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CONSTITUCIONAL
Plebiscito na Irlanda sobre o aborto e a questão da última palavra no Direito Constitucional
Paulo Gustavo Guedes Fontes
29/05/2018
A República da Irlanda realizou no dia 25/05/18 plebiscito sobre a questão do aborto. Proibido em 1983 por uma emenda constitucional, e capaz de levar à prisão perpétua a mãe e o médico responsável, cerca de 3,5 milhões de irlandeses foram chamados a decidir sobre a revogação da referida oitava emenda, após uma acalorada campanha. A questão se tornara mais polêmica com a morte em 2012 de Savita Halappanavar, de 31 anos, que, mesmo apresentando complicações obstétricas, não obteve autorização para fazer o aborto e morreu de septicemia.
O resultado foi amplamente favorável à legalização do aborto (mais de 60%), e muito irlandeses e sobretudo irlandesas que estavam no exterior retornaram ao país somente para votar.
A realização de um plebiscito para decidir tema tão polêmico, na mesma Irlanda que, pelo mesmo instrumento de democracia direta, aprovou em 2015 o casamento homoafetivo, demonstra uma abordagem do Direito Constitucional diferente da que vem sendo adotada em nosso país. Por aqui, o Supremo Tribunal Constitucional convocou audiência pública para debater o tema do aborto na ADPF 442, proposta pelo Psol. A diferença é que lá o povo decidiu diretamente e aqui os ministros do Supremo vão ouvir representantes da sociedade antes de tomar sua decisão. Escrevi aqui no site Genjurídico defendendo o ponto de vista de que não cabe ao Supremo dar a última palavra sobre a questão. (STF, aborto e autocontenção)
O neoconstitucionalismo postula uma reaproximação do direito e da moral, que seria propiciada sobretudo pela reconhecida abertura e natureza axiológica dos princípios constitucionais. Ao postular essa reaproximação, contudo, e admitir que o juiz constitucional perscrute o campo da “moralidade política”, como diria Dworkin, somos levados a nos perguntar se a moral, assim invocada como parâmetro da decisão, permite encontrar respostas corretas para temas polêmicos como o aborto e a eutanásia.
Na vida moral, temos uma forte intuição de que as questões são certas ou erradas, isto é, acreditamos no nosso ponto de vista como sendo a verdade. Eu particularmente estou convencido de que o certo é autorizar o aborto nas primeiras semanas de gravidez, além das outras permissões já contidas em nossa legislação. Mas, como já disse Jeremy Waldron, ainda que exista de fato uma resposta correta, não obteremos consenso a respeito, sendo necessário pensar nos procedimentos capazes de resolver os desacordos.
O próprio dos valores é o choque, o antagonismo, o pluralismo agônico de que fala Isaiah Berlin. E a Irlanda a meu ver deu vigoroso exemplo de como a democracia pode tratar disso de maneira profícua e legítima.
Temas como a relação entre a moral e o Direito estão tratados de forma moderna e objetiva no meu livro Filosofia do Direito, publicado pelo Grupo Gen.
Veja também:
- STF, aborto e autocontenção
- Entendendo a Filosofia do Direito – As correntes da filosofia do direito (3/4): O realismo e o pragmatismo jurídico
- Entendendo a Filosofia do Direito – As correntes da filosofia do direito (2/4): O jusnaturalismo
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