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PROCESSO CIVIL
O preparo do recurso inominado nos juizados especiais cíveis: conjuntura atual e novos caminhos

Felippe Borring Rocha
13/08/2025
Como se sabe, os Juizados Especiais Cíveis estão inseridos em uma renovada lógica em que vigora um maior protagonismo do cidadão fazendo com que o acesso à justiça, e ao mesmo tempo a continuidade dentro da Justiça Judiciária, fosse ampliada e facilitada. Esta nuance é importante de ser sublinhada, porque muitas vezes o gargalo não está na entrada das demandas, mas após o ingresso, arrefecendo já com o caso em curso, sendo que esse será um dos postulados de nosso escrito.
Isso porque, desde sua concepção, os Juizados Especiais Cíveis tentam construir um espaço de empoderamento para o cidadão, permitindo a ele não apenas apresentar sua pretensão de maneira oral e informal, mas também construir a solução adequada da causa de forma consensual, célere e efetiva. Isso porque na estrutura do Juizados há uma congruência diferenciada técnicas, dirigida pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e da promoção da solução consensual dos litígios (art. 2º da Lei nº 9.099/1995), baseada na acessibilidade, que ajudam a mitigar os efeitos obstativos da estrutura judicial ordinária.
Além disso, o Sistema adota um modelo de isenção dos custos financeiros para ingressar e promover uma demanda e de valorização da chamada “Justiça de Proximidade”, com capilaridade em bairros e municípios pequenos e médios, bem como distritos distantes dos centros urbanos (CARNEIRO, 2007, p. 17).
Essas características visam permitir a prestação da tutela jurisdicional às causas cíveis de menor complexidade (art. 98, I, da CF), que normalmente ficariam reprimidas, sem solução estatal, devido aos desafios burocráticos, econômicos e geográficos, dentre outros, como coloca Leonardo Greco (GRECO, 2009, p.18). Não se trata, pois, de uma “justiça de segunda classe”, mas de uma justiça especializada em resolver conflitos que não são levados à justiça comum, se não existissem mecanismos facilitadores como, por exemplo: a gratuidade de justiça em primeira instância, a desnecessidade de patrocínio profissional em demandas de até 20 salários mínimos em primeira instância, dentre outras flexibilizações do rito dos Juizados Especiais Cíveis. Neste sentido, importante destacar Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JÚNIOR, p. 63):
Desde logo, é bom salientar que, inversamente do que pensavam alguns mais céticos a respeito da Justiça Especializada – o que causou certo desinteresse por parte de alguns profissionais do Direito – os Juizados não representam uma “Justiça menor”, um minus na prestação da tutela jurisdicional ou uma solução alternativa discriminatória.
Os Juizados Especiais não podem ser considerados uma “Justiça de segunda classe”, porquanto não refletem qualquer dado indicativo capaz de importar num desprestígio ou diminuição para a resolução de controvérsias. Ao contrário, a faixa valorativa de limitação imposta pelo legislador em quarenta salários mínimos (Lei 9.099/1995) e sessenta salários mínimos (Lei 10.259/2001) significa o alcance de litígios que atingirá o interesse de todas as classes sociais, sobretudo se considerarmos a renda per capita do brasileiro.
Essa nova forma de prestar jurisdição significa, antes de tudo, um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da população menos abastada, de uma Justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida […].
De maneira resumida, Marcos Bahena e Ercílio Rodrigues de Paula (BAHENA; PAULA, 2019, p. 14) assinalam que “se trata de um procedimento, sem custas, informal, rápido, de menor complexidade, com fins de atender os interesses sociais e consequentemente uma prestação jurisdicional rápida e singela”. A consequência pretendida é incentivar uma cultura de pacificação social e de desburocratização do Poder Judiciário, valorizando a premissa isonômica de tratar desigualmente os desiguais, por meio de incentivos estruturais que despertam na pessoa a disposição para buscar a tutela do seu direito, como reforça Alexandre Freitas Câmara (CÂMARA, 2008, p. 20).
Não obstante, os Juziados Especiais afastam a lógica da gratuidade que permeia o Sistema ao exigir a realização do preparo para a interposição do recurso inominado, agravado pela perda da isenção dos valores correspondentes à propositura da demanda. Trata-se de uma técnica, internacionamente reconhecida, de desistímulo à interposição dos recursos, que visa promover a submissão das partes à decisão de primeiro grau.
Ocorre que, além de significativas divergências doutrinárias, o regime de preparo do recurso inominado nos Juizados Especiais, conforme sustentado pela jurisprudência, ficou ainda mais distante com o modelo de preparo da apelação, com a edição do Código de Processo Civil de 2015.
Por tais motivos, o presente ensaio almeja refletir sobre a questão do preparo no recurso inominado dos Juizados Especiais Cíveis, tendo como ponto de referência o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema, à luz da lógica presente na Lei nº 9.099/1995 e nas regras do Código Processual Civil de 2015 que tratam do recurso de apelação.
Quanto à metodologia do presente redigido, ele compreende uma análise indutiva, hipotética, doutrinária e documental, sob os cânones de uma pesquisa científica, desejando que seja feito um tratamento analítico-interpretativo dessas fontes, em homenagem à Teoria do Diálogo de Fontes. Igualmente, será conduzida uma pesquisa bibliográfica cuidadosa dos principais estudiosos que se debruçam sobre o preparo recursal dentro dos Juizados Especiais Cíveis e a eventual uniformidade procedimental em relação à cadência do Código de Processo Civil de 2015.
1 A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Na esteira dos bons resultados obtidos com a edição da Lei nº 7.244/1984 (Lei dos Juizados de Pequenas Causas), o legislador constituinte abraçou a ideia e previu em seu texto uma regra específica sobre a competência concorrente para edição de leis sobre a criação, funcionamento e processo dos Juizados de Pequenas Causa (art. 24, X). Ao mesmo tempo, previu a criação de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para processar e julgar, estes, as causas de menor complexidade, e, aqueles, as causas criminais de menor potencial ofensivo.
Posteriormente, o art. 98 foi alterado para prever também a criação de Juizados Especiais Federais no âmbito da Justiça Federal (dispositivo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 22/1999 e renumerado pela Emenda Constitucional nº 45/2004). Com base nestes comandos, o legislador infraconstitucional editou, primeiro, a Lei nº 9.099/1995, tratando dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais, em seguida, a Lei nº 10.257/2001, para regular os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e, por último, a Lei nº 12.153/2009, dedicada aos Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Nesse passo, importante sublinhar que o art. 1º da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública previu:
Art. 1º. Os Juizados Especiais da Fazenda Pública, órgãos da justiça comum e integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.
Parágrafo único. O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis, Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Por isso, na seara cível, parte da doutrina passou a sustentar que as três leis juntas formariam o chamado Sistema dos Juizados Especiais. De fato, na visão de Elpídio Donizetti (DONIZETTI, 2017, p. 676/677):
Esses três diplomas legislativos formam, reunidos, um microssistema processual próprio, distinto do CPC, ainda que a ele tenha de recorrer para se completar. As leis que compõem o microssistema dos Juizados Especiais constituem um conjunto normativo que, antes de outros raciocínios, dialoga entre si, em aplicação intercambiante ou intercomunicante. Dessa forma, apenas quando o microssistema não apresentar regra específica é que se recorre, em auxilio, ao CPC.
Nesse contexto, o Código de Processo Civil serve como um arcabouço complementar aos Juizados Especiais, não somente em relação aos temas que não foram expressamente tratados nas leis mencionais, mas também naqueles que, embora regulado em uma das leis, não se compatibiliza com a realidade presente nas demais.
Por certo, entretanto, a aplicação complementar do Código de Processo Civil deve ser feita sempre com temperamentos, dado que não se pode aglutinar esses dois textos sem a observância das características essenciais dos Juizados Especiais Cíveis, pautadas pelos princípios fundamentais previstos no art. 2º da Lei nº 9.099/1995. Como pontua Marcos Vinicius Rios Gonçalves (GONÇALVES, 2012, p. 843): “o Juizado Especial constitui um microssistema, as regras do CPC só podem ser aplicadas supletivamente na omissão de normas próprias, e desde que não ofendam o sistema e os princípios dos juizados”.
Quanto a essa última rubrica vale ungir a Teoria do Diálogo de Fontes (Dialogue des Sources), difundida no Brasil por Cláudia Lima Marques para justificar a interação entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil (MARQUES, 2013, p. 122). Trata-se, pois, de um modelo de hermenêutica jurídica diferente daquele tradicionalmente adotado no país e identificado com uma lógica positivista mais clássica.
De fato, defende-se a convivência harmônica das normas jurídicas versantes sobre uma mesma temática, ainda que pertencentes aos diplomas de categoria diferentes. Aplicando-se essa teoria à realidade dos Juizados Especiais, seria possível estabelecer um forte fluxo entre o Código de Processo Civil, na condição de lei geral, e as Leis nº 9.099/1995, nº 10.259/2001 e nº 12.153/2009, para complementar o funcionamento dos seus institutos, pautado na busca pela eficiência, atualidade e integridade.
Um exemplo que pode servir para ilustrar a proposta em tela pode ser visto na questão referente à tutela específica das obrigações mandamentais nos Juizados Especiais. De fato, a Lei nº 9.099/1995, quando foi editada, era vanguardista no que se refere à execução das obrigações de fazer, não fazer e entregar. In verbis:
Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:
V – nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado;
VI – na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária.
Com o passar do tempo, entretanto, seus avanços foram incorporados e aprimorados pelo Código de Processo Civil de 1973 e pelo Código de Processo Civil de 2015. Com isso, atualmente, o regramento da tutela específica das obrigações mandamentais presente na Lei dos Juizados Especiais tornou-se obsoleta e ineficaz, comparada com os dispositivos que tratam da mesma matéria no Código vigente (arts. 536 e 537).
Por isso, a partir da Teoria do Diálogo das Fontes, é possível sustentar a aplicação complementar das regras previstas no Código de Processo Civil aos Juizados Especiais, em razão da compatibilidade com os seus princípios fundamentais e da ineficácia e obsolência presentes nos dispositivos correlatos da Lei nº 9.099/1995. Com este pensar, é possível destacar o Enunciado nº161 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais – FONAJE:
Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95.
Em reforço a esse flanco podemos invocar ainda o Enunciado nº 2 da I Jornada de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal – CJF de 2017:
As disposições do CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente às Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, desde que não sejam incompatíveis com as regras e princípios dessas Leis.
O grande desafio, no entanto, é estabelecer critérios objetivos e seguros para que a compatibilização entre os diplomas possa cumprir o seu papel social. Na nossa visão, o norte a orientar este debate deve ser a busca pelo efetivo acesso à justiça. Em outras palavras, a integração somente será legítima se o resultado da interpretação for uma solução capaz de promover a tutela adequada dos direitos deduzidos em juízo, respeitados os paradigmas do modelo de processo previsto na Constituição Federal.
Além disso, é preciso considerar a vulnerabilidade das partes do processo, sob a ótica das causas cíveis de menor complexidade. De fato, diante da opcionalidade do procedimento especial, é o demandante que escolhe os Juizados Especiais para deduzir sua pretensão, abrindo mão de regras protetivas em nome da informalidade e da celeridade.
A despeito de existirem algumas vozes que defendem que as regras dos Juizados Especiais seriam desproporcionais, por ferir a razão paritária entre as partes (GRECO, 2009-A, p. 32), o entendimento prevalente é que as medidas são justificáveis, em razão das características das causas que podem ser consideradas como de menor complexidade. Com isso vale deixar posto que estamos lidando com um público especial, devendo o arcabouço que rege o Sistema valorizar a igualdade substancial e uma política pública legislativa afirmativa. Neste sentido, Márcia Cristina Xavier de Souza (SOUZA, 2010, p. 10 e 12) sustenta:
Primeiramente, há que se verificar que a própria lei pode determinar, de acordo com rígidos critérios, a desigualação entre pessoas. Apesar de ser o legislador o primeiro a observar o princípio da isonomia, situações há em que é necessário discriminar pessoas sem que, com isso, se esteja cometendo qualquer inconstitucionalidade. […]
Prevista no caput do art. 5º da Constituição Federal, como garantia de toda e qualquer pessoa no Brasil, a igualdade, do ponto de vista processual, é tida como a oportunidade que tem cada uma das partes de ter as mesmas chances de obter vitória ao final do processo. Essa oportunidade é a elas proporcionada, seja por essas disporem, previamente, de armas em posição paritária para defender seus interesses (assistência judiciária, instrução probatória, prazos, etc), seja por lhes ser suprida alguma eventual deficiência pela atividade do juiz.
Nesse mesmo vivenciar de condecoração da paridade de armas dentro de uma demanda jurídica, sabendo que se está diante de um agrupamento processual que merece ser discriminado positivamente para que possa começar uma demanda jurídica nos Juizados Especiais e também para dar seguimento nesse caso. No que tange à questão da isonomia, Alexandre Freitas Câmara (CÂMARA, 2011, p. 45) pontifica:
Volta-se, assim, ao ponto de partida, qual seja, a afirmação contida na Constituição de que “todos são iguais perante a lei”. Tal afirmação só pode ser aceita como uma ficção jurídica, visto que a igualdade entre as pessoas na verdade não existe. Todos somos diferentes, e as diferenças precisam ser respeitadas. A norma que afirma a igualdade de todos só será adequadamente interpretada quando se compreender que a mesma tem por fim afirmar que, diante das naturais desigualdades entre os homens, o ordenamento jurídico deve se comportar de modo capaz de superar tais desigualdades, igualando as pessoas. É, pois, dever do Estado assegurar tratamento que supra as desigualdades naturais existentes entre as pessoas. Somente assim ter-se-á assegurado a igualdade substancial (e não meramente formal) que corresponde a uma exigência do processo justo, garantido pela cláusula due process of law.
Por esses motivos, a feição protetiva dos Juizados Especiais não pode ser vista como desarrazoada ou desproporcional.
2 O PANORAMA ATUAL DO PREPARO DO RECURSO INOMINADO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
Numa primeira acepção, o recurso inominado, regulado nos arts. 41 e 42 da Lei nº 9.099/1995, seria o equivalente, dentro do Sistema dos Juizados Especiais, do recurso de apelação previsto nos arts. 1.009 a 1.014 do Código de Processo Civil. Como Felippe Borring Rocha (ROCHA, 2020, p. 275) já teve oportunidade de assinalar:
Nos Juizados Especiais, em face da sentença, seja definitiva ou terminativa, proferida antes ou depois da citação cabe “recurso inominado”. Trata-se, pois, de recurso análogo à apelação (art. 1.009 do CPC), que, por isso mesmo, deve servir de parâmetro para sua aplicação. Tal qual a apelação, o “recurso inominado” visa atacar os vícios contidos na sentença decorrentes da interpretação jurídica ou fática.
Além da falta de um nomen juris próprio, a principal diferença entre o recurso inominado e a apelação é o seu prazo para interposição e resposta. No caso do recurso previsto na Lei dos Juizados Especiais, o prazo de interposição é 10 dias (art. 42, caput, da Lei nº 9.099/1995), enquanto que o prazo recursal da apelação é de 15 dias (art. 1.003, § 5º, do CPC). Outro ponto de distinção é que, por expressa previsão legal (art. 41, caput, da Lei nº 9. 099/1995), não cabe recurso inominado em face de sentença da homologatória de conciliação ou do laudo arbitral. Importante frisar, ainda, que o mérito do recurso inominado é julgado pela Turma Recursal (art. 41, § 1º, da Lei nº 9.099/1995) e não pelo Tribunal, como se verifica com a apelação (art. 1.011 do CPC).
Ocorre que, ao contrário dos atos praticados ao longo dos procedimentos previstos na Lei dos Juizados Especiais, a interposição do recurso inominado deve ser feita por advogado, independentemente do valor da causa (art. 41, § 2º, da Lei nº 9.099/1995), e deve ser objeto de preparo (art. 42, § 1º, da Lei nº 9.099/1995). A obrigatoriedade da intervenção do advogado na fase recursal, mesmo nas causas onde o patrocínio não é necessário (art. 9º, caput, da Lei nº 9.099/1995), se justifica, pois o funcionamento dos mecanismos recursais demanda conhecimento técnico próprio que não é compatível, em tese, com a atuação de uma parte leiga.
No caso da exigência de preparo recursal, dissociada da lógica de gratuidade que permeia o instituto, tem como fundamento a ideia de dessistímulo econômico à interposição do recurso, para promover a aceitação da decisão proferida pelo juiz originário da causa. Destarte, o preparo do recurso inominado envolve não apenas o pagamento dos valores referentes ao processamento recursal, mas também aqueles que o recorrente deixou de recolher ao longo do procedimento. In verbis:
Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.
Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.
Em decorrência do preceito contido no parágrafo único do art. 54 da Lei nº 9.099/1995, o preparo do recurso inominado atinge patamares muito superiores aos valores despendidos para a interposição da apelação no juízo ordinário. Não raras vezes, o valor do preparo recursal ombreia com o valor do próprio objeto da causa. Por isso, para quem não tiver direito à gratuidade de justiça, a interposição do recurso inominado representa não apenas uma irresignação em face da sentença, mas a absoluta convicção de que a decisão tomada foi equivocada e merece ser anulada ou reformada. Além disso, como o preparo recursal envolve despesas que foram dispensadas em primeiro grau, calcular o seu valor nem sempre é uma tarefa fácil.
No caso do recurso inominado, o regramento do preparo pretendeu ser mais célere do que o modelo em vigor na época da elaboração da lei, previsto na redação original do art. 511 do Código de Processo Civil de 1973, onde o apelante era intimado para realizar o preparo no prazo de 5 dias da interposição do recurso. Assim, a Lei nº 9.099/1995 previu que o preparo seria feito, independentemente de nova intimação, nas 48 horas subsequentes à interposição do recurso. In verbis:
Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.
§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.
Sobre o tema, pontua Antonio Pereira Gaio Júnior (GAIO JÚNIOR, 2015, p. 83):
De modo contrário ao que acontece na apelação, quando o recorrente está obrigado a juntar comprovante do recolhimento de preparo na petição de interposição (art. 511 do CPC/1973; art. 1.007 do CPC/2015), é outorgado prazo de 48 (quarenta e oito) horas ao recorrente no juizado especial, não dependendo de intimação para fazer o preparo sob pena de o recurso ser declarado deserto (art. 42, § 1º, Lei nº 9.099/1995).
Note-se que o entendimento majoritário é que não basta que o recorrente realizar o preparo nas 48 horas supervenientes à interposição. É necessário que neste prazo o recorrente comprove, junto aos autos, que o preparo foi realizado (CHIMENTI, 2012, p. 272). Neste sentido, diz o Enunciado nº 19 das Turmas Recursais Federais do Rio de Janeiro que “Não será conhecido o recurso sem que a prova do preparo tenha sido feita no prazo legal de 48 horas, contadas da interposição”. Ademais, como o prazo foi fixado em horas, ele deve ser contato minuto a minuto, nos termos do art. 132, § 4º, do Código Civil (ROCHA, 2020, p. 277). Por certo, entretanto, nada impede que o recorrente, no momento da interposição do recurso inominado, já faça a juntada do comprovação da quitação das custas judiciais do preparo recursal.
Importante frisar que a Lei nº 9.099/1995 não tratou das consequências decorrentes do recolhimento do preparo a menor. Disse apenas, de forma lacônica, que a falta do preparo levaria à deserção. Com isso, surgiu o debate sobre as consequências advindas da falta do preparo do recurso inominado ou do seu recolhimento a menor. Uma primeira corrente sustenta que a falta do preparo ou seu recolhimento a menor enseja a imediata deserção do recurso inominado interposto. Uma segunda corrente defende que a questão deve ser tratada com as regras previstas para a apelação.
No caso da apelação, o art. 1.007 do Código de Processo Civil estabelece que o preparo do recurso será comprovado no momento da interposição, caso contrário, o apelante será intimado para em 5 dias efetuar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. Por outro lado, na hipótese do apelante efetuar o preparo a menor, o mesmo dispositivo determina que ele será intimado, em derradeira oportunidade, para complementar o pagamento, no prazo de 5 dias, também sob pena de deserção. Com isso, o Código de Processo Civil acabou com a deserção prima facie. In verbis:
Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§ 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 4º O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção.
§ 5º É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º.
Numa síntese, os adeptos da primeira corrente apregoam que o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.099/1995 deve ser lido de forma literal e restritiva, a partir de uma técnica hermenêutica conhecida como “silêncio eloquente”. Sob esta ótica, a omissão do legislador em tratar da hipótese do recorrente não realizar o preparo ou fazê-lo de forma incompleta deveria ser interpretada como uma proibição implícita à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Nesse passo, vale fazer um pequeno parênteses histórico. O art. 42 da Lei nº 9.099/1995 reproduziu, ipsi literis, o art. 42 da Lei nº 7.244/1984, que tratava dos Juizados de Pequenas Causas. A projeto de lei que deu origem à Lei nº 7.244/1984, por sua vez, foi elaborado em 1983. Portanto, o paradigma normativo da norma em comento foi a redação original do § 2º do art. 511 do revogado CPC/1973, que já previa a possibilidade da complementação do preparo.
Além disso, afirmam que a lógica adotada pela Lei dos Juizados Especiais é desestimular a interposição do recurso, para promover a aceitação da decisão de 1º grau. Por fim, aduzem que a aplicação do regime do Código de Processo Civil seria incompatível com os princípios fundamentais dos Juizados Especiais, notadamente com o princípio da celeridade (art. 2º da Lei nº 9.099/1995).
Por isso, há décadas prevalece o entendimento de que a falta ou a insuficiência do preparo leva automaticamente à deserção. Neste sentido, assinala o Enunciado nº 80 do FONAJE que o “recurso inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação intempestiva (art. 42, § 1º, da Lei 9.099/1995)”.
Da mesma forma, o Enunciado nº 11.3. das Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Aviso TJRJ nº 23/2008) afirma que “não se aplica o § 2º do Art. 511 do CPC[1973] ao sistema dos Juizados Especiais”. Mesmo com a edição do Código de Processo Civil de 2015, o quadro não se alterou. Neste sentido, diz o Enunciado nº 168 do FONAJE que “não se aplica aos recursos dos Juizados Especiais o disposto no artigo 1.007 do CPC 2015”.
Apenas para ilustrar, vejam-se os seguintes julgados, proferidos por 10 Turmas Recursais de diferentes Estados do País:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. GOOGLE BRASIL. MENSAGENS OFENSIVAS. ENVIO DE IPS. RECURSO INOMINADO. PREPARO INTEMPESTIVO. DESERÇÃO. ENUNCIADO Nº 80 E 168 DO FONAJE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.007 DO CPC NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (TJDF – 2ª Turma Recursal – RI 0704966-38.2020.8.07.0019 – Rel. Juiz Arnaldo Corrêa Silva, j. em 07/06/2021)
AGRAVO INTERNO EM RECURSO INOMINADO. DECISÃO MONOCRÁTICA. PREPARO PARCIAL. AUSÊNCIA DE GUIAS DE RECOLHIMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.007, § 2º DO CPC/15 AO MICROSSISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. DESERÇÃO. (TJCE – 2ª Turma Recursal – AgIntRI 0050688-49.2020.8.06.0154 – Rel. Juiz Flávio Luiz Peixoto Marques, j. em 24/06/2021).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO INOMINADO. PREPARO PARCIAL DO RECURSO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.007, § 2º DO CPC EM SEDE DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INCOMPATIBILIDADE COM O SISTEMA PROCESSUAL ERIGIDO PELA LEI 9.099/95. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. (TJTO – 2ª Recursal – AgIntRI 0017544-92.2018.8.27.9200 – Rel. Juiz Ariostenis Guimarães Vieira, j. em 05/06/2019).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DESERÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO PREPARO EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS. INAPLICABILIDADE DO CPC. JULGAMENTO DA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL Nº 4278-RJ. PRECEDENTES DO STJ. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, DÚVIDA, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL NO ACÓRDÃO. EMBARGOS REJEITADOS. (TJBA – 1ª Turma Recursal – EDRI 00009130320198050001 – Rel. Juiz Sandra Sousa do Nascimento Moreno, j. em 10/02/2021).
CORREIÇÃO PARCIAL – JUIZADOS ESPECIAIS – RECURSO INOMINADO – PREPARO RECURSAL – RECOLHIMENTO INTEMPESTIVO – DESERÇÃO – INTIMAÇÃO PARA PREPARO EM DOBRO – DESCABIMENTO. – O recurso Inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação intempestiva (art. 42, § 1º, da Lei 9.099/1995) (FONAJE, ENUNCIADO 80 – XII Encontro Maceió-AL)- Não se aplica aos recursos dos Juizados Especiais o disposto no artigo 1.007 do CPC 2015 (FONAJE, ENUNCIADO 168 – XL Encontro – Brasília-DF). VVP. CONSELHO DA MAGISTRATURA – CORREIÇÃO PARCIAL – INCONFORMISMO QUANTO AO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INOMINADO POR DESERÇÃO – ERROR IN JUDICANDO – CORREIÇÃO PARCIAL NÃO CONHECIDA. (TJMG – Conselho da Magistratura – Recl. 10000205393226000 – Rel. Des. Ramom Tácio, j. em 17/03/2021).
RECURSO INOMINADO. COBRANÇA. DESERÇÃO. RECOLHIMENTO A MENOR DO PREPARO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO. ART. 511, § 2º, DO CPC/73 (ART. 1007, § 2º, DO CPC/2015). INAPLICABILIDADE NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (TJPR – 1ª Turma Recursal – RI 0009697-05.2014.8.16.0173 – Rel. Juiz Leo Henrique Furtado Araújo, j. em 11/07/2016).
MANDADO DE SEGURANÇA. DESERÇÃO DE RECURSO INOMINADO POR PREPARO INSUFICIENTE. COMPLEMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGRA ESPECIAL DO § 1º, ART. 42, DA LEI Nº 9.099/95 QUE NÃO PERMITE A APLICAÇÃO DO § 2º do ART. 1.007, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA ORDEM. (TJRJ – 4ª Turma Recursal – MS 00005624320188199000 – Rel. Juiz Keyla Blank de Cnop, j. em 08/05/2018).
PROCESSUAL. DESERÇÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA. AUSÊNCIA DE PREPARO DO RECURSO, QUE DEVERIA SER REALIZADO E COMPROVADO NO PRAZO PREVISTO NO ART. 42, § 1º, DA LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE DO § 4º DO ART. 1.007 do CPC/15, POR EXISTÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA TRATANDO DO TEMA NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1046, § 2º, DO CPC/15. (TJRS – 4ª Turma Recursal – RI 71006550685 – Rel. Juiz Ricardo Pippi Schmidt, j. em 07/04/2017).
PROCESSUAL CIVIL. JUIZADO ESPECIAL. RECURSO INOMINADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DAS CUSTAS FINAIS. PREPARO INCOMPLETO. DESERÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. 1. No Juizado Especial, o preparo recursal compreende “todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição” (art. 54, parágrafo único, da Lei n. 9.099/1995). Logo, o preparo abrange não só a taxa recursal, mas também as custas finais. 2. No Juizado Especial, o preparo recursal deve ser feito, à míngua de intimação, em até 48 horas após a interposição, sob pena de deserção (art. 42, § 1º, da Lei n. 9.099/1995). A disciplina legal específica afasta a possibilidade de aplicação subsidiária do CPC/2015 (art. 1.007, §§ 2º e 4º), de modo que não se admite complementação posterior do preparo. (TJSC – 7ª Turma de Recursos – RI 0304886-65.2016.8.24.0033, Relator: Cláudio Barbosa Fontes Filho, j. em 02/09/2019).
Agravo de instrumento. Preparo recolhido à menor. Impossibilidade de complementação. Inteligência do Art. 42, § 1º da Lei 9.099/95. Regramento específico do JEC que se sobrepõe às regras subsidiárias do CPC. Incidência dos termos do Enunciado 80 do FONAJE. (TJSP – 2ª Turma Recursal – AI 0100037-63.2021.8.26.9002 – Rel. Juiz Regiane dos Santos, j. em 17/06/2021).
Ainda nesse rol de referências jurisprudenciais anteriores, merece citação o seguinte trecho do julgamento do ARESP nº 970.082/SC, concluído no dia 27 de maio de 2017, sob a relatoria do Ministro Teori Zavascki:
O prazo para a parte recolher o preparo é uno, sendo nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes à interposição do recurso. E, assim não procedendo, o recurso não pode ser conhecido, em face da deserção, não admitindo a sua complementação fora desse prazo, nos termos do artigo 42, § 2º, da Lei n. 9.099/95. Ademais, não se aplica o Código de Processo Civil, de forma subsidiária ao caso em comento, uma vez que afronta a norma contida em lei especial e ofende um dos critérios norteadores dos Juizados Especiais.
Com o devido respeito, mas a mencionada corrente, amplamente majoritária na jurisprudência, apresenta algumas inconsistências técnicas (ROCHA, 2020, p. 279, e CÂMARA, 2008, p. 145). Em primeiro lugar, o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.099/1995 trata apenas da falta de preparo e não do preparo insuficiente. Portanto, mesmo adotando uma interpretação restritiva, não parece correto sustentar a aplicação da mesma sanção – a deserção – para duas condutas essencialmente diferentes. Tratar o recorrente que fez o preparo a menor da mesma forma que aquele que não realiza qualquer tipo de recolhimento atenta contra a razoabilidade e a proporcionalidade. A técnica do “silêncio eloquente”, portanto, no rigor da literalidade do texto legal, somente poderia ser aplicado em relação à falta de preparo, mas não em relação ao preparo feito a menor.
Em segundo lugar, não parece ser adequado associar o princípio da celeridade com a aplicação da deserção recursal. De fato, na fase recursal, é o recorrente que está pleiteando a tutela jurisdicional. De modo que a decisão que deixa de admitir o recurso, de plano e sem resolução do mérito, não pode ser considerada como uma tutela célere, do ponto de vista da efetividade. A celeridade não é um fim em si mesmo e depende da sua materialização como uma tutela constitucionalmente adequada. Dito de outra forma, o Estado-Juiz não pode se livrar da atribuição de prestar uma tutela efetiva, sob o pretexto de estar comprometido com a celeridade. Ademais, a orientação prevalente não se coaduna com o princípio da primazia do mérito e, em última análise, com a busca do acesso à justiça, no plano do acesso aos tribunais.
Em suma, o único argumento que pode ser considerado como tecnicamente adequado, para sustentar a inaplicabilidade subsidiária dos dispositivos do Código de Processo Civil, é a busca por desestimular a interposição dos recursos presente na Lei nº 9.099/1995.
Por outro lado, é preciso considerar que a corrente majoritária leva a uma distorção, no que tange aos mecanismos de controle dos atos judiciais. Isso porque o recurso inominado e os embargos de declaração são, de acordo com o entendimento prevalente, os únicos recursos cabíveis na fase de conhecimento do procedimento sumaríssimo. Não tem sido admitido o cabimento do agravo de instrumento nos Juizados Especiais, como se pode observar do Enunciado 15 do FONAJE, que diz nos “Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC/1973”. Além disso, dos julgamentos colegiados realizados pelas Turmas Recursais só cabem os embargos de declaração (arts. 48 a 50 da Lei nº 9.099/1995) e o recurso extraordinário.
Nesse sentido, diz a Súmula nº 640 do STF que é “cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por Juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. Por fim, a par das críticas feitas, de acordo com o art. 59 da Lei nº 9.099/1995, não cabe ação rescisória em face das decisões proferidas nos Juizados Especiais. De modo que promover uma excessiva restrição ao julgamento de mérito do recurso inominado, dentro deste panorama, leva ao enfraquecimento da estrutura de proteção das garantias fundamentais, elemento essencial ao bom funcionamento do modelo constitucional de processo.
3 NOVOS CAMINHOS QUANTO AO PREPARO NO RECURSO INOMINADO
Não obstante a mencionada prevalência jurisprudencial, é preciso reconhecer que a Lei dos Juizados Especiais não é imutável, podendo eventualmente ser modificada para promover uma harmonização entre a Lei nº 9.099/95 e o Código de Processo Civil de 2015. Neste sentido, existem alguns projetos de lei que desejam precisamente alterar as regras referentes ao preparo do recurso inominado. O Projeto de Lei da Câmara nº 212/2021, por exemplo, objetiva alterar a Lei nº 9.099/95 para reafirmar que o preparo do recurso inominado deve ser feito no momento da interposição. In verbis:
Art. 8º – Os §§1º e 2º do art. 42 da Lei 9.099 de 1995 passa a viger com a seguinte redação:
Art. 42 (…)
§ 1º – No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção.
§ 2º – A Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.
O Projeto de Lei da Câmara nº 265/2015, por seu turno, busca introduzir não apenas a necessidade de comprovação do preparo no momento da interposição, mas também a possibilidade de complementar o preparo realizado a menor:
Art. 1º – Dá nova redação ao § 1º do art. 42 Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Art. 42 (…)
§ 1º – O preparo será comprovado no ato de interposição do recurso e, sendo insuficiente, acarretará deserção se, intimado, o recorrente não complementar em cinco dias.
A redação proposta pelo PLC nº 265/2015, por sinal, tem a mesma lógica introduzida no art. 511 do CPC/1973 pela Lei nº 8.756/1998.
Em adição a essas duas minutas ainda podemos mencionar também o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 9.669/2018, que objetiva fazer uma série de mudanças na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e dentre elas está nomeadamente o art. 42 e seguintes da Lei nº 9.099/1995 como notamos:
Art. 8º. Inclui os incisos I e II ao § 1º do art. 42, com a seguinte redação:
I – Se o recolhimento do preparo for insuficiente, será o recorrente intimado, em nome do seu advogado, para que o complemente, no prazo de cinco (5) dias úteis.
II – Em caso de ausência de qualquer recolhimento da interposição do recurso, será o recorrente intimado, na pessoa de seu advogado, ao recolhimento do valor em dobro, sob pena de deserção, no prazo de cinco (5) dias úteis.
A motivação do PLC nº 9.669/2018 é tornar a Lei mais simples e valorizar a operabilidiade. In verbis:
Contém, também, a previsão de inclusão dos incisos I e II ao parágrafo 1º do artigo 42, para que seja garantido o direito à complementação de preparo ao recorrente de boa-fé, com a imputação de penalidade àquele que interpuser recurso deserto, seguindo a mesma linha adotada pelo novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015).
Sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça e com o advento do novo CPC, faz-se necessária a alteração do sistema processual aplicável aos Juizados Especiais Cíveis e Especiais estaduais, como forma de unificação e adequação às regras processuais vigentes, com a criação de ordenamento jurídico uno. […]
Ademais, a possibilidade de complementação de preparo de recurso representa maior garantia aos recorrentes, sendo fixada, ao revés, penalidade pela total deserção.
Assim, devemos reconhecer que a coluna dos Juizados Especiais Cíveis está em jogo, em virtude dos princípios do acesso à justiça e da isonomia estarem sendo esgrimados em um contexto em que talvez a razão não esteja no presente cenário interpretativo, que é categórico, como fizemos questão de alinhavar ao longo do eixo anterior de nosso compilado, de que a regra do art. 42 e seus parágrafos devem se alinhar aos comandos contidos no art. 1.007 do CPC.
Diante disso, talvez uma remodelação fosse favorável para que tenhamos igualdade entre os diplomas processuais civis, o que traria maior facilidade para todos os envolvidos e a fuga de situações em que a carência, por exemplo, de um único centavo em sede de Juizados Especiais pudesse levar ao não conhecimento de um recurso inominado e da impossibilidade de complementação (ROCHA, 2020, p. 278). Foi precisamente esse último caso que chegou até o STF por meio do REXT nº 347.528/RJ, soba relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, em julgamento que aconteceu na Primeira Turma no dia 06/04/2004. In verbis:
Deserção do recurso pela diferença de R$ 0,01 (um centavo) entre a conta e o preparo efetivado. Ao exigir da recorrente o cumprimento de condição impossível de ser satisfeita- recolhimento de valor não existente no sistema monetário brasileiro (L. 9.069/95, art. 1º, §§ 2º e 5º), a decisão recorrida, além de negar-lhe, na prática., a prestação jurisdicional demandada, cerceou claramente o seu direito de defesa, ofendendo o artigo 5º, XXXVI e LV da Constituição. (…)
Tem razão ao meu ver a recorrente, ao sustentar que não podia ter recolhido o valor exigido, R$7,659, pelo simples e evidente motivo de que esse valor não existe em nosso sistema monetário. Nem haveria cogitar do arredondamento para cima. Se a recorrente houvesse pago R$7,66, o banco não teria como dar-lhe um milésimo de real de troco.
CONCLUSÕES
Diante do exposto, é preciso reconhecer a necessidade de maior cuidado em relação aos Juizados Especiais Cíveis, porquanto eles sãos órgãos judiciais que, não raro, são a porta de entrada do cidadão para a defesa dos seus direitos. Não por outro motivo, esse diploma legal é marcado por valores caros ao acesso à justiça, tais como a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a celeridade e a economia processual, além da busca pela solução consesual dos conflitos.
Assim, é possível, através do chamado Diálogo de Fontes, promover uma maior aproximação entre as regras o Código de Processo Civil de 2015 e sistema recursal previsto na Lei nº 9.099/1995, para densificar os princípios e garantias fundamentais do processo .
Além disso, tal comunicação serve de farol para a construção de um sistema processual civil mais harmonioso e seguro para os profissionais jurídicos e para os jurisdicionados que atuam no âmbito dos Juizados Especiais.
Nessa lavra, a interação entre os diplomas legais deve construída de forma a lidimar a justiça de proximidade, a superação ou mitigação das barreiras para a tutela efetiva dos direitos deduzidos em juízos. Por isso, é imperioso que se costure essa conferência entre a Lei nº 9.099/1995 e o Código de Processo Civil de 2015 de forma a favorecer o conteúdo do Microssistema dos Juizados Especiais, prezando pela coesão principiológica dos Juizados Especiais.
Por isso, realçamos que a jurisprudência majoritária, consubstanciada por enunciados de instituições judiciais, é consolidada no sentido de não permitir a intimação do recorrente que não comprovou o adimplemento ou ainda que fez o recolhimento das custas a menor, em homenagem à norma singular da Lei nº 9.099/1995. Ademais, passou do tempo para que o legislador modifique a Lei, harmonizando o tema, tanto no sentido da comprovação, acabando com o prazo separado de 48 horas, como na admissão da complementação.
De fato, não é razoável que alguém que efetuou o recolhimento das custas, por um lapso, tenha seu recurso inominado inadmitido, sem qualquer possibilidade de emenda, na contramão do que preevem as regras do CPC (arts. 932 e 1.007) e à luz do princípio da primazia do mérito (art. 4º). Além disso, não se pode obliterar que o art. 2º da Lei nº 9.099/1995 com suas vigas centrais, não podem ser desprezadas, com vistas à promoção do acesso à justiça, inclusive no plano do acesso aos tribunais.
AUTORES
Felippe Borring Rocha e Pedro Teixeira Pinos Greco
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