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A memória na psicologia jurídica

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A definição de memória na psicologia jurídica

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RECORDAÇÕES

José Osmir Fiorelli

José Osmir Fiorelli

09/03/2021

A memória substitui os olhos: esse é o filme que passa dentro de nós.
(Nei Duclós – em artigo no Facebook, 22.11.2020)

A memória, “a faculdade de reproduzir conteúdos inconscientes” (JUNG, 1991, p. 18), é desencadeada por sinais, informações recebidas pelos sentidos, que despertam a atenção. Se esta não acontecer, a informação não ativa a memória.

Uma vez que se preste atenção e registre o estímulo, ocorre a possibilidade de recuperar informações. A memória possibilita reconhecer o estímulo.

Nesse processo, a emoção intervém de maneira determinante e contribui decisivamente para que aconteçam composições, lacunas, distorções, ampliações, reduções dos conteúdos e, sem dúvida, afeta o próprio reconhecimento. Por exemplo, reconhece-se de imediato (na rua, no shopping) uma música que foi marcante em algum momento da vida; outras, que nada significaram, nem mesmo são ouvidas (o estímulo é descartado).

Questões dolorosas tendem a ser “esquecidas”; isso contribui para que muitas pessoas não se recordem de detalhes importantes de eventos ocorridos com elas ou com outras pessoas, quando chamadas a testemunhar. Os mecanismos psíquicos protegem a mente, embora possam ser um obstáculo para identificar a verdade dos acontecimentos. Observe-se que partes de um evento traumático podem ser recordadas com nítidos detalhes, enquanto outras, do mesmo evento, simplesmente a pessoa nada consegue recordar. Myra y Lopéz (2007, p. 174) assinala que

o juiz crê que quanto mais viva e emotiva tenha sido a situação, tanto melhor tem que ser recordada pelo sujeito […] crê que tem que ser severo ao exigir uma recordação precisa dos detalhes fundamentais. Pois bem, são precisamente esses detalhes os que se olvidam…

Efetivamente, destaque-se, não há consenso, entre os estudiosos, quanto à hipótese de que as questões dolorosas são preferencialmente esquecidas. Coisas interpretadas como relevantes parecem ser lembradas com maior facilidade, ainda que o critério de relevância seja situacional e mediado pela emoção. Por esse motivo, um grave acontecimento (por exemplo, envolvimento em acidente com vítimas, estupro, latrocínio) pode ser superado com relativa facilidade por alguns indivíduos e deixar sequelas inesquecíveis para outros.

Também não há consenso quanto à possibilidade de se reprimir, e depois recuperar, a lembrança inteira de um evento traumático. Para muitos, o desafio maior consiste em esquecer. Em eventos dolorosos, a lembrança é uma inimiga interior, reconhecida já desde os tempos de Espinosa (2005, p. 103), que observava, na proposição XVIII da terceira parte de sua Ética, que “o homem experimenta pela imagem de uma coisa passada ou futura o mesmo afeto de gozo ou tristeza que pela imagem de uma coisa presente”. Portanto, compreende-se que o psiquismo de Luciana atue para defendê-la.

Por outro lado, “a vivacidade de uma lembrança não prova que algo realmente aconteceu”; por nítidas que sejam as imagens, elas não se encontram isentas de alterações com o tempo (HUFFMAN; VERNOY; VERNOY, 2003, p. 246). A memória é “tanto uma reconstrução quanto uma reprodução”, assinala Myers, destacando que não se pode ter certeza de que algo é real por parecer real; as memórias irreais também parecem reais (MYERS, 1999, p. 210).

Exemplo desse fenômeno é a recordação de alucinações (na alucinação, um fenômeno da percepção, o indivíduo “vê” algo que não existe) pelas quais passam as pessoas que jejuam por longo período. Mais tarde, as visões de inferno ou paraíso tornam-se reais em suas mentes. A cuidadosa investigação e confrontação de relatos de conflitos cercados por grande emoção é imprescindível para se apurar a verdade.

Entre as distorções ocasionadas pelo psiquismo registra-se a “ampliação de atributos”. Lembra-se do “ruim” como muito pior do que foi na realidade; o “bom” torna-se extremamente melhor! A emoção desempenha papel notável nesse mecanismo que contribui para distorcer depoimentos (saliente-se, de modo involuntário). A história é farta em exemplos de pessoas “más” que não foram, de fato, tão ruins, e de “santos” que não foram tão bons…

A combinação de fatores físicos com psíquicos aumenta o dano mental. No estupro, além da enorme agressão do ponto de vista psíquico, existe dano físico irreparável, uma mutilação, que se amplia dependendo da cultura e das condições sociais da vítima.

A esse respeito, destaquem-se as relevantes constatações de Damásio (2000, p. 209), que indicam o conteúdo emocional da lembrança e que se encontram presentes em depoimentos de vítimas e testemunhas. Segundo o pesquisador,

as memórias também contêm registros da obrigatória reação emocional ao objeto e, quando evocamos um objeto […], recuperamos não só dados sensoriais, mas também os dados motores e emocionais associados […] as reações a esse objeto que tivemos no passado.

Investigações a respeito de falhas de recuperação de conteúdos memorizados têm conduzido a conclusões que merecem reflexão.

Pessoas que fantasiavam costumeiramente durante a infância, assinala Myers (1999, p. 147), “reviviam experiências ou imaginavam cenas com tanto ardor de vez em quando que mais tarde tinham dificuldade para distinguir as fantasias lembradas das lembranças de eventos reais”. Fantasias podem fazer parte das narrativas que cercam as histórias dos conflitos, inclusive produzidas por testemunhas.

A fantasia acontece também entre adultos. Segundo Huffman, Vernoy, Vernoy (2003, p. 247), é possível criar falsas lembranças; Myers (1999, p. 208) alerta que as pessoas completam os hiatos da memória com suposições plausíveis, como se, de fato, tivessem observado ou experimentado aquilo de que se recordam. Isso se observa corriqueiramente em acidentes envolvendo automóveis e nos relatos a respeito de conflitos familiares.

São particularmente não confiáveis as memórias relativas a períodos anteriores aos 3 anos de idade e aquelas recuperadas sob hipnose ou influência de drogas (MYERS, 1999, p. 213).

Há um componente cultural na memória. Pessoas em sociedades ou grupos familiares de cultura oral (os conhecimentos passam de uma geração para outra por meio de relatos) lembram-se melhor do que ouvem do que daquilo que leem (HUFFMAN; VERNOY; VERNOY, 2003, p. 249).

Algumas pessoas somente se recordam vivenciando o local dos acontecimentos; outras têm a memória estimulada pela fala; para outras, o estímulo provém da audição, e assim por diante. O uso de vários sentidos (visão, audição, tato), ao tratar de um determinado assunto, ativa diferentes formas de memória. Daí a conveniência (ou necessidade, em muitos casos) da reconstituição dos fatos.

Técnicas adequadas permitem enriquecer a memória, porém recomenda-se que sejam utilizadas por especialistas, para que não estimulem o surgimento de falsas lembranças.

Falsas lembranças podem ocorrer em diferentes situações, com crianças e também com adultos. São bem conhecidas aquelas induzidas por distúrbios mentais, por exemplo, decorrentes de transtornos de pensamento e de percepção.

Um caso particular, de grande interesse, é a indução de falsas lembranças na criança por um de seus progenitores.

Na tentativa de vingar-se do outro, essa pessoa promove a construção de recordações falsas, frequentemente de situações gravíssimas, capazes de afastar a criança do pai ou da mãe. A esse respeito, veja-se o item 8.4.5, referente a alienação parental e suas possíveis consequências.

As falsas memórias podem substituir as verdadeiras e se apresentar ricas em detalhes e, no caso de intervenções sugestivas, prejudicar substancialmente a oitiva da criança.

Associações e analogias constituem excelente forma de melhorar a memória quando se trata de grande série de eventos, acontecimentos complexos e ou distantes no tempo. Outra estratégia de reconhecido êxito é a criação de imagens mentais, que consiste em fazer a descrição de um acontecimento acompanhada pela imaginação da cena, das pessoas que participavam, de detalhes do ambiente.

Reconstituir o contexto do acontecimento também proporciona resultados satisfatórios: como os fatos aconteceram; seus antecedentes e consequências.

A ativação da memória merece especial atenção quando se trata de pessoas de idade avançada, entre as quais se torna mais frequente o fenômeno da confabulação, por meio do qual o indivíduo preenche, com aparente lógica, lacunas da recuperação (um fenômeno já comentado). O conteúdo, entretanto, ainda que verossímil, não apresenta vínculo com a realidade.

A teoria mais aceita é a de que todo conteúdo codificado e armazenado na memória ali permanece indefinidamente, a menos que exista dano físico em estruturas cerebrais. Isso, contudo, não assegura a recuperação desses conteúdos. Segundo Weiten (2002, p. 207):

a evidência sobre a natureza reconstrutora da lembrança mostra claramente que as lembranças das pessoas não são réplicas exatas de suas experiências. Distorções da lembrança são introduzidas durante a codificação ou armazenamento.

Aquele que, desde cedo, envolve-se ou é envolvido em delitos e comportamentos socialmente inadequados, alimenta (sem o perceber) suas memórias com imagens nocivas.

Na tela da memória desenha-se a vitrina do passado; o indivíduo enfeita-a, torna-a mais atraente, quando emprega a “cosmética das recordações”, que consiste em armazenar o belo, o bom, e excluir o feio, o ruim. Na memória visualiza-se a paisagem de fundo da vida humana, de onde cada um recolhe referências para decisões e ações.

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José Osmir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini se aprofundam nas questões emocionais nos diversos campos da área jurídica, especialmente os relacionados a conflitos familiares, ações penais e trabalhistas.

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A Psicologia Jurídica insere-se nesse espaço: ela possibilita ao operador do Direito desenvolver uma compreensão diferenciada dos fatos que compõem os inúmeros tipos de conflitos. Por meio dela, se aprofunda no campo da investigação dos conteúdos psíquicos que influenciam as ações dos indivíduos e dos grupos a que pertencem, indo além da aparente racionalidade dos fatos e da legislação.


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