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Direito & Justiça
DIREITO & JUSTIÇA
Direito & Justiça n. 38
Fernando Antônio de Vasconcelos
10/02/2017
DE CORVOS E URUBUS
Foi comparar médicos a corvos e urubus e se deu mal! Quem? Um crítico literário, que resolveu enveredar por outras áreas e afirmou que “aqueles que se aproveitam da fragilidade humana para enriquecer seriam comparados a corvos e urubus”. A crítica foi feita em artigo publicado no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, em 25 de abril de 2014 (Vide Consultor Jurídico). Em um dos trechos, o crítico assim se expressou: ‘‘Como os corvos no trigal de Van Gogh, rondou-me a mente se médicos seriam como urubus dispostos a disputar a fraqueza alheia para encher o papo. A falta de saúde dos outros seria a saúde para a sua conta bancária. Decidi, porém, não ser justa a comparação. Urubus não se aproveitam de seres vivos. Só descem em círculos sobre defuntos. Quando temos o atestado de óbito, médicos não se interessam mais por nós’’.
O Sindicato dos médicos ajuizou ação de reparação por danos morais, alegando que “extrapola o direito à liberdade de expressão quem critica com intenção de ofensa, pelo nítido caráter pejorativo”. O juiz de primeiro grau condenou o escritor ao ressarcimento dos danos e a 10ª Câmara Cível do TJRS manteve a essência de sentença que condenou o crítico literário a pagar R$ 8 mil ao Sindicato Médico do RS (Simers), a título de reparação por danos morais. O acórdão expungiu parte da sentença que determinou que o crítico se retratasse no próprio jornal e com igual destaque.
Quanto a esta última parte, o relator define ser “descabida a compulsoriedade da retratação imposta ao demandado, porque determinar a manifestação pública sobre assunto contrário à sua convicção, tão somente para atender a ordem judicial, viola o exercício da sua liberdade, pois representaria opinião ficta”.
PADRE/ADVOGADO CONDENADO
Aqui o caso é outro: um Padre, que também é advogado, queria ser médico e não deu certo. Por isso pagará indenização de R$ 132 mil por impedir interrupção de gravidez. Ao saber que o feto não sobreviveria ao parto, os pais, residentes na cidade de Morrinhos, a 128 quilômetros de Goiânia, haviam buscado – e conseguido – autorização judicial para interromper a gravidez. Durante a internação hospitalar, a gestante (já, então, tomando medicação para induzir o parto), foi surpreendida com a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento. No habeas corpus impetrado em favor do feto, o padre afirmou que “os pais iriam praticar um homicídio”. Detalhe: o padre é também advogado e, na sua defesa atuou em causa própria, acompanhado por dois colegas.
A grávida, com dilatação já iniciada, teve que voltar para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela padeceu até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento. Semanas depois, o casal ajuizou uma ação por danos morais contra o padre, não obtendo sucesso na Justiça de Goiás. Então, marido e mulher recorreram ao STJ.
Em decisão unânime, a 3ª Turma do STJ condenou o reverendo a pagar reparação por danos morais no valor de R$ 60 mil (valor nominal) por haver impedido uma interrupção de gestação que já tinha sido autorizada pela Justiça. A ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ, entendeu que o padre abusou do direito de ação e violou direitos da gestante e de seu marido, provocando-lhes sofrimento inútil. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi classificou de “aterrorizante” a sequência de eventos sofridos pelo casal. Seu voto afirma que “esse exaustivo trabalho de parto, com todas as dores que lhe são inerentes, dão o tom, em cores fortíssimas, do intenso dano moral suportado, tanto pela recorrente como pelo marido”.
A relatora avaliou que o padre agiu “temerariamente” quando pediu a suspensão do procedimento médico de interrupção da gravidez, que já estava em curso, e impôs “sofrimento inócuo aos pais, notadamente à mãe”. De acordo com a ministra, o padre “buscou a tutela estatal para defender suas particulares ideias sobre a interrupção da gestação” e, com sua atitude, “agrediu os direitos inatos da mãe e do pai”, que contavam com a garantia legal de interromper a gestação.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO
O acórdão rechaçou ainda a tese da contestação de que a responsabilidade não seria do padre – que apenas requereu o habeas corpus – mas, sim, do Estado, pois foi a Justiça que efetivamente proibiu a interrupção da gestação. Segundo o julgado do STJ, “a busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”.
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