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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
Novo CPC: mandado de segurança e prazos para o juiz
14/09/2015
As mudanças mais extraordinárias ocorrem nas coisas mais simples. Um Código que tem sistema sofisticado de precedentes, coisa julgada sobre questões prejudiciais, estabilização das tutelas de urgência, princípio da cooperação, julgamento cronológico, etc., encontra sua melhor norma em singela alteração no cômputo dos prazos. Diz o art. 219: “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”.
Já havíamos comemorado esta rega, nesta mesma coluna, ao dizermos que o disposto no art. 219 “gera isonomia e dá congruência ao sistema” retirando da contagem dos prazos processuais os dias não úteis:
“…na advocacia contenciosa, a leitura do diário oficial, especialmente na quarta-feira, é evento de especial suspense. Havendo nesta data intimação para ato submetido a prazo de 5 (cinco) dias, na prática, o advogado tem apenas dois dias úteis para praticá-lo. É que, subtraindo-se o dia da leitura e o dia do cumprimento (com o qual seria imprudente contar), sobram apenas a quinta e a sexta-feira para a preparação do ato processual. Uma disparidade, considerando que a mens legis era garantir ao menos 5 dias para sua prática”.
O problema deste dispositivo – e que parece ser mesmo “o problema do Novo CPC” – está na incerteza. A despeito de bem pensado e redigido, não escapa às intermináveis polêmicas processuais. Não propriamente falamos do caput, transcrito acima, mas de seu parágrafo único, que diz: “O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais”.
Opa, mas o que são prazos processuais?
Caro leitor, aqui faço uma pausa. Acredito que você deve estar exclamando: “Ora, isso é coisa de processualista!” Prazo processual é prazo do processo, ora bolas. E processo é processo, todo mundo sabe!
Pena que as coisas não são bem assim. Farei apenas duas perguntas para provar meu ponto. Primeira, o prazo para ajuizamento de mandado de segurança (120 dias) é prazo processual e passará a se contar em dias úteis? E mais: os prazos para juiz e auxiliares, como aquele de 20 dias de antecedência para a audiência de conciliação ou mediação (CPC/2015, art. 334) também se contarão em dias úteis?[1]
No artigo anterior desta mesma coluna, André Roque já havia ressaltado este problema: “…nem sempre é fácil qualificar um prazo como processual. O conceito de prazo processual é intuitivo: período de tempo estabelecido para a prática de um ato processual. Mas o que é um ato “processual”? Chegamos a questão bastante complexa, que diz respeito aos atos processuais, em relação à qual ainda não se construiu uma teoria satisfatória, seja por sua unidade teleológica, seja pela interdependência entre atos processuais, seja porque podem ser praticados tanto por sujeitos privados quanto públicos, atraindo regimes jurídicos distintos (sobre o ponto, v. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014, v. 1, p. 234-235)”.
Precisamos, definitivamente, saber o é um prazo processual. Vamos lá!
O processo é feito de formas, de modo que o direito processual prescreve em abstrato requisitos de modo, tempo e lugar para a realização dos atos processuais, naquilo que a doutrina resolveu chamar de “formalismo processual” (sentido estrito).
A lei assim diz como, quando e onde os sujeitos do processo (autor, réu, juiz e auxiliares) devem agir para atuar validamente no processo (exercitarem atos processuais regulares com aptidão a priori para produzirem efeitos no processo).
Neste ponto, é relevante a observação de Fredie Didier, para quem os atos processuais podem estar na cadeia de um procedimento, ou mesmo lhe serem externos, definindo-se pela aptidão de interferirem “de algum modo no desenvolvimento da relação jurídica processual”.[2] Vejamos:
“Há os atos processuais, e há os atos do processo (melhor: do procedimento), que daqueles são exemplos. O ato do processo é o ato que compõe a cadeia de atos do procedimento; trata-se de ato processual propriamente dito. Mas há atos processuais que não fazem parte do procedimento, como é o caso da escolha convencional do foro (arts. 25 e 63, CPC). O conceito de ato processual deve abranger não só os atos do procedimento como também os demais atos que interfiram de algum modo no desenvolvimento da relação jurídica processual” (Curso de direito processual civil. Vol. 1. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 373).
Exemplos. O agravo é recurso que deve conter impugnação específica da decisão recorrida (modo), ser interposto no prazo de 15 dias da intimação da decisão recorrida (tempo) e perante o Tribunal competente (lugar). A contestação é ato que deve ser apresentado por escrito e impugnar especificamente os fundamentos da demanda (modo), no prazo de 15 (quinze dias) a contar da última audiência de conciliação ou mediação (tempo) e perante o juízo prevento (lugar). E assim por diante.
Muito bem: o prazo então é o tempo para realização dos atos processuais (atos jurídicos que interferem “de algum modo no desenvolvimento da relação jurídica processual”), pelos sujeitos do processo?
Não exatamente. O tempo no processo é medido sim em prazos, mas o prazos não são a única forma de mensuração. Explico. Temos atos processuais que são submetidos ao tempo por meio de fases e atos processuais submetidos ao tempo por meio de prazos.
No primeiro caso, não temos nem horas, nem dias nem anos especificados para sua realização, mas sabemos que o ato deve ser realizado antes do fim de uma determinada fase processual. Ex. Alteração de causa de pedir e pedido que, mesmo com anuência do réu, e passando 10 dias ou 10 anos, somente pode ocorrer até o saneamento do processo (CPC/2015, art. 329, II). No segundo caso, o tempo é certo e predeterminado, medido em horas, dias ou anos. Ex. A apelação é interposta no prazo de 15 dias da intimação da sentença.
Prazo processual, portanto, é o período de tempo, medido em horas, dias ou anos, vinculado à prática de um ato processual. E é importante ressaltar: o prazo não deixa de ser prazo se o ordenamento jurídico deixa de atribuir a consequência da preclusão temporal para o seu desatendimento. Prazo é prazo, independentemente das consequências da intempestividade![3]
Então o prazo para contestar, reconvir, apelar, agravar, embargar de declaração é prazo processual e passa a ser contado em dias úteis. Do mesmo modo, no cumprimento de sentença, o prazo para impugnação e, na execução, o prazo para embargos, devem ser contados em dias úteis. São prazos nascidos no curso do processo e vinculados à prática de um ato processual chamado “demanda”.
Do mesmo modo, os prazos para atos do juiz e seus auxiliares não deixam de ser prazos processuais. Não existiria motivos para se pensar o contrário, pois o Estado-juiz é sujeito e pratica atos processuais, muito dos quais submetidos a prazos. Independentemente de serem preclusivos ou não, são prazos do processo, prazos processuais.
Assim, o prazo de 2 (dois) dias para prestar informações sobre alegação de infração à ordem cronológica (CPC/2015, art. 153, § 4º), cinco dias para despachar, dez dias para decisão interlocutória e trinta dias para sentença (CPC/2015, art. 226, I, II e III), além dos já citados 20 dias de antecedência para designar audiência (CPC/2015, art. 334) são prazos a serem contados em dias úteis.
Diferentemente, outros prazos, que não são processuais, continuam exatamente a serem regulados como já são. Exemplo. Os prazos prescricionais do Código Civil, que se relacionam ao direito de exigir compulsoriamente o cumprimento de uma obrigação e não são vinculados a qualquer sorte de ato processual, continuam a seguir o regime da lei civil. O mesmo a ser dito a respeito dos prazos decadenciais, relacionado ao direito protestativo de criar, modificar ou extinguir vínculo jurídico.
Ok. A segunda pergunta colocada acima foi respondida, os prazos para o Juiz serão contados em dias úteis também, mas e quanto à primeira? Como fica a situação relativa ao mandado de segurança? Teremos agora prazo de cento e vinte dias úteis?
A questão principal reside na circunstância de que, Chiovenda, fazendo analogia ao direito civil, “encontrou a natureza jurídica do direito de ação” na classe dos direitos protestativos. E exatamente por estarem, no âmbito do direito civil, os direitos potestativos vinculados sempre a prazos decadenciais, a doutrina brasileira passou a qualificar como decadenciais também os prazos estabelecidos pela lei processual, para a propositura de determinadas demandas (procedimentos especializados), tais como a ação rescisória e o mandado de segurança.[4]
Segundo essa ideia, friamente, poderíamos pensar que o prazo de 120 (cento e vinte) dias do mandado de segurança seria um prazo regulado pelo direito civil, relativamente ao direito potestativo ao mandamus, motivo pelo qual não teria natureza “processual” e, nos termos do parágrafo único do art. 219 do CPC/2015, haveria de ser contado em dias corridos.[5]
Não podemos concordar com essa linha de pensamento. O mandado de segurança, não importa se é previsto pela Constituição ou pela Lei Federal, nada mais é do que um procedimento legal, uma técnica processual diferenciada. E exatamente por este motivo, possui requisitos de admissibilidade diferenciados, dentre os quais prazo para sua utilização.
Notemos que isso não é exclusivo do mandado de segurança. Apenas a título de exemplo, as ações possessórias (força nova) se submetem a prazo de ano e dia e os embargos à execução se submetem a prazo de 30 dias. Assim como no mandado de segurança, este prazo é requisito para a admissibilidade de um procedimento especial. Não cumprido tal requisito, não se perde direito material, mas tão somente a possibilidade de utilização daquele procedimento específico (tutela diferenciada), o qual normalmente traz alguma vantagem ao demandante (isenção de sucumbência, liminar sem “periculum in mora”, simplicidade formal, etc.).[6]
Isso, todavia, não lhe retira a circunstância de ser um prazo vinculado a ato processual da parte: a demanda inicial.
O modo da inicial é previsto pelo artigo 6º da Lei 12.109/2009, o lugar é previsto pelo artigo 102, II, “a” da CF entre outros, e o tempo, finalmente, pelo art. 23 da Lei 12.109/2009. É dizer, cuida de uma norma processual, que prevê o tempo para a prática de um ato que é inequivocamente processual (demanda), medindo-o em prazo, e que não traz nenhuma repercussão, senão para o processo. Tanto isso é verdade que, descumprido o prazo, o direito material adjacente à demanda continua intocado, podendo vir a ser tutelado pela via do procedimento comum.
Em suma: a norma que prevê a contagem dos prazos em dias úteis é positiva e deverá ser aplicada, não apenas aos atos do juiz e auxiliares submetidos a prazos, mas também a todos os atos processuais da parte, sejam estes atos submetidos a prazos no curso de processo ou, ainda, sejam atos iniciais do processo (demandas) submetidos a prazos com repercussões meramente processuais.
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[1] Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
[2] Os atos processuais representam o exercício de um poder, dever ou ônus e, ao serem realizados, acabam criando poderes, deveres ou ônus em face de outro sujeito do processo. Exemplos. A sentença é um ato processual, no qual o juiz cumpre um dever e acaba criando um ônus para que o sucumbente recorra. A demanda é um ato processual, no qual o demandante exerce o “poder” de ação, a qual gera o dever do Estado de “impulso oficial” e, após a citação, ônus para que o réu ofereça sua resposta.
[3] Os prazos processuais podem ser classificados em legais e judiciais. Os primeiros são estipulados diretamente pela lei, e não dependem de determinação judicial. Os segundos são fixados pelo juiz, nas hipóteses em que a lei processual se mostra omissa (CPC/73, art, 177). Além disso, podemos falar em prazos comuns e particulares. Os comuns são assinados contemporaneamente a mais de um sujeito processual. Os particulares, por sua vez, se estabelecem individualmente. Há, ainda, prazos próprios e impróprios. Os primeiros são associados à preclusão. Se não realizado o ato dentro do prazo, não mais poderão ser realizados. Os segundos, por sua vez, ainda que intempestivos, terão plena eficácia. Por fim, fala-se em prazos dilatórios e peremptórios. Os prazos dilatórios comportam prorrogação, que pode ser convencionada entre as partes (CPC/73, art. 181). Os peremptórios, por sua vez, são tidos como improrrogáveis, não podendo ser alterados mediante a manifestação de vontade (CPC/73, art. 182). (Cf. Chiovenda, Instituições de direito processual civil, vol. III, São Paulo: Saraiva, 1945, p. 19).
[4] Em seu bem sucedido artigo “Critério cientifico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”, Agnelo Amorin Filho estabelece relação entre decadência e prazo para ajuizamento de ação judicial. Embora o autor não trate do Mandado de Segurança, cujo prazo é estabelecido em dias e, portanto, relevante para este artigo, há menção à ação rescisória, de prazo de dois anos, o qual o autor classifica como prazo decadencial.
[5] Na coluna anterior, André Roque se referiu a este prazo como claramente de natureza “não processual”. Vejamos: “…há prazos que não podem ser compreendidos como processuais, por se relacionarem a circunstâncias logicamente anteriores à instauração do processo. O prazo de 120 dias para a impetração de mandado de segurança (art. 23, Lei nº 12.016/2009), por exemplo, não deve ser entendido como processual (v., nesse sentido, GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos e OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de.Teoria Geral do Processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 690) e, assim, se computa de forma contínua, inclusive nos fins de semana e feriados. Não por acaso, mesmo no CPC/1973, diversos precedentes destacavam não se aplicar a suspensão dos prazos processuais no recesso forense ao prazo para o mandado de segurança”.
[6] Conforme já nos manifestamos em trabalho anterior, “a imposição de exigências específicas, para que o jurisdicionado possa fazer uso de procedimento especial – como o cumprimento de prazo, oferecimento de garantia do juízo, etc. – normalmente é justificada por benefício que a via processual especial possa vir a trazer para o demandante. No passado, a exigência de requisitos especiais para que o executado pudesse lançar mão da via dos embargos do executado (i.e.: cumprimento de prazo processual e garantia do juízo) se justificava por um benefício de grande relevância, qual seja, a eficácia suspensiva, imediata e incondicionada, do processo de execução. No entanto, tal benefício foi extinto com a edição da Lei n.º 11.382/2006 que, ao instituir o art. 739-A ao CPC, especificou que ‘os embargos do executado não terão efeito suspensivo’. Dessa forma, a via processual dos embargos do executado foi equiparada, pela lei reformadora, ao procedimento comum ordinário”. (Marcelo Pacheco Machado, “Os novos embargos…”, Execução Extrajudicial, p. 350.). No mesmo sentido, cf. Araken de Assis, Manual do processo executivo, 8ª Ed., p. 578; e Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de execução civil, 1ª ed., p. 499.