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realismo e o pragmatismo jurídico

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Filosofia do Direito

FILOSOFIA DO DIREITO

Entendendo a Filosofia do Direito – As correntes da filosofia do direito (3/4): O realismo e o pragmatismo jurídico

CORRENTES DA FILOSOFIA

FILOSOFIA DO DIREITO

PRAGMATISMO JURÍDICO

REALISMO

Paulo Gustavo Guedes Fontes

Paulo Gustavo Guedes Fontes

04/04/2018

Em três artigos anteriores, publicados no site Gen Jurídico, estudamos as teses da separação e da conexão entre direito e moral (clique aqui), o positivismo jurídico (clique aqui) e o jusnaturalismo (clique aqui). Agora trataremos do realismo e do pragmatismo jurídico. Em tempos em que se discute o ativismo judicial, é relevante entender essa corrente, difundida principalmente nos Estados Unidos, que advoga a possibilidade de o juiz decidir com os olhos voltados não apenas para a lei, mas para as consequências de suas decisões. Essa escola tem entre seus precursores e idealizadores os norte-americanos Roscoe Pound, Benjamin Cardozo e Oliver Wendell Holmes Junior, os dois últimos foram juízes; há também um realismo jurídico escandinavo, de cunho mais sociológico.

O realismo jurídico busca entender o que realmente acontece no sistema jurídico. Seus autores chegam à conclusão, de certa forma radical, de que o direito não existe antes da decisão judicial. São os tribunais que dizem efetivamente o que é o direito e a sua concreta aplicação por esses órgãos que é levada em conta pela população em termos de suas expectativas jurídicas. Para os realistas, os juízes decidem com grande liberdade e discricionariedade, baseados muitas vezes em critérios subjetivos, tendo ficado famosa a tirada realista de que a decisão judicial depende do que o juiz comeu no café da manhã!

Esse primeiro passo do realismo jurídico seria, por assim dizer, um momento descritivo. Ele nos diz o que o direito realmente é na prática. Seus autores partem da constatação – rejeitada tanto pelo jusnaturalismo quanto pelo positivismo jurídico – de que o juiz cria o direito. É isso o que afirma Michel Troper, realista francês, exemplificando com a criação do direito administrativo na França pelo Conseild’État, órgão da jurisdição administrativa.[1] Também John Hart Ely, que não se filia a essa corrente, aduz que “os tribunais criam o direito o tempo todo”.[2]  A chamada jurisprudência seria, assim, para os realistas, uma fonte do direito, talvez a verdadeira.

Penso ser inegável que juízes e tribunais criam uma parte expressiva do direito. A tarefa de interpretar e aplicar a lei é muito ampla e o juiz é confrontado com aspectos concretos para os quais o material normativo não traz soluções expressas, complementando-o, pois, com raciocínios práticos, morais e políticos.

O problema dessa constatação é a premissa democrática de que cabe apenas ao legislador, ou ao Poder Constituinte, representantes do povo, a criação do direito. Na maioria dos países os juízes não são eleitos e, portanto, não detêm uma legitimidade política direta. Assumir que eles criam o direito traz um problema para a teoria democrática.

Outra dificuldade que vislumbro no realismo, ao menos nessa modalidade descritiva, é que ele não serviria de bússola para o próprio juiz. É preciso que este tenha em mãos uma teoria do direito para exercer o seu mister; o juiz positivista tenta seguir a lei, o jusnaturalista a justiça, mas ao juiz realista faltaria um critério, pois o realismo afirma que o direito é o que ele próprio diz ser o direito!

Para alguns autores realismo e pragmatismo jurídico se equivalem, para outros são coisas distintas. O pragmatismo seria o momento normativo dessa corrente: aqui não se diz apenas o que o direito é na prática, mas o que ele deve ser.

O pragmatismo jurídico, que tem certa ligação com o pragmatismo filosófico, incentiva o juiz a buscar a decisão que produza melhores resultados. Aqui a corrente explicita a sua ligação com outra corrente da filosofia moral conhecida como utilitarismo ou consequencialismo, para a qual o certo e o errado não estão estabelecidos a priori, mas apenas como resultado de uma reflexão sobre as consequências de determinado ato ou decisão. Segundo um defensor moderno dessa corrente, o juiz federal americano hoje aposentado Richard Posner, o juiz pragmatista não despreza as fontes formais do direito e os precedentes judiciais, mas estes constituem apenas um ponto de partida, e a conveniência de se observarem as leis escritas e os precedentes deve ser sopesada com as consequências positivas ou negativas que a decisão possa ter em termos econômicos, sociais, políticos etc.[3] Dessa forma, Posner legitima o juiz a adotar decisões que até mesmo contrariem os precedentes e as leis escritas, mas que se mostrem melhores em seus resultados.

Ainda uma vez, encontraríamos aí dificuldades do ponto de vista democrático, pois, sobretudo na tradição jurídica da civil law, não cabe ao juiz formular juízos de conveniência e oportunidade quando eles já foram efetuados pelo legislador ou quando são da esfera do administrador público. Outro aspecto a ser considerado é que a avaliação sobre as consequências pode comportar aspectos valorativos e não lograr consenso entre os juízes nem entre a população, resvalando para a subjetividade.

Em 1999, Posner opunha-se frontalmente a que a Suprema Corte declarasse inconstitucionais as leis estaduais que proibiam o casamento homoafetivo nos EUA, considerando que tal decisão seria contrária à opinião pública e, portanto, antidemocrática. Como sabemos, seu pensamento não prevaleceu e a Corte Suprema autorizou esse tipo de união em 2015, na decisão Obergefell v. Hodges.

Essas e outras questões, em linguagem direta e baseada nos principais autores contemporâneos, você encontrará no meu livro Filosofia do Direito, publicado pelo Grupo GEN. Clique aqui e conheça a obra.


[1] TROPER, Michel. A filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 117. (Coleção Tópicos Martins.)
[2] ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 7.
[3] POSNER, Richard. A problemática da teoria moral e jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 382.

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