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CIVIL
O Dia da Consciência Negra e o Reconhecimento dos Quilombos no Brasil
Marco Aurélio Bezerra de Melo
21/11/2018
O Quilombo dos Palmares se formou a partir de escravizados que fugiram de seus senhores e se estabeleceram na Zona da Mata nordestina no início do século XVII, criando uma rede de outros doze quilombos que, segundo algumas fontes, chegou a ter mais de 20000 habitantes, formando, ainda que simbolicamente, o primeiro Estado independente do Brasil. Havia poder político de comando, defesa militar e autossuficiência na produção de gêneros alimentícios. A morte do chefe Zumbi dos Palmares, substituto de seu tio Ganga Zumba, se deu no dia 20 de novembro de 1695, data em que se comemora o dia da consciência negra. Barbaramente, a cabeça de Zumbi foi cortada, salgada e levada para Recife, onde acabou exposta em praça pública com os seguintes dizeres: “para satisfazer os ofendidos e justamente queixosos e para atemorizar os negros que achavam que ele era imortal.”
Durante cerca de trezentos e cinquenta anos de escravatura, a formação de quilombos mostrou-se uma constante, pois aonde há a tirania do regime econômico escravocrata haverá a tentativa de fuga, já que a busca da liberdade constitui-se em um direito natural do homem. Tanto que o ato de se aquilombar ocorreu em outros pontos, recebendo os nomes de palenques nas colônias espanholas, marrons nas inglesas e grand marronage nas francesas. Segundo historiadores contemporâneos, quinze milhões de africanos foram arrancados de suas terras para a América, sendo que 40 % foram trazidos para o trabalho servil no Brasil, no que se chama de diáspora africana. Apenas para que se tenha uma noção de grandeza, no primeiro censo realizado em 1872, chegou-se a um número de 9.930.478 habitantes no Brasil.
O poder constituinte soberano que se formou no ano de 1987 andou bem em reconhecer, na forma de convenções internacionais, que era importante dar visibilidade ao fato histórico dos quilombos e dignidade à etnia africana que, ao lado de outras culturas, contribuiu para a formação do processo civilizatório nacional, gozando de proteção constitucional no tocante aos seus modos de criar, fazer e viver e, para esse fim, é fundamental a preservação do território.
Nessa linha, o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu com linguagem direta que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Trata-se de decisão típica de uma sociedade pluriétnica e que sinaliza a importância de resgatar um passado histórico hediondo de escravidão e que sonegou, sobretudo, à população negra o acesso à terra formal, dentre outros direitos sociais básicos.
Nesse sentido, o governo brasileiro já reconheceu, por meio de laudos antropológicos e históricos, que há mais de três mil quilombos remanescentes no Brasil e pouco mais de cem tiveram o reconhecimento da propriedade, gerando insegurança, violência no campo e dificuldade de emancipação social de tais comunidades. O fato é que contamos, nesse caso, com uma pífia efetividade constitucional de pouco mais de três por cento em trinta anos de vigência da Constituição. Entretanto, o momento não poderia ser mais auspicioso para superar essa lamentável ineficácia social da nossa lei maior. Em primeiro lugar, porque o STF reconheceu em 08/02/2018 a constitucionalidade do decreto federal 4887/03 que se propõe a tornar efetivo esse comando, inclusive a legitimidade do critério da autodefinição e, em segundo, em razão do compromisso declarado dos futuros delegatários do poder central de devotamento irrestrito ao cumprimento da Constituição da República de 1988.
A lição do historiador francês Fustel de Coulanges em sua Cidade Antiga se apresenta muito apropriada para esse tema quando diz que “felizmente, o passado jamais morre completamente para o homem. O homem pode muito bem o esquecer, mas continua trazendo-o consigo. Pois, tal como o é em cada época, ele é o produto e o resumo de todas as épocas anteriores. Se descer ao fundo de sua alma, pode reencontrar e distinguir essas diferentes épocas pelo que cada uma delas deixou.[1]”
[1] COLANGES, Fustel. FERREIRA, Roberto Leal (trad.) A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 18.
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