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O Gasto Com as Execuções Fiscais Inúteis

Marcus Abraham

Marcus Abraham

21/02/2019

Como se sabe, a ação de execução fiscal é a medida judicial utilizada pela Fazenda Pública – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – para cobrar a dívida ativa tributária ou não tributária dos seus devedores, regida pela Lei nº 6.830/1980, diploma conhecido por Lei de Execuções Fiscais (LEF).

Apesar de a sua função ser a de cobrar dívidas vencidas e não pagas e arrecadar forçadamente o que o contribuinte deveria ter pagado espontaneamente, gerando acréscimo financeiro aos cofres públicos, percebe-se que as Fazendas Públicas, há décadas, vêm ignorando os princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade, ao ajuizarem milhares de execuções fiscais de valores irrisórios, cujo custo de movimentação do Poder Judiciário acaba sendo maior que o valor cobrado, ou mesmo de cobrança de valores razoáveis, porém sem que o devedor seja localizado ou sem que este possua bens suficientes para a quitação do débito.

Estas hipóteses representam o que chamo de execução fiscal inútil: uma cobrança que gerará mais gastos do que o que se pretende arrecadar.

E esse gasto, como se verá mais adiante, não é desprezível, pois representa dezenas de bilhões de reais com processos de cobranças judiciais que, após anos e anos tramitando, findam sem qualquer resultado.

Além disso, é avassalador o número de execuções fiscais que abarrotam o Judiciário com processos desnecessários, congestionando os tribunais de todo o país e acarretando uma morosidade excessiva, hoje a grande deficiência do aparelho judicial brasileiro. Afinal, nada mais perverso do que a injustiça de ter o seu direito violado e ver o seu processo judicial – legítimo instrumento de solução de conflitos – estagnado em um oceano de litígios, sem esperança de um célere desfecho, tendo como nefasta consequência o desrespeito aos princípios constitucionais da duração razoável do processo, da efetividade da prestação jurisdicional, da igualdade e da eficiência.

A constatação de que grande parte das ações de execuções fiscais que tramitam hoje se caracteriza pela baixa probabilidade de pagamento do crédito fiscal pelo devedor-executado está revelada no Relatório Justiça em Números 2018 (ano-base 2017), publicado anualmente sob a coordenação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O relatório indica que os processos de execução fiscal são os principais responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, ao afirmar que:

“os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 74% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 91,7%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2017, apenas 8 foram baixados.”

E, sobre a baixa recuperabilidade do crédito tributário nestas execuções fiscais, o referido relatório assinala:

“Historicamente as execuções fiscais têm sido apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário. O executivo fiscal chega a juízo depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, provocando sua inscrição na dívida ativa. Dessa forma, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas, sem sucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional. Acabam chegando ao Judiciário títulos de dívidas antigas e, por consequência, com menor probabilidade de recuperação.”

Este elevado percentual de execuções fiscais, que chega a quase 40% do total das ações que tramitam, nos mostra claramente que o maior cliente do Poder Judiciário, individualmente considerado, é o próprio Estado brasileiro.

Tal deficiência na cobrança judicial de créditos fiscais já havia sido percebida e demonstrada através de Nota Técnica publicada em 2011 pelo IPEA. Tal Nota analisou o custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), identificando que a duração média de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias, e que apenas cerca de 1/3 das execuções fiscais federais são bem sucedidas, deixando a maior parte – 2/3 delas – sem qualquer tipo de pagamento. Neste sentido, o documento afirma:

“Em que pesem todos os obstáculos, o grau de sucesso das ações de execução fiscal promovidas pela PGFN é razoável, uma vez que em 25,8% dos casos a baixa ocorre em virtude do pagamento integral da dívida, índice que sobe para 34,3% nos casos em que houve citação pessoal”.

Se adotarmos os percentuais identificados nos referidos relatórios do CNJ e IPEA – 40% dos processos são execuções fiscais, sendo 2/3 delas infrutíferas – como valores estatísticos representativos da realidade processual em todo o Brasil (Justiça federal, estadual e municipal) e considerando-se a importância de R$ 90.846.325.160 (constante no “Justiça em Números 2018”) como despesa com o Poder Judiciário em 2017, chega-se ao montante de 24,2 bilhões de reais gastos com a movimentação de ações de execuções fiscais desnecessárias naquele ano. Ou seja, nos últimos 10 anos se gastaram em todo o Poder Judiciário nacional mais de 240 bilhões de reais com processos ineficazes a seu propósito.

Portanto, trata-se de um processo caro, demorado e com taxa de recuperação relativamente baixa. Fazendo uma analogia com recentes palavras do ministro do STF Luís Roberto Barroso, “o Judiciário custa caro e é ineficiente”, e as execuções fiscais são um dos – se não o maior – exemplo disto.

Não negamos que temos aqui um dilema real: se, por um lado, a cobrança da dívida ativa é indispensável, por outro, em boa parte dos casos não se consegue sequer encontrar o devedor – por exemplo, na dissolução irregular da empresa – ou bens que possam ser penhorados.

Não se propõe que o Estado abra mão de seus créditos tributários pura e simplesmente, mas sim que encontre alternativas e formas mais racionais, eficientes e econômicas de cobrar, as quais nem sempre precisarão passar pela via da execução fiscal. O sistema atualmente adotado é custoso demais, sendo ineficiente não apenas em termos financeiros, mas também por prejudicar o Poder Judiciário, dado o ingente volume de demandas que o movimentam e o congestionam, sem um retorno adequado.

Neste ponto, devemos registrar que os esforços em nível federal para tornar mais eficiente e eficaz a cobrança da dívida ativa da União é louvável. A Lei nº 10.522/2002 vem sendo paulatinamente atualizada para autorizar a PGFN a não constituir créditos tributários e não ajuizar execuções fiscais de baixo valor, ou deixar de recorrer de ações judiciais cuja temática já possui precedentes judiciais vinculantes fixados pelos Tribunais Superiores, impondo também à Secretaria da Receita Federal (SRF) a vedação à constituição de créditos tributários nesta última hipótese (arts. 18-29). No mesmo sentido prevê a Portaria PGFN nº 502/2016, que dispensa a apresentação de contestação, oferecimento de contrarrazões e interposição de recursos nos processos que versarem sobre teses já consolidadas pela sistemática da repercussão geral (STF) e do recurso repetitivo (STJ).

Medidas similares a estas deveriam ser estendidas e implementadas pelos Estados e Municípios, lembrando que contamos com mais de 5.500 municípios, em que os recursos materiais e humanos disponíveis para a cobrança da dívida ativa costumam ser diminutos fora das capitais. Ademais, como aponta o relatório do CNJ, as cobranças perante o Judiciário estadual representam 85% das execuções fiscais em tramitação. Segundo consignou:

“O maior impacto das execuções fiscais está na Justiça Estadual, que concentra 85% dos processos. A Justiça Federal responde por 14%; a Justiça do Trabalho, 0,31%, e a Justiça Eleitoral apenas 0,01%”.

Outro projeto da PGFN que devemos elogiar, bem como sugerir a sua extensão aos Estados e Municípios, é o ajuizamento seletivo de execuções fiscais, que somente serão propostas se diligências prévias administrativas indicarem a existência de bens capazes de responder pela dívida, a partir de sistema interno de rating do devedor, dividida a classificação em A, B, C e D, sendo os débitos da classificação “A” como de alta probabilidade de recuperação, e os do padrão “D” como irrecuperáveis, tal como estabelece o novo art. 20-C da Lei 10.522/2002 (inserido pela Lei 13.606/2018).

O critério da recuperabilidade do crédito tributário deve ser invocado para que se desista de milhares e milhares de execuções fiscais que, sem localização do devedor ou de seus bens, certamente serão, ao final, infrutíferas.

Portanto, o Estado brasileiro terá que repensar sua forma de cobrar seus créditos. Isso não apenas contribuirá com a redução do abarrotamento do Judiciário, auxiliando-o a cumprir o mandamento constitucional de prestar jurisdição de maneira célere, mas também propiciará maior racionalidade, economicidade e eficiência na arrecadação.

Fonte: Jota


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