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A necessidade de um sistema de ideias gerais do Direito
Paulo Nader
18/12/2019
O livro Introdução ao Estudo do Direito, de Paulo Nader, é o resultado de uma longa pesquisa e reflexão ao longo de muitos anos. O texto da nova edição foi revisto e atualizado metodicamente. Cuidadosamente, o autor revê a linguagem, os conceitos, a informação legislativa e jurisprudencial, não poupando esforços na renovação de seu compromisso com a comunidade universitária.
Possuindo uma visão culturalista, o autor situa o Direito como resultado da experiência concreta de determinado povo, daí a importância das tradições, dos costumes, dos valores historicamente consagrados em suas ideias.
A partir das informações do livro, confira qual é a necessidade de um sistema de ideias gerais do Direito:
A necessidade de um sistema de ideias gerais do Direito
O Direito que se descortina aos estudantes, neste primeiro quartel de século, além de exigir renovados métodos de aprendizado, encontra-se revigorado por princípios e normas, que tutelam os direitos da personalidade, impõem a ética nas relações, dão prevalência ao social e atribuem aos juízes um papel ativo na busca de soluções equânimes. Em sua constante mutação, a fim de acompanhar a marcha da história e conectar-se aos avanços da ciência, o Direito pátrio, entretanto, por vários de seus institutos, requer adequação à modernidade, desafiando, além da classe política e, em primeiro plano, a comunidade de juristas, a quem compete oferecer ao legislador os modelos alternativos de leis. É este, em linhas gerais, o quadro que se apresenta aos iniciantes no aprendizado da Ciência Jurídica.
Identificar o Direito, no universo das criações humanas, situando-o como ordem social dotada de coerção e, ao mesmo tempo, fórmula de garantia da liberdade, é a grande meta do conjunto de temas que se abrem à compreensão dos acadêmicos. Antes de iniciarmos a execução deste importante projeto, impõe-se a abordagem do estatuto metodológico da Introdução ao Estudo do Direito.
O ensino do Direito pressupõe a organização de uma disciplina de base, introdutória à matéria, a quem cumpre definir o objeto de estudo, indicar os limites da área de conhecimento, apresentar as características da ciência, seus fundamentos, valores e princípios cardiais. À medida que a ciência evolui e cresce o seu campo de pesquisa, torna-se patente a necessidade da elaboração de uma disciplina estrutural, com o propósito de agrupar os conceitos e elementos comuns às novas especializações. No dizer preciso de Benjamin de Oliveira Filho, a disciplina constitui um sistema de ideias gerais.[1] Ao mesmo tempo que revela o denominador comum dos diversos departamentos da ciência, ela se ocupa igualmente com a visão global do objeto, na pretensão de oferecer ao iniciante a ideia do conjunto.[2]
O desenvolvimento alcançado pela Ciência do Direito, a partir da era da codificação, com a multiplicação dos institutos jurídicos, formação incessante de novos conceitos e permanente ampliação da terminologia específica, exigiu a criação de um sistema de ideias gerais, capaz de revelar o Direito como um todo e alinhar os seus elementos comuns. A árvore jurídica, a cada dia que passa, torna-se mais densa, com o surgimento de novos ramos que, em permanente adequação às transformações sociais, especializam-se em sub-ramos. Em decorrência desse fenômeno de crescimento do Direito Positivo, de expansão dos códigos e leis, aumenta a dependência do ensino da Jurisprudência às disciplinas propedêuticas, que possuem a arte de centralizar os elementos necessários e universais do Direito, seus conceitos fundamentais, em um foco de menor dimensão.[3]
Em função dessa necessidade, é imperioso proceder-se à escolha de uma disciplina, entre as várias sugeridas pela doutrina, capaz de atender, ao mesmo tempo, às exigências pedagógicas e científicas. Antes de a Introdução ao Estudo do Direito ser reconhecida como a mais indicada, houve várias tentativas e experiências com a Enciclopédia Jurídica, Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito e Sociologia do Direito.
A Introdução ao Estudo do Direito
A Introdução ao Estudo do Direito é matéria de iniciação, que fornece ao estudante as noções fundamentais para a compreensão do fenômeno jurídico.[4] Apesar de se referir a conceitos científicos, a Introdução não é, em si, uma ciência, mas um sistema de ideias gerais estruturado para atender a finalidades pedagógicas. Considerando a sua condição de matéria do curso jurídico, deve ser entendida como disciplina autônoma, pois desempenha função exclusiva, que não se confunde com a de qualquer outra. Sob este enfoque Luiz Luisi reconhece a autonomia, que “deriva de seu fim específico: reduzir o Direito a unidade sistemática”.[5]
Se tomarmos, porém, a palavra disciplina no sentido de ciência jurídica (v. item 5), devemos afirmar que a Introdução ao Estudo do Direito não possui autonomia; ela não cria o saber, apenas recolhe das disciplinas jurídicas (Filosofia do Direito, Ciência do Direito, Sociologia Jurídica, História do Direito, Direito Comparado) as informações necessárias para compor o quadro de conhecimentos a ser apresentado aos acadêmicos. A cada instante, na fundamentação dos elementos da vida jurídica, recorre aos conceitos filosóficos, sociológicos e históricos, sem chegar, porém, a se confundir com a Filosofia do Direito, nem com a Sociologia do Direito, que são disciplinas autônomas.
De caráter descritivo e pedagógico, não “consiste na elaboração científica do mundo jurídico”, como pretende Werner Goldschmidt,[6] pois o conteúdo que desenvolve não é de domínio próprio. O que possui de específico é a sistematização dos conhecimentos gerais. Em semelhante equívoco incorre Bustamante y Montoro, que reconhece na disciplina uma “índole normativa”.[7] Embora de caráter descritivo, a disciplina deve estar infensa ao dogmatismo puro, que tolhe o raciocínio e a reflexão.
O tratamento exageradamente crítico aos temas é também inconveniente, de um lado porque torna a matéria de estudo mais complexa e de difícil entendimento para os iniciantes e, de outro lado, porque configura o objeto da Filosofia do Direito. Os temas que envolvem controvérsias e abrem divergências na doutrina, longe de constituírem fator negativo, habituam o estudante com a pluralidade de opiniões científicas, que é uma das tônicas da vida jurídica.[8] As Institutas de Gaio, do séc. II a.C., são citadas entre as primeiras obras do gênero Introdução ao Estudo do Direito.
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Somente com sólidas razões uma obra didática permanece, anos a fio, na preferência de mestres e acadêmicos de Direito. É o que se verifica com esta obra, de Paulo Nader. Um conjunto de predicados, de forma e conteúdo, traça o seu diferencial.
Esta edição é o resultado de uma longa pesquisa e reflexão ao longo de muitos anos. O texto foi revisto e atualizado metodicamente. Cuidadosamente, o autor revê a linguagem, os conceitos, a informação legislativa e jurisprudencial, não poupando esforços na renovação de seu compromisso com a comunidade universitária.
Mais do que em qualquer época, este trabalho cumpre um papel da maior relevância, subministrando as noções fundamentais e indispensáveis à articulação do raciocínio jurídico.
O objetivo do autor, ao projetar estas lições, foi plenamente alcançado: a conciliação entre a máxima clareza e a maior densidade cultural. A leitura de cada capítulo confirma essa observação. Em seu propósito de alcançar a ratio essendi de cada matéria, Paulo Nader investiga o passado cultural e sonda o pensamento contemporâneo. Cada afirmativa encontra o seu adequado fundamento científico.
Possuindo uma visão culturalista, situa o Direito como resultado da experiência concreta de determinado povo, daí a importância das tradições, dos costumes, dos valores historicamente consagrados em suas ideias.
Para ele, jurista-filósofo, a fonte maior do Direito reside na pessoa natural, na dignidade que lhe é inerente. O Direito deve ser lido na sociedade, mas necessariamente haverá de consagrar os postulados básicos da justiça substancial: respeito à vida, à liberdade e à igualdade de oportunidade.
Aos Juristas de Amanhã
Mensagem aos iniciantes no estudo do Direito
Conheço as dúvidas e inquietações dos acadêmicos ao ingressarem nos cursos jurídicos. Durante muitos anos, no magistério de disciplinas propedêuticas, desenvolvi processos interativos com os jovens, tendo por objeto não apenas os conceitos gerais ou específicos de nossa Ciência, mas, ainda, os aspectos psicológicos que envolvem o começo da aprendizagem.
O saber apenas teórico é estéril, pois não produz resultados; a prática, sem o conhecimento principiológico, é nau sem rumo, não induz às soluções esperadas.
Na fase de iniciação, muitas são as dificuldades. A linguagem técnica dos livros constitui, invariavelmente, um desafio a ser superado e, às vezes, o obstáculo do acadêmico situa-se também na verbalização de suas ideias, ao carecer de recursos para a exposição clara de seu pensamento. Acresce, para muitos, a frustração ao não encontrar, de imediato, os assuntos que despertam o seu fascínio, como o habeas corpus ou o mandado de segurança.
Em lugar da análise de institutos jurídicos populares, a temática que se lhes apresenta é de conteúdo sociológico ou filosófico, que o seu espírito não assimila com avidez. As especificidades se limitam, por ora, às noções fundamentais do Direito. Compreende-se, um projeto tão grandioso quanto o de formação do jurista de amanhã não se executa aleatoriamente, nem atendendo à imediatidade dos interesses. Os conteúdos são relevantes, mas o método adequado de aprendizagem é indispensável, tanto na seleção dos temas, quanto na sequencialidade de seus estudos.
Durante o curso, a teoria e a prática são igualmente importantes e devem ser cultivadas sem preponderância de enfoque. O saber apenas teórico é estéril, pois não produz resultados; a prática, sem o conhecimento principiológico, é nau sem rumo, não induz às soluções esperadas. Para ser um operador jurídico eficiente, o profissional há de dominar os princípios informadores do sistema. O raciocínio em torno dos casos concretos se organiza a partir deles, que são os pilares da Ciência do Direito. A resposta para as grandes indagações e a solução dos casos complexos não se encontram em artigos isolados de leis, mas na articulação de paradigmas e a partir dos inscritos na Constituição da República.
A experiência de vida é um fator favorável ao estudo do Direito, que é uma disciplina das relações humanas. Quem está afeito à engrenagem social ou aos problemas da convivência possui uma vantagem, pois o conhecimento da pessoa natural e da sociedade constitui um pré-requisito à compreensão dos diversos ramos jurídicos.
As disciplinas epistemológicas, que não tratam do teor normativo das leis, mas de suas categorias fundantes, devem ser a prioridade nos primeiros períodos. O acadêmico pode até, paralelamente, acompanhar o andamento de processos, engajando-se em escritório de advocacia, o que não deve é preterir os estudos de embasamento ou adiá-los. A assimilação de práticas concretas, sem aquela preparação, pode gerar vícios insanáveis.
A implementação do jurista de amanhã se faz mediante muita dedicação.
Tão importante quanto a formação técnica do futuro profissional é o desenvolvimento paralelo de sua consciência ética; é o seu compromisso com a justiça. A seriedade na conduta, a firmeza de caráter e a opção pelo bem despertam o respeito e dão credibilidade à palavra. O saber jurídico, sem os predicados éticos, não se impõe, não convence, pois gera a desconfiança.
A implementação do jurista de amanhã se faz mediante muita dedicação. A leitura em geral, especialmente na área de ciências humanas, se revela da maior importância. O desejável é que o espírito se mantenha inquieto, movido pela curiosidade científica, pela vontade de conhecer a organização social e política, na qual se insere o Direito. Para os acadêmicos, tão importante quanto a lição dos livros é a observação dos fatos, da lógica da vida, pois eles também ensinam. O hábito de raciocinar é da maior relevância, pois nada aproveita quem apenas se limita a ler ou a ouvir. Cada afirmativa, antes de assimilada, deve ser avaliada, submetida a análise crítica.
O curso jurídico é um processo pedagógico, que visa a criar o hábito de estudo. A educação jurídica requer perseverança; é obra do tempo. Ela amolda o espírito, orientando-o na interpretação do ordenamento e na arte de raciocinar. A busca do saber é atividade que apenas se inicia nos centros universitários; o seu processo é interminável. Por mais sábio que seja o jurista, não poderá abandonar os compêndios. A renovação dos conhecimentos há de ser uma prática diária, ao longo da existência.
Na vida universitária, que é toda de preparação, o estudo de línguas deve ser cultivado e a partir da bela flor do Lácio, que é instrumento insubstituível em nosso trabalho. Ao seu lado, outras se revelam da maior importância para as pesquisas científicas, como a espanhola, a francesa, a italiana e a alemã, entre outras. O conhecimento da língua inglesa permitirá a participação do futuro jurista em conclaves internacionais.
Ao ingressar nas Faculdades, os estudantes devem ter em mente um projeto, visando a sua formação profissional. Haverão de ser ousados em sua pretensão: por que não um jurista ou um causídico de projeção? Um mestre ou um jurisconsulto de nomeada? O fundamental, depois, será a coerência durante o período de aprendizado: a utilização de meios ou instrumentos que transformem o projeto em realidade.
[…] o acadêmico há de preocupar-se mais com os princípios e técnicas de decodificação do que propriamente em assimilar os conteúdos normativos.
A nota que distingue o verdadeiro jurista, a meu ver, é a sua autonomia para interpretar as novas leis; é a capacidade para revelar o direito dos casos concretos, sem a dependência direta da doutrina ou da jurisprudência. Estas são importantes instrumentos na definição das normas e do sistema jurídico em geral, mas devem ser apenas coadjuvantes nos processos cognitivos. Dentro desta visão, o acadêmico há de preocupar-se mais com os princípios e técnicas de decodificação do que propriamente em assimilar os conteúdos normativos. Estes, muitas vezes, possuem vida efêmera, pois as leis e os códigos estão em contínua mutação, acompanhando a evolução da sociedade.
O ordenamento jurídico que o legislador oferece aos profissionais do Direito carece de sistematização ou de coerência interna e apresenta importantes omissões, ditadas algumas pelo avanço no âmbito das ciências da natureza, como a Biologia e a Física. Cabe ao intérprete a tarefa de cultivar a harmonia do sistema e propor o preenchimento de lacunas.
A teoria, como se depreende, é importante, não a ponto de prescindir da experiência, adquirida na análise de casos propostos. Não se formam juristas apenas pela leitura de livros, no recolhimento das bibliotecas. Ressalvadas, pelo menos em nosso meio, as figuras exponenciais de Pontes de Miranda e de Miguel Reale, desconheço a figura do jurista precoce, daquele que domina o saber jurídico em plena juventude, antes mesmo de sua colação de grau e de se afeiçoar aos embates forenses.
O jurista de amanhã se encontra, hoje, nas Faculdades de Direito. Este vir a ser depende, preponderantemente, do esforço de cada acadêmico, de sua determinação em realizar o seu projeto pessoal. Seus pais e mestres, com seu apoio, orientação e palavra de estímulo, desempenham importante papel nesta conversão de potência em ato.
[1] Benjamim de Oliveira Filho, Introdução à Ciência do Direito, 4ª ed., José Konfino Editor, Rio de Janeiro, 1967, p. 86.
[2] “… é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sob risco de deixar o todo pelos pormenores, a floresta pelas árvores, a filosofia pelas filosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidade do conjunto para saber a que deva consagrar-se” (Hegel, Introdução à História da Filosofia, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 3ª ed., Coimbra, 1974, p. 42). Em sua Carta aos Jovens, dirigida aos estudiosos de sua pátria, o russo I. Pavlov aconselhou-os: “… Aprendam o ABC da ciência antes de tentar galgar seu cume. Nunca acreditem no que se segue sem assimilar o que vem antes. Nunca tentem dissimular sua falta de conhecimento, ainda que com suposições e hipóteses audaciosas. Como se alegra nossa vista com o jogo de cores dessa bolha de sabão – no entanto, ela, inevitavelmente, arrebenta e nada fica além da confusão…”
[3] O termo jurisprudência está empregado no sentido romano, ou seja, de Ciência do Direito.
[4] “Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intro) e um verbo (ducere). Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo” (Michel Miaille, Uma Introdução Crítica ao Direito, 1ª ed., Moraes Editores, Lisboa, 1979, p. 12).
[5] Filosofia do Direito, Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 1993, p. 161. O antigo professor da Faculdade de Direito de Santo Ângelo reproduziu o seu trabalho publicado na Revista Jurídica, vol. V, 1953, onde apresenta uma lúcida visão do objeto da Introdução ao Estudo do Direito e de suas conexões com a Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Teoria Geral do Direito. Entre nós aquele estudo foi um dos pioneiros.
[6] Introducción al Derecho, 1ª ed., Aguilar, Buenos Aires, 1960, p. 32.
[7] Introducción a la Ciencia del Derecho, 3ª ed., Cultural S.A., La Habana, 1945, p. 22.
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