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Aplicação da Lei Penal Militar: princípio de legalidade
14/04/2021
O conceito de legalidade abrange três significados:
a) político (garantia constitucional dos direitos humanos fundamentais;
b) jurídico em sentido lato (ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme art. 5.º, II, CF);
c) jurídico em sentido estrito ou penal (fixador do conteúdo das normas penais incriminadoras).
Neste último prisma, é também conhecido como princípio da reserva legal, ou seja, os tipos penais incriminadores somente podem ser criados por lei em sentido estrito, emanada do Legislativo, de acordo com o processo previsto na Constituição Federal. A raiz histórica do princípio da legalidade está na Magna Carta de 1215 (“Nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus pares ou pela lei da terra”). A expressão original– by the law of the land – foi modificada em edição posterior da Magna Carta para due process of law (devido processo legal).
A garantia tinha por finalidade evitar que alguém fosse preso ou privado de seus bens pela vontade singular do soberano, obrigando que os magistrados aplicassem, efetivamente, as leis consuetudinárias à época consagradas pela comunidade.
A formulação propriamente dita do princípio da legalidade coube a Beccaria, na obra Dos delitos e das penas, com influência de Montesquieu e Rousseau. Por outro lado, a construção do preceito latino nullum crimen, nulla poena sine previa lege deveu-se a Feuerbach (Cerezo Mir, Curso de derecho penal español – Parte general, v. 1, p. 163; Jiménez de Asúa, Lecciones de derecho penal, p. 14 e 57). É a consagração da tipicidade (adequação dos fatos concretos ao modelo legal previsto na norma penal), que é a elaboração científica do princípio no contexto do direito penal.
Alcance do princípio da legalidade no cenário dos denominados crimes contra a humanidade
Seja qual for o delito contra a humanidade, previsto em tratado internacional, para que haja punição, no Brasil, é indispensável haver o tipo penal incriminador na legislação, respeitando-se o princípio da legalidade, constitucionalmente previsto. O STF reconhece a relevância dos tratados de direitos humanos, mas nunca acima da Constituição Federal.
Pode-se, no máximo, equiparar alguma norma, prevista em convenção ou tratado internacional, subscrito pelo Brasil e aprovado por decreto, a uma norma constitucional, quando concernente a um direito ou garantia humana fundamental. Sob outro aspecto, normas internacionais de imprescritibilidade não se aplicam ao direito brasileiro, a não ser que incorporadas pela legislação nacional. Como se frisou, a tipificação de crimes depende de lei que os defina, pelo Parlamento brasileiro. E normas de imprescritibilidade dependem, igualmente, de aprovação pelo Legislativo. É a aplicação da legalidade, tal como posta no texto constitucional. Na jurisprudência: STJ: “1. Considerações preliminares: A matéria trazida nos presentes autos é de extrema relevância, haja vista ter, de fato, havido graves violações a direitos humanos durante as décadas de 60, 70 e 80.
Contudo, não há uma única forma de reconstrução após crises como a ocorrida no Brasil. Na verdade, as experiências de reconciliação nacional, em vários países do mundo, foram diversas, respeitando-se sempre a cultura e a soberania de cada país. Emblemática é, por exemplo, a experiência de justiça restaurativa na África do Sul sob a direção do estadista Nelson Mandela e coordenação do arcebispo Desmond Tutu. O processo transicional, do regime racista do apartheid para a democracia multirracial, ocorreu de forma negociada e pacífica.
A criação de uma Comissão de Verdade e Reconciliação promoveu o encontro de vítimas, familiares, ofensores e representantes das comunidades locais para discutirem sobre as violações dos direitos humanos praticadas durante o sistema segregacionista. Nesses encontros, os violadores reconheciam os seus erros, pediam perdão às famílias ou aos seus familiares e se responsabilizavam pelas consequências materiais dos seus atos lesivos. Essas foram as condições necessárias para a declaração de anistia aos ofensores naquele país. 2. Admissibilidade: O exame do recurso especial deve se ater à matéria efetivamente submetida ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que ‘o recurso especial possui fundamentação vinculada, de modo que não cabe ao STJ imiscuir-se em questões que não lhe tenham sido devolvidas especificamente’ (AgInt no AREsp 1.325.685/ RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20.08.2019, DJe 23/08/2019).
O recorrente aponta violação ao art. 107, IV, do CP, por considerar que ‘os delitos imputados aos ora recorridos devem ser tomados como crimes de lesa-humanidade na linha dos diplomas internacionais, e, por conseguinte, imprescritíveis’. Contudo, a norma infraconstitucional apontada como violada não tem o alcance pretendido. Não se aborda, na referida norma, a imprescritibilidade (tema previsto na Lei maior e em tratado não internalizado).
Constata-se, portanto, a falta de correlação entre a norma apontada como violada e a discussão efetivamente trazida nos autos, o que inviabiliza o conhecimento do recurso especial. ‘A indicação de preceito legal federal que não consigna em seu texto comando normativo apto a sustentar a tese recursal e a reformar o acórdão impugnado padece de fundamentação adequada, a ensejar o impeditivo da Súmula 284/STF’ (REsp n. 1.715.869/SP, Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 07.03.2018). 3. A ordem foi concedida pelo Tribunal de origem, por maioria, reconhecendo a ocorrência da prescrição, ‘em virtude de os fatos não se enquadrarem nos crimes contra a humanidade’. Dessa forma, ainda que o recorrente tivesse indicado o dispositivo correto, que trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, seu exame não teria o condão de desconstituir o acórdão proferido pela Corte local, porquanto fundamentado na não configuração de crime de lesa-humanidade.
Inviável, outrossim, aferir se os fatos narrados se inserem na categoria de crime contra humanidade, uma vez que o recorrente não apontou igualmente violação a dispositivo legal, ou mesmo supralegal, que albergue referida discussão. Ademais, desconstituir a conclusão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que possui amplo espectro de cognição dos fatos e provas juntadas aos autos, demandaria o revolvimento fático-probatório, o qual é vedado na via eleita, nos termos do enunciado n. 7/STJ.
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