de desaposentação, mas alterando a forma de cálculo do novo benefício previdenciário, conforme metodologia que expusemos anteriormente. O julgamento, como dissemos, foi suspenso para que seja retomado quando composto o STF em seu quórum completo.

Análise preliminar

O voto do Relator, Ministro Barroso, é louvável em vários aspectos: a) pelo simples fato de reconhecer a validade da desaposentação, sem margem a dúvidas; b) pelo reconhecimento secundário do aspecto de que não há possibilidade de instituição de contribuição previdenciária desvinculada de qualquer benefício previdenciário ao segurado; c) por descartar a restituição dos valores já recebidos como primeira aposentadoria, ainda que sugira metodologia de cálculo diversa  daquela que as pessoas que ajuizaram ações buscavam, mas causadora de efetivo aumento de proventos; d) ao exortar a Administração Pública e o legislador a que ocupem seu devido espaço, legislando e regulamentando a questão, sem a possibilidade de acarretarem prejuízo ao segurado.

A remessa da desaposentação para as vias administrativas deve ser vista de modo positivo, pois, embora em primeiro momento possa parecer como redução do campo de atuação para os advogados, sempre haverá a necessidade da devida consultoria jurídica, dos óbvios espaços da advocacia perante o processo administrativo e para correção de erros cometidos nessa via, além da própria vantagem em termos de celeridade na obtenção desse benefício previdenciário.

A metodologia de cálculo proposta pelo Ministro Barroso é bastante razoável e certamente produzirá aumento dos proventos dos segurados que buscarem a desaposentação, mesmo nesse formato diverso do que postulado normalmente pelos segurados. Utilizando a idade e a expectativa de vida presentes no momento da primeira aposentadoria, mas adotando a contribuição total vertida pelos segurados, o resultado será positivo certamente, mas não tanto se fosse recalculado o benefício tal como uma aposentadoria inédita, utilizando-se o total das contribuições, mas a idade e a expectativa de vida atuais.

Embora não corresponda ao pedido formulado atualmente em juízo, penso que se trata de solução intermediária e justa, inclusive com o condão de impedir eventual devolução dos valores relativos à primeira aposentadoria.

Em relação à restituição de proventos, o Relator indica que isso não poderia ser desconsiderado, sob ofensa ao princípio da isonomia. O argumento é bastante sério e talvez não possa ser derrubado. É provável, assim, que a solução inovadora proposta para o cálculo do novo benefício seja um mecanismo intermediário de compensar esse outro ponto relativo à devolução dos valores da primeira aposentadoria.

Deve ser alvo de crítica o breve obter dictum aduzido pelo Ministro Barroso em sua fala, pois, além de ser matéria estranha ao julgamento da desaposentação, entendemos que a sugestão, para o legislador, da adoção de idade mínima para a concessão de aposentadorias é instituto que poderá trazer consequências severas ao segurado, pois o mercado de trabalho no Brasil emprega pessoas jovens e as desemprega a partir de certa idade, dificultando a obtenção de benefícios previdenciários exigentes de tempo prolongadíssimo de recolhimento de contribuições.

É relevante mencionar que o voto do Ministro Barroso utiliza em sua fundamentação a mesma linha argumentativa que expusemos em nossa obra Desaposentação: novas perspectivas teóricas e práticas(5. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2014). Especialmente quando o Relator destaca a omissão do legislador sobre a regulamentação da desaposentação e a necessidade de vincular o recolhimento das contribuições pelo segurado com a contrapartida em termos de benefícios previdenciários.

Por fim, não custa relembrar que o julgamento em tela é proferido no sistema da repercussão geral,[1] o que propicia efeitos vinculantes nas demais instâncias jurisdicionais e mesmo na esfera administrativa (desde que editada Súmula Vinculante).

O julgamento merece análise mais aprofundada, inclusive porque se encontra suspenso sem que tenham sido colhidos os votos dos demais Ministros da Excelsa Corte, mas a primeira perspectiva para o futuro da desaposentação é bastante satisfatória.

Aguardemos a conclusão e o julgamento.

[1] Tratamos do tema da repercussão geral em nossa obra Manual dos recursos extraordinários e especial (Rio de Janeiro, Forense), que escrevemos em parceria com Silas Mendes dos Reis.
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