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Financeiro e Econômico
FINANCEIRO E ECONÔMICO
Normatização da auditoria fiscal nos tribunais de contas
Marcus Abraham
15/02/2023
No final do ano de 2022, um importante passo foi dado no aperfeiçoamento do controle das contas públicas: através da Portaria 196, de 27/12/2022, o Tribunal de Contas da União (TCU) aderiu formalmente às Normas Brasileiras de Auditoria no Setor Público (NBASP), editadas e publicadas pelo Instituto Rui Barbosa (IRB).
As NBASP são traduções dos Pronunciamentos Profissionais da Organização das Instituições Superiores de Controle (INTOSAI), trabalho conduzido pelo Comitê Técnico de Auditoria do Setor Público do IRB.
Normas Brasileiras de Auditoria no Setor Público (NBASP)
As normas estão divididas em diversas categorias. Destacamos as seguintes:
1) NBASP 100
Estabelece princípios fundamentais que são aplicáveis a todos os trabalhos de auditoria do setor público, independentemente de sua forma ou do seu contexto;
2) NBASP 200
Fornece os princípios fundamentais para uma auditoria de demonstrações financeiras preparadas de acordo com uma estrutura de relatório financeiro;
3) NBASP 300
Aplica-se ao contexto específico da auditoria operacional;
4) NBASP 400
Objetiva fornecer um conjunto abrangente de princípios, normas e diretrizes para a auditoria de conformidade de um objeto de auditoria, tanto qualitativo como quantitativo.
A auditoria do setor público pode ser descrita como um processo sistemático de obter e avaliar objetivamente evidências para determinar se as informações ou as condições reais de um objeto estão de acordo com critérios aplicáveis. A auditoria é essencial, pois fornece aos órgãos legislativos e de controle, bem como aos responsáveis pela governança e ao público em geral, informações e avaliações independentes e objetivas acerca da gestão e do desempenho de políticas, programas e operações governamentais.
Ela não é um fim em si, e sim um elemento indispensável de um sistema regulatório cujo objetivo é revelar desvios das normas e violações dos princípios da legalidade, eficiência, efetividade e economicidade na gestão financeira com a tempestividade necessária para que medidas corretivas possam ser tomadas em casos individuais, para fazer com que os responsáveis por esses desvios assumam essa responsabilidade, para obter o devido ressarcimento ou para tomar medidas para prevenir, ou pelo menos dificultar, a ocorrência dessas violações.
Auditoria interna e auditoria externa
Quanto ao pertencimento à estrutura do órgão ou entidade auditados, identificamos as modalidades de auditoria interna e auditoria externa. Os serviços de auditoria interna são estabelecidos dentro dos órgãos e instituições governamentais a serem auditados, enquanto os serviços de auditoria externa não fazem parte da estrutura organizacional das instituições a serem auditadas. As Entidades Fiscalizadoras Superiores prestam serviços de auditoria externa. Já os serviços de auditoria interna são necessariamente subordinados ao chefe do departamento no qual foram estabelecidos. No entanto, eles são, na maior medida possível, funcional e organizacionalmente independentes no âmbito de sua respectiva estrutura constitucional. Como uma instituição de auditoria externa, a Entidade Fiscalizadora Superior tem a tarefa de verificar a efetividade da auditoria interna.
Um dos principais documentos que disciplinam a auditoria governamental é conhecido por “Declaração de Lima”, assinado em 1977, que estabelece os fundamentos para auditorias e instituições fiscalizadoras. Como princípios fundantes da referida declaração constam a promoção da eficiência, da accountability, da efetividade e da transparência da administração pública, justamente por meio do fortalecimento das Entidades Fiscalizadoras Superiores.
Auditorias do setor público
As auditorias do setor público têm como principais atores, em nosso país, os tribunais de contas – a exercer o controle externo como Entidades Superiores – , os quais, para o sucesso das suas atividades, devem possuir os seguintes aspectos: 1) previsão legal da independência dos tribunais de contas, de seus membros e de seu quadro funcional; 2) mandato suficientemente amplo e discricionariedade no exercício das funções dos tribunais de contas; 3) acesso irrestrito a informações; 4) independência dos tribunais de contas para o desempenho de suas competências; 5) prevenção ao conflito de interesses; 6) adoção de medidas pertinentes no caso de quaisquer questões que possam afetar ou que afetaram sua independência; 7) direito e obrigação de informar sobre seu trabalho; 8) liberdade de decidir o conteúdo e o momento oportuno de publicação e divulgação de seus relatórios de auditoria; 9) utilização de mecanismos eficazes de monitoramento das deliberações; 10) cooperação interinstitucional sem prejuízo da independência e da autonomia; 11) autonomia financeira e gerencial/administrativa e disponibilidade de recursos humanos, materiais e monetários adequados.
Em geral, as auditorias do setor público podem ser classificadas em um ou mais de três tipos principais: auditorias de demonstrações financeiras, auditorias operacionais e auditorias de conformidade. Os objetivos de cada auditoria irão determinar as normas que lhe são aplicáveis.
A auditoria financeirafoca em determinar se a informação financeira de uma entidade é apresentada em conformidade com a estrutura de relatório financeiro e o marco regulatório aplicável. Isso é alcançado obtendo-se evidências de auditoria suficientes e apropriadas para permitir ao auditor expressar uma opinião quanto a estarem as informações financeiras livres de distorções relevantes devido a fraude ou erro. O objeto de uma auditoria financeira é a posição financeira, o desempenho, o fluxo de caixa ou outros elementos que são reconhecidos, mensurados e apresentados em demonstrações financeiras.
Em alguns ambientes de auditoria do setor público, as auditorias financeiras são chamadas de auditorias de execução orçamentária, que frequentemente incluem o exame de transações no que diz respeito a questões de conformidade e legalidade com relação ao orçamento.
Demonstrações financeiras
Um conjunto completo de demonstrações financeiras para uma entidade do setor público, quando preparado de acordo com uma estrutura de relatório financeiro para o setor público, normalmente consiste em: 1) uma demonstração da posição patrimonial e financeira; 2) uma demonstração do desempenho econômico-financeiro; 3) uma demonstração das mutações do patrimônio líquido; 4) uma demonstração do fluxo de caixa; 5) uma comparação entre valores do orçamento e valores realizados; 6) notas explicativas, compreendendo um resumo de políticas contábeis relevantes e outras informações explanatórias; 7) em certos ambientes, um conjunto completo de demonstrações financeiras pode também incluir outros relatórios, tais como relatórios de desempenho e de execução orçamentária.
Os seguintes atributos devem estar presentes para assegurar que a informação fornecida nas demonstrações financeiras tenha valor para os usuários previstos: a) relevância: a informação fornecida nas demonstrações financeiras é relevante para a natureza da entidade auditada e para o propósito das demonstrações financeiras; b) integridade: nenhuma transação, evento, saldo de conta ou divulgação que possa afetar conclusões baseadas nas demonstrações financeiras foi omitida; c) confiabilidade: a informação fornecida nas demonstrações financeiras reflete a essência econômica de eventos e transações e não meramente sua forma legal e resulta, em avaliação, mensuração, apresentação e divulgação razoavelmente consistentes; d) neutralidade e objetividade: a informação nas demonstrações financeiras é livre de viés; e) compreensibilidade: a informação contida nas demonstrações financeiras é clara e abrangente e não dá margem a interpretações significantemente diversas.
Auditoria operacional
A auditoria operacional foca em determinar se intervenções, programas e instituições estão operando em conformidade com os princípios de economicidade, eficiência e efetividade, bem como se há espaço para aperfeiçoamento. O desempenho é examinado segundo critérios adequados, e as causas de desvios desses critérios ou outros problemas são analisados. O objetivo é responder a questões-chave de auditoria e apresentar recomendações para aperfeiçoamento. O objeto de uma auditoria operacional pode ser um programa específico, entidade, fundos ou certas atividades (com seus produtos, resultados e impactos), situações existentes (incluindo causas e efeitos), assim como informações financeiras ou não financeiras sobre qualquer um desses elementos.
Auditoria de conformidade
A auditoria de conformidade foca em determinar se um particular objeto está em conformidade com normas identificadas como critérios, sendo realizada para avaliar se atividades, transações financeiras e informações cumprem, em todos os aspectos relevantes, as normas que regem a entidade auditada. Essas normas podem incluir regras, leis, regulamentos, resoluções orçamentárias, políticas, códigos estabelecidos, acordos ou os princípios gerais que regem a gestão financeira responsável do setor público e a conduta dos agentes públicos.
A auditoria de conformidade promove a transparência ao fornecer relatórios confiáveis sobre se os recursos foram administrados, a gestão exercida e os direitos dos cidadãos ao devido processo atendidos, conforme exigido pelas normas aplicáveis. Promove a accountability ao reportar desvios e violações a normas, de modo que ações corretivas possam ser tomadas e os responsáveis possam ser responsabilizados por suas ações. Promove a boa governança tanto ao identificar fragilidades e desvios de leis e regulamentos como ao avaliar a legitimidade onde há insuficiência ou inadequação de leis e regulamentos.
Por fim, exposto esse breve panorama geral da auditoria, recordemos que o chamado “dinheiro público” é, na verdade, um dinheiro que saiu dos nossos bolsos e foi fruto do nosso suor, dos nossos esforços e trabalho. Não à toa, nossa forma de governo é chamada “república”, do latim “res publica”, isto é, a “coisa pública”. E, no Estado democrático de Direito, esse controle da “coisa pública” representa um fundamental instrumento para garantir a adequada realização do interesse coletivo de nossa sociedade.
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