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O fim da relativização da coisa julgada no Novo CPC

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Processo Civil

NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

O fim da relativização da coisa julgada no Novo CPC

AÇÃO RESCISÓRIA

COISA JULGADA

CPC

CPC 2015

IMPUGNAÇÃO

LEI INCONSTITUCIONAL

NOVO CPC

PROVA NOVA

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

TÍTULO EXECUTIVO

Luiz Dellore
Luiz Dellore

31/08/2015

A coisa julgada é um dos temas mais difíceis do processo, e o Novo CPC promove algumas importantes alterações, especialmente nos seus limites [1]. Mas, em relação à relativização da coisa julgada, o Novo Código altera o panorama existente? A resposta é positiva.

Como se sabe, o sistema processual prevê uma forma específica para desconstituir a coisa julgada, a ação rescisória (AR).

A rescisória não existe com o intuito de afrontar ou enfraquecer a coisa julgada, mas exatamente o contrário, visto que sua finalidade é possibilitar a rescisão apenas acaso verificada determinadas situações previamente eleitas pelo legislador. Tal ação, de competência originária dos tribunais, é cabível apenas em algumas hipóteses específicas, numerus clausus, previstas na legislação (CPC/73, art. 485), No NCPC, há alterações, mas a base da rescisória é a mesma (NCPC, art. 966).

A rescisória possibilita a normal formação da coisa julgada, mas torna possível a rescisão do julgado, se presentes determinados vícios. E, caso não houvesse tal instrumento, se não fosse possível afastar tais vícios, é provável que, do ponto de vista sociológico, a coisa julgada fosse indesejada. Mas, por certo, há prazo para a rescisória: dois anos contados do trânsito em julgado (CPC/73, art. 495; NCPC, art. 975[2])

Considerando ser esse prazo por vezes insuficiente, a doutrina processual brasileira começou a sustentar, perto do ano 2000, a possibilidade de discussão do que restou definido pela coisa julgada, mesmo após a ultrapassagem do prazo para a ação rescisória – ou até mesmo sem a necessidade de se utilizar tal meio processual para desconstituir a coisa julgada.

Trata-se da teoria da “relativização da coisa julgada”(gênero), sendo que um de seus temas de maior destaque é a chamada “coisa julgada inconstitucional” (espécie). A expressão “relativização da coisa julgada” foi consagrada pelo Professor DINAMARCO[3], ao passo que suas origens remontam ao autor português PAULO OTERO[4].

Para os defensores desta corrente, em algumas hipóteses excepcionais, em que há verdadeira repugnância caso a decisão permaneça no mundo jurídico (na qual estão em jogo conceitos como moralidade e dignidade e outros princípios constitucionalmente garantidos), é de se admitir a revisão de tais julgados “repugnantes”, mesmo que presente a coisa julgada e superado o lapso temporal para a utilização da rescisória.

Como hipóteses mais relevantes apontadas pela doutrina podemos citar:

(i) a sentença que fixou, contra o Estado, indenização indevida ou em valor exorbitante;

(ii) a sentença que apreciou a investigação de paternidade sem que se fizesse uso de exame de DNA.

Das páginas doutrinárias, a teoria parcialmente migrou para a lei. Isso se deu inicialmente com o art. 741, p.u. do CPC/73 (MP 2.180-35/2001). Depois, por força da L. 11.232/05, passou para o art. 475-L, § 1° do Código anterior. No NCPC, está mantido, no art. 525, § 12 (bem como o art. 536, § 5º).

É de se dizer que a teoria parcialmente migrou para a legislação por esse dispositivo pois a hipótese em questão – desconstituição do título executivo, sem a necessidade de rescisória, em virtude de uma decisão do STF – não é exatamente a hipótese defendida pela doutrina[5].

De qualquer forma, o debate foi – e permanece – rico na doutrina[6] e jurisprudência.

Do ponto de vista dos tribunais, os primeiros precedentes do STJ, a partir dos exemplos acima indicados, são os seguintes:

* Decisão contra o Estado (itálicos meus)

PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS. COISA JULGADA. 1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos pagamentos de parcelas acordados em cumprimento a precatório expedido.

  1. Alegação, em sede de Ação Declaratória de Nulidade, de que a área reconhecida como desapropriada, por via de Ação Desapropriatória Indireta, pertence ao vencido, não obstante sentença trânsito em julgado.
  2. Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da controvérsia.
  3. Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da moralidade pública e da segurança jurídica.
  4. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que devem ser asseguradas.
  5. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda e da sua possibilidade jurídica.
  6. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social e estatal, os direitos das partes litigantes.
  7. Recurso provido para garantir os efeitos da tutela antecipada, nos moldes e nos limites concedidos em primeiro grau.

(RESP 240712/SP ; Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Data da Decisão 15/02/2000

Órgão Julgador  T1 – PRIMEIRA TURMA)

* Investigação de paternidade sem DNA (itálicos meus)

PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO.

I – Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido.

II – Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza” na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. (…)

IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.

(RESP 226436/PR ; Relator(a) Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Data da Decisão 28/06/2001, Órgão Julgador  T4 – QUARTA TURMA)

Apesar dessas duas decisões iniciais favoráveis, o embate jurisprudencial foi forte, no âmbito do STJ, com decisões divergentes[7].

A questão, como não poderia deixar de ser, já que a coisa julgada é prevista na CF[8], chegou ao STF. E tal Corte, em recurso extraordinário com repercussão geral, definiu que cabível a relativização da coisa julgada, nos casos em que não houve o DNA. A ementa é a seguinte (itálicos meus):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA, COM FUNDAMENTO EM COISA JULGADA, EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA, POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO. REPROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE, EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER, COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. (…) 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. (…) (RE 363889, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-238 DIVULG 15-12-2011 PUBLIC 16-12-2011 RTJ VOL-00223-01 PP-00420)[9].

Esse o panorama anterior ao NCPC.

E a nova legislação altera essa situação?

Entendo que sim[10].

A relativização da coisa julgada no Novo CPC 

Há uma nítida resistência à possibilidade de relativização no NCPC. Não há menção expressa ao tema, menos ainda vedação à relativização. Porém, há pelo menos dois dispositivos que enfraquecem a teoria da relativização, em tendência que valoriza a segurança jurídica e previsibilidade das relações, e que me parece excelente – considerando a insegurança que a relativização, sem quaisquer limites, causa(va).

1) AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM PROVA NOVA

O primeiro, e mais relevante, dispositivo a respeito do tema é o art. 975, § 2º, que trata da ação rescisória fundada em prova nova (itálicos meus):

  • 2o Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Como se percebe, o artigo altera o termo inicial do prazo de 2 anos para a rescisória fundada em prova nova. Não mais o transito em julgado da decisão, mas sim a “data de descoberta da prova nova[11]”.

Contudo, o mais relevante é a previsão que vem a seguir: o prazo máximo para a ação rescisória fundada em prova nova será de 5 anos do transito em julgado da última decisão.

Ora, o exame de DNA é uma prova nova. A data da descoberta pode ser o momento em que o DNA se popularizou[12].

Sendo assim, à luz do NCPC, seria possível uma nova investigação de paternidade, 10 anos após o trânsito em julgado da decisão do primeiro processo? A resposta é negativa.

Afinal, o prazo máximo para ingressar com a ação rescisória seria de 5 anos (e perceba-se que o termo aqui utilizado foi ingressar com a rescisória, e não mais relativizar; não mais será possível a relativização em 1º grau, mas somente a AR, diretamente no tribunal, no prazo previsto na legislação).

Parece-me uma ótima solução para o tema. E que não viola o entendimento do STF quanto à repropositura de ação fundada no DNA, mas apenas o regulamenta, trazendo balizas para sua aplicação[13].

2) IMPUGNAÇÃO NO TÍTULO EXECUTIVO FUNDADO EM LEI INCONSTITUCIONAL

O segundo dispositivo que mitiga a relativização da coisa julgada é o art. 525 do NCPC, artigo que trata da impugnação ao cumprimento de sentença, já antes mencionado nesta coluna (que é replicado no art. 535, § 5º e seguintes, no tocante ao cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública).

De início, vejamos o § 12 (que tem origem no art.741, p.u. do CPC/73, inserido no Código em 2001 – itálicos meus).

  • 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

O artigo inova ao deixar claro que a inexigibilidade do título executivo pode ocorrer por força de controle difuso ou concentrado.

Porém, os parágrafos seguintes são claros ao limitar a força dessa inexigibilidade (itálicos meus):

  • 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.
  • 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal[14].

Ou seja: se sobrevier decisão do STF, não será “automática” a desconstituição do título. Haverá necessidade de ação rescisória – e não de simples relativização, sem forma ou requisitos. Claro prestígio do NCPC à coisa julgada.

E, novamente, o que existe é a opção não pela relativização, mas pelo uso da rescisória, com o alargamento do prazo. Aqui, o prazo será contado a partir da decisão do STF, sem que haja um prazo máximo para a desconstituir a coisa julgada[15] (como no art. 975, § 2º, em que há menção a 5 anos).

Conclusão

O NCPC aponta como único método possível para desconstituir a coisa julgada a ação rescisória – e modifica o seu termo inicial, sendo que em uma situação, o prazo máximo de 5 anos; em outra, não há prazo máximo.

Assim, não há mais a possibilidade de relativização em 1º grau de jurisdição, com nova propositura de demanda, simplesmente desconsiderando a coisa julgada. Em comparação ao que se verifica hoje na jurisprudência formada à luz do CPC/1973, um excelente avanço em prol da observância do instituto da coisa julgada.


[1] Quanto aos limites objetivos da coisa julgada no NCPC, vide artigo de minha autoria na revista de Informação Legislativa do Senado (leia na íntegra: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242942/000939981.pdf?sequence=3) e de Marcelo Machado, nesta coluna (https://blog.grupogen.com.br/juridico/2015/02/16/novo-cpc-coisa-julgada/).

[2] E a presente coluna não tem por objetivo enfrentar a contagem do prazo relativo à AR, um tema polêmico no NCPC.

[3] Relativizar a coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder (Coord). Coisa julgada inconstitucional. 2. Ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003.

[4]Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993.

[5] O assunto é tratado com vagar em obra de minha autoria, fruto de dissertação de mestrado, onde critico a teoria da relativização da coisa julgada (Estudos sobre coisa julgada e controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2013).

[6] Em rol não exaustivo, podem ser mencionados os seguintes autores que defendem a relativização: CÂNDIDO DINAMARCO, HUMBERTO THEODORO JUNIOR, JOSÉ DELGADO, THEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER, JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA e EDUARDO TALAMINI. Já contra a relativização, BOTELHO DE MESQUITA, BARBOSA MOREIRA e NELSON NERY JUNIOR.

[7] A respeito do tema, cf. capítulo 7.7 de meu trabalho mencionado na nota 5.

[8] CF, art. 5º, XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

[9] A respeito desse julgado, vale conferir a crítica de Zulmar Duarte: http://www.osconstitucionalistas.com.br/requiem-sobre-a-coisa-julgada-coisa-insegura

[10] É certo que essa não é a única interpretação. Além da posição que apontarei na sequencia (de maior segurança quanto à coisa julgada), é possível entender que (i) nada mudou em relação ao sistema anterior ou (ii) o NCPC é ainda mais inseguro, pois alarga o uso da AR.

[11] Por certo que haverá grande debate – acadêmico e nos casos concretos – para apurar qual a “data da descoberta”. Mas esse interessante tema foge dos limites desta coluna.

[12] E, no Brasil, podemos dizer que o exame de DNA para fins de paternidade se popularizou com programa de televisão da metade da década de 1990 que fazia os chamados “testes de paternidade”.

[13] É certo que os defensores da relativização não concordarão com a afirmação. Como, inclusive, já foi exposto por colegas defensores públicos quando expus a tese em debate promovido pelo Ceapro em parceria com a Defensoria Pública do Estado de SP, realizado no início de agosto.

[14] Dispositivos reproduzidos nos §§ 7º e 8º do art. 536 do NCPC.

[15] Aqui o ponto negativo, por persistir a indefinição (possibilidade de AR) por prazo indeterminado. É certo que a opção não é a mais adequada. Contudo, entre o sistema anterior de relativização sem limitação de prazo ou forma, melhor a existência de regulamentação ao menos em relação ao uso da AR. Além disso, pode-se discutir a constitucionalidade do prazo indeterminado da rescisória – mas isso é tema para outra coluna.


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