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A flexibilização do processo e do procedimento

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Processo Civil

NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

A flexibilização do processo e do procedimento

CPC 2015

FLEXIBILIZAÇÃO DO PROCESSO

NCPC

NOVO CPC

PROCEDIMENTO

PROCESSO CIVIL

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

09/11/2015

As formas processuais correspondem a uma necessidade de ordem, certeza e eficiência. Sua observância representa uma garantia de andamento regular e legal do processo e de respeito aos direitos das partes, sendo, pois, o formalismo indispensável ao processo. Só que, é necessário evitar, tanto quanto o possível, que as formas sejam um embaraço e um obstáculo à plena consecução do escopo do processo, impedindo que a cega observância delas sufoque a substância do direito.

Por isto, o legislador, ao regular as formas (que em grande parte são o resultado de uma experiência que se acumulou durante séculos), preocupa?se em adaptá?las às necessidades e costumes do seu tempo, eliminando o excessivo e o inútil.

A adaptação do processo ao seu objeto e sujeitos, assim, dá?se, em princípio, no plano legislativo, mediante elaboração de procedimentos e previsão de formas adequadas às necessidades locais e temporais. A previsão de procedimentos especiais comprova a regra enunciada.

Mas é recomendável que a adaptação ocorra também no próprio âmbito do processo, com a concessão de poderes ao juiz para, dentro de determinados limites, realizar a adequação de forma concreta.

De fato, a moderna ênfase que se dá ao aspecto eficacial do processo (no seu aspecto material e temporal), sugestiona que se deve conferir ao procedimento o ritmo necessário à efetiva atuação jurisdicional. Se não se obtém isto por força de modelos legais aptos à tutela adequada e tempestiva do direito material, há de se conferir ao juiz condições de acelerar procedimentos, ou de freá?los, de acordo com a necessidade concreta, respeitadas as garantias do processo constitucional.

Por vinculado ao sistema da legalidade das formas, o CPC/1973 havia se filiado, preponderantemente, ao regime de flexibilização legal alternativa, com ampla incidência de tramitações procedimentais alternativas (variantes rituais previamente previstas pelo legislador) em detrimento do modelo legal genérico de flexibilização (vide artigos 330, 331, § 3o, 527, II; 557 e 557?A, todos do CPC/1973). Praticamente nada há no CPC/1973 que autorize, do ponto de vista legal, o juiz ou as partes a, genericamente, calibrar o rito conforme as particularidades da causa (flexibilização legal genérica) ou interesse pessoal (flexibilização legal voluntária).

No anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas responsável pelo CPC/2015 pretendia?se substituir tal modelo rígido do CPC/1973 (flexibilização legal alternativa) pelo sistema da flexibilização legal genérica, confiando?se ao juiz um poder geral de adaptação. O art. 107, V, do anteprojeto estabelecida que o juiz dirigiria o processo conforme as disposições da lei, incumbindo?lhe “adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa”. E o art. 151, § 1o, do mesmo anteprojeto, dispunha que “quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste”.

Se por um lado aplaudiu?se a norma proposta sob o fundamento de que, com isto, os procedimentos passariam a ser adaptados judicialmente às particularidades subjetivas e objetivas do conflito (e não o contrário) – inclusive tornando desnecessária a previsão exaustiva e dilargada de procedimentos especiais – por outro se encontrou forte crítica (e resistência) de parte da comunidade jurídica com a ampliação dos poderes do juiz na condução do procedimento; com o risco de que, operacionalizada a flexibilização, perdesse?se o controle do curso processual (da previsibilidade), principal fator para a preservação do modelo da rigidez formal.

Por conta da referida crítica, e em busca de um consenso político necessário na análise do texto pelo Senado (em decisão seguida pela Câmara), optou?se por manter?se a possibilidade de flexibilização legal genérica do procedimento, porém de modo mitigado.

Assim, limitou?se, tal como aprovado no art. 139, VI, do CPC/2015, a flexibilização legal genérica do procedimento a duas hipóteses: o aumento de prazos (não é permitida a diminuição de prazos) e a inversão da produção dos meios de prova (esta última, inclusive, sem sentido algum, já que o art. 361 do CPC/2015 já estabelece ser a ordem de produção de provas em audiência preferencial, não absoluta).

O CPC/2015 foi um pouco mais além, inaugurando no processo civil brasileiro uma nova era em que a vontade é fonte da norma processual. Estabeleceu, no art. 190, o modelo da flexibilização voluntária do procedimento (cláusula geral de negócio jurídico processual), autorizando às partes plenamente capazes, nas causas sobre direitos que admitam autocomposição: a) estipular mudanças no procedimento para ajustá?lo às especificidades da causa; e b) convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Permitiu, inclusive, que as parte, junto ao juiz (negócio jurídico plurilateral), fixassem calendário processual (art. 191 do CPC/2015).

Ou seja, tal como uma alfaiate que ajusta a roupa conforme o corpo ou a vontade do freguês, o juiz (com menos intensidade) e as partes (com mais intensidade) podem, no Novo CPC, promover a calibração do procedimento e até do processo [1] às especificidades da causa, fazendo o ajuste fino do modelo genérico e abstratamente previsto em lei às reais necessidades do conflito.

Evidentemente – como tudo que é novo ?, há apreensão, expectativa e, principalmente, diversas dúvidas sobre operacionalização prática dos arts. 139, VI, 190 e 191 do Novo CPC, quase todas resolvidas muito mais por uma tendência ideológica do intérprete do que, propriamente, por uma percepção realística das vantagens ou desvantagens das novas disposições para o sistema.

Por exemplo, não se sabe ao certo quais são os limites das partes na celebração das convenções processuais atípicas do art. 190 do CPC/2015. Poderiam elas dispor sobre poderes e deveres do órgão jurisdicional, tais como os relacionados ao poderes instrutórios do juiz (covencionando a obrigatoriedade de colheita de dada prova, ou vedando que o juiz a colha oficiosamente)? Poderiam convencionar aumento de prazos para sustentação oral, ou criarem novos recursos ou hipóteses de rescindibilidade não previstas em lei? É possível convenções processuais no âmbito do processo do trabalho, considerada a presunção sistêmica de hipossuficiência do trabalhador? A autorização para que partes “plenamente” capazes celebrem convenções processuais, autoriza que apenas absolutamente capazes o façam, ou os relativamente capazes podem fazê?lo, inclusive pré?processualmente, desde que representados ou assistidos? É eficaz convenção pré?processual oral, especialmente nos casos em que haja controvérsia sobre sua pactuação no âmbito do processo? [2]

Há também inúmeras dúvidas na questão da flexibilização do procedimento pelo juiz (flexibilização legal genérica mitigada, art. 139, VI, do CPC/2015). Se o juiz pode oficiosamente ampliar prazos, as partes podem também requerer a sua ampliação. E se requerem, o pedido de ampliação – que no mais das vezes só será decidido após o término do prazo abstratamente previsto em lei –, tem o condão de interromper ou suspender o prazo para o ato que deveria ser praticado e não o foi à espera da decisão judicial? Se positiva a resposta, isto não catalisaria o número de pedidos de ampliação, sempre com o intuito de se obter, por via oblíqua, a ampliação do prazo? A parte que requerer a ampliação do prazo com este propósito, estaria sujeita às penas de litigância de má?fé por conta da violação do dever de lealdade processual (art. 5o do CPC/2015)? Para a aplicação oficiosa do art. 139, VI, do CPC/2015, o juiz deve previamente ouvir as partes, na forma do art. 10 do CPC/2015?

O momento, portanto, é de muitas dúvidas e poucas certezas na temática da flexibilização do processo e do procedimento do Novo CPC3. Entre o extremado pessimismo de alguns e o otimismo de outros; entre o discurso (hiper) publicista de tantos e o (hiper) privatismo libertário de outros; será encontrado um meio termo ideológico na temática. E com alguns anos de vigência da Lei 13.105/2015 (talvez décadas) estas dúvidas se dissiparão e a prática revelará se as opções legislativas foram acertadas ou não; se foram capazes de trazer algum benefício para o direito processual civil brasileiro (que é o que realmente importa a todos).


[1] Há, inclusive, autores que não encontram distinção (inclusive prática) entre (normas de) processo e procedimento, com destaque para o recente trabalho de Paula Sarno Braga (Norma de processo e norma de procedimento: o problema de repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Salvador: Juspodvm, 2015). Em sentido contrário, afirmando a distinção a partir da expressa distinção dos arts. 22, I e 24, X e XI, da CF, cf. o nosso A competência constitucional dos Estados em matéria de procedimento (art. 24, XI, da CF): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processo civil brasileiro em tempo de novo CPC. Revista de Processo, v. 186, p. 199-227, 2010.

[2] Em evento histórico realizado em Brasília em agosto/2015 , mais de 500 juízes (estaduais e federais) de todo país foram chamados a estudar e debater a Lei 13.105/2015, elaborando, ao final, enunciados interpretativos representativos das primeiras impressões da magistratura brasileira sobre o Novo CPC. Entre eles, ao menos 04 (quatro) são relativos à temática da flexibilização do procedimento (e do processo) pelas partes, revelando, assim, a importância que a temática tem no novo sistema: i) Enunciado 36) A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei; Enunciado 37) São nulas, por ilicitude do objeto, as convenções processuais que violem as garantias constitucionais do processo, tais como as que: a) autorizem o uso de prova ilícita; b) limitem a publicidade do processo para além das hipóteses expressamente previstas em lei; c) modifiquem o regime de competência absoluta; e d) dispensem o dever de motivação. Enunciado 38) Somente partes absolutamente capazes podem celebrar convenção pré?processual atípica (arts. 190 e 191 do CPC/2015). Enunciado 39) Não é válida convenção pré?processual oral (art. 4o, § 1o, da Lei n. 9.307/1996 e 63, § 1o, do CPC/2015).

[3] Dúvidas e certezas que, inclusive, permearam a elaboração dos comentários aos arts. 139, VI, 190 e 191, em nosso Teoria Geral do Processo: Comentários ao CPC/2015 (São Paulo: Métodos, 2015, p.460/467 e 612/637, em co-autoria com Luiz Dellore, Andre Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr. (também autores desta coluna).


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