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Modalidades gerais de sucessão Mortis Causa e suas premissas básicas
Flávio Tartuce
11/02/2021
Em termos gerais, duas são as modalidades básicas de sucessão mortis causa, o que pode ser retirado do art. 1.786 do Código Civil de 2002, sendo primaz para a compreensão da matéria sucessória.
A primeira modalidade é a sucessão legítima, aquela que decorre da lei, que enuncia a ordem de vocação hereditária, presumindo a vontade do autor da herança. É também denominada sucessão ab intestato justamente por inexistir testamento. Como explica Inocêncio de Galvão Telles, o termo quer dizer “sucessão do intestado, daquele que não testou” (Direito…, 1996, p. 102).
Saliente-se que, em Roma, pelo sistema das XII Tábuas, havia plena liberdade de testar do pater familias. No entanto, se ele falecesse sem testamento, a sucessão seria devolvida a três classes de herdeiros: a) sui, que eram os filhos sob o pátrio poder, a mulher desses filhos e outros parentes sujeitos ao de cujus; b) agnati, as pessoas sob esse mesmo poder ou que se sujeitavam a ele, se o pater familias não estivesse morto; e c) gentiles, os membros da mesma gens. Posteriormente, o direito justinianeu estabeleceu que a sucessão legítima passasse a ser fundada unicamente no parentesco natural, com a seguinte ordem de vocação hereditária: a) descendentes; b) ascendentes, com irmãos bilaterais; c) irmãos consanguíneos ou uterinos; d) outros parentes colaterais (GOMES, Orlando. Sucessões, 2001, p. 3-4). Como se constata, a última ordem influenciou as codificações privadas, notadamente o Código Civil de 1916. Ainda sobre o sistema romano, havia superioridade do testamento em relação à sucessão ab intestato (CRETELLA JÚNIOR, José. Direito…, 1986, p. 248).
Como segunda modalidade, a sucessão testamentária tem origem em ato de última vontade do morto, por testamento, legado ou codicilo, mecanismos sucessórios para exercício da autonomia privada do autor da herança. Deve-se adiantar que, no Brasil, não há uma tradição testamentária, por diversos fatores que ainda serão expostos neste livro, no capítulo próprio relativo a essa forma de transmissão hereditária.
A completar tal divisão, preconiza o art. 1.788 do Código Civil Brasileiro de 2002 que, morrendo a pessoa sem deixar testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos. O mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento. Como bem salienta Zeno Veloso, no último caso a sucessão será legítima e testamentária ao mesmo tempo, sendo certo que “o nosso direito se afasta do direito romano, que não admitia a coexistência das duas espécies de sucessão – nemo pro parte testatus et pro parte intestatus decedere potest (ninguém pode falecer em parte com testamento e em parte intestado). Se o testador, p. ex., tivesse nomeado um herdeiro para metade de seus bens, a outra metade não iria caber aos herdeiros legítimos do testador, mas ao próprio herdeiro instituído no testamento (Inst., Liv. 2, Tít. XIV, § 5.º)” (VELOSO, Zeno. Código…, 2012, p. 2005).
Ainda pela dicção do art. 1.788 da codificação material vigente, vale e é eficaz a sucessão legítima se o testamento caducar – o que será explicado –, ou for julgado nulo, nas hipóteses de nulidade absoluta. O dispositivo é criticado por parte considerável da doutrina, de ontem e de hoje, por não fazer menção à nulidade relativa e à ruptura do testamento, ressalva que também atingia o art. 1.575 do Código Civil de 1916, seu correspondente (por todos: BEVILÁQUA, Clóvis. Código…, 1977, p. 746; ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário. Código…, 2005, p. 909; VELOSO, Zeno. Código…, 2012, p. 2005).
Para corrigir o equívoco, o antigo Projeto de Lei Ricardo Fiúza – inicialmente PL 6.960/2002, atual PL 699/2011 – tende a alterar o comando, que passaria a ter a seguinte redação: “morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, romper-se, ou for inválido”. Como se nota, com a projeção passa a ser mencionado o rompimento do testamento. Ademais, o termo inválido está em sentido amplo, a englobar tanto a nulidade absoluta quanto a relativa, o que viria em boa hora.
Feitas tais considerações, em resumo quanto ao art. 1.788 do CC/2002, o que se percebe é que a ordem de raciocínio jurídico a ser seguida na sucessão é de primeiro investigar a existência de disposição de última vontade que seja válida e eficaz. Não havendo tal disposição testamentária, vige a ordem de sucessão legítima estabelecida em lei, que presume a vontade do morto.
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“Este livro apresenta a mesma estrutura e divisão das edições anteriores. São quatro capítulos, em que as ideias são expostas com simplicidade, sapiência. Menciona-se e se analisa a doutrina e jurisprudência, de ontem e de hoje. Utiliza-se, praticamente, todos os autores clássicos e contemporâneos. Os enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil são devidamente indicados e comentados. Não falta nada.
Enfrentam-se aqui os temas polêmicos, que não são poucos, nem pequenos, como a sucessão do filho socioafetivo e o testamento vital. Dá-se abalizado parecer sobre a sucessão dos cônjuges e dos companheiros, a respeito da simplificação das formas testamentárias e da invalidade e ineficácia dos testamentos. (…)
O leitor observará, imediatamente, que este livro foi planejado e escrito por alguém que é não apenas estudioso, mas culto. O homem culto é bem mais do que o homem erudito, porque este limita-se a resumir e justapor conhecimentos, enquanto o homem culto os unifica e anima com um sopro de espiritualidade e de entusiasmo, como diz o saudoso jusfilósofo Miguel Reale, mestre de todos nós. Tartuce tem uma visão global do fenômeno jurídico. Não se pode dissertar a respeito de sucessão mortis causa sem conhecer outros ramos do Direito Civil, advertindo o egrégio Carlos Maximiliano que o Direito das Sucessões é o coroamento necessário do das Coisas e em conexão íntima com o de Família.”
“Indico – e com muito prazer – os Volumes 5 e 6 da coleção de Direito Civil de Flávio Tartuce, referentes ao Direito de Família e ao Direito das Sucessões, porque entendo que estou prestando um inestimável favor aos meus alunos, que terão acesso a dois dos melhores livros de Direito Civil deste País. Flávio Tartuce é um dos mais completos civilistas do Brasil. Suas obras são excelentes.”
Zeno Veloso, Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia (UNAMA).
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